Bem pertinho do final de novembro estreou o novo longa-metragem do diretor, genial e controverso, Woody Allen. O trabalho vem com a leveza típica de alguns clássicos do diretor e roteirista, e consegue trazer densidade em um ar cotidiano. Essa característica gera uma grande identificação do público, através de diálogos, sentimentos, inquietações e, principalmente, dos personagens construídos e que tem sua história brevemente partilhada em cena.
O novo trabalho é mais um longa-metragem passado em NY, que novamente tem um papel fundamental no desenrolar da trama. Sobre o tempo dos lugares expressos nas narrativas, Allen é um maestro. O diretor consegue, de forma quase despretensiosa, mostrar diferentes celeridades de vidas, muito motivadas por suas cidades e criações. Faz isso de forma incrível ao incluir em determinados espaços, indivíduos que se constituíram em outros lugares onde as rotinas são totalmente diferentes.
Em “Um dia de chuva em Nova York” temos a adorável Ashleigh (Elle Fanning) entrando pela primeira vez em sua vida adulta no ritmo frenético da Big Apple. A jovem do Arizona se envolve em tantas situações encadeadas e tão distantes de sua rotina em um só dia, que se perde em suas próprias convicções e desejos. Seu namorado Gatsby (Timothée Chalamet), por outro lado, reconhece cada gota de chuva de sua cidade natal com grande saudosismo. E no decorrer da narrativa, se reconecta com o seu lugar e recalcula suas escolhas.
No novo longa-metragem, mais uma vez vemos na tela a forma como as cidades são presentes e quase determinantes nos processos de apaixonamento que dão o norte das tramas (sempre embaladas por conflitos existenciais complexos e também toscos). E, essa estratégia pode ser percebida em alguns outros trabalhos de Woody Allen.
Um dos filmes mais queridinhos dos corações apaixonados meio cults é “Meia noite em Paris” (2011). Um filme encantador que traz em seu elenco nomes como Owen Wilson, Rachel McAdams e a musa francesa Marion Cotillard. Nesse neoclássico, Gil (personagem de Owen), descobre uma forma de viajar para o passado, deslumbrando-se com a Paris dos anos 1920 e conhecendo nomes importantes da literatura francesa (e mundial). O encantamento com a charmosa Paris do passado somado ao seu processo de apaixonamento por Adriana (Marion Cotillard) despertam no protagonista um profundo conflito interno, no qual questiona suas possibilidades atuais, o mundo moderno e suas próprias escolhas.
No ano seguinte (2012), uma nova produção do diretor também ambientada no velho continente chegou às telonas. “Para Roma, com Amor” é uma comédia romântica que segue a linha do tratamento leve para questões românticas complexas (que também pode ser percebido no novo trabalho do diretor). Trazendo em seu elenco o próprio Woody Allen, Penélope Cruz, Ellen Page, Jesse Eisenberg, Alec Baldwin, e o incrível Roberto Benigni, conta histórias que se cruzam e separam em diferentes pontos da narrativa. Leopoldo (Roberto Benigni) se torna famoso da noite pro dia e vê sua rotina mudar radicalmente (bem como seus parâmetros e valores – em algum nível). A essa parte divertida da trama somam-se a história de um casal americano que vai à cidade conhecer a família do noivo de sua filha, a história de um jovem casal perdido pela cidade, e a história de um arquiteto americano que retorna ao local onde viveu enquanto estudante e que se envolve no triângulo amoroso de outros três jovens. A atmosfera romântica de Roma não só é palco como estimula os desdobramentos dos encontros que ela proporciona. Mas no fim de todo o movimento proposto pelo filme, a vida e sua rotina seguem normalmente, como acontece sempre que não se vê a vida na cidade com uma lupa sobre suas histórias.
Mais recentemente o diretor trouxe aos cinemas um longa ambientado na Los Angeles de 1930. O filme de 2016, “Café Society”, mostra os bastidores da indústria cinematográfica tendo como fio condutor o romance entre sonhador Bobby (Jesse Eisenberg) e a secretaria de seu tio produtor de cinema Phil (Steve Carrel), Vonnie (Kristen Stewart). Para além de um figurino incrível, o filme apresenta com a leveza típica do diretor duras verdades sobre o padrão hollywoodiano.
Trabalhos que também colocam as cidades quase como personagens, mas que enfatizam as relações de forma mais densa são os longas-metragens “Vicky Cristina Barcelona” de 2008, e “Match Point” (2005, Inglaterra). Ambos trazendo como uma das protagonistas a musa (mas muito musa mesmo) Scarlett Johansson. Em “Vicky Cristina Barcelona” Scarlett divide os holofotes com Penélope Cruz, Rebecca Hall e Javier Barden, que juntos narram a história de duas amigas americanas viajando de férias para Barcelona onde conhecem o pintor garanhão Juan Antonio. O romance em trio é atravessado pela ex-mulher do artista, María Elena (Penélope Cruz). Um filme mais intenso e sexual do que os demais tratados, que pode ser categorizado como uma comédia romântica dramática. E, por fim, em “Match Point”, Scarlett encarna uma jovem que se apaixona pelo cunhado de seu namorado, o professor de tênis Chris Hilton (Jonathan Rhys Meyers), de quem engravida, passando a viver um conflito amoroso, cinzento como a cidade de Londres. Influenciado pelo livro “Crime e castigo” de Dostoyevsky, foi sucesso de público e crítica, à época.
Em todos esses filmes é possível perceber, na linguagem de Woody Allen, o clima das locações refletindo nas histórias contadas. O diretor certa vez disse que roda seus clássicos em locais onde consiga morar por ao menos 3 meses. Pode ser por essa vivência que consegue mostrar de forma tão interessante o olhar do turista e do residente, e brincar com diferentes relações entre personagens e cidades. A forma como as situações se constroem e desconstroem de maneira quase orgânica dão um sentimento de praticidade e realidade às narrativas, o que gera uma identificação do público, mesmo que em situações tão distantes da realidade dele. Allen consegue acessar valores muito particulares de forma coletiva, e pode ser esse um dos motivos de seu grande sucesso. No entanto, suas narrativas tendem a ser extremamente centradas em conflitos existenciais masculinos, e a forma como suas escolhas influenciam ou são influenciadas pelas mulheres que os cercam. E nesse ponto, segue uma crítica que atravessa a maior parte dos trabalhos citados aqui: em muitos casos tem-se a mulher apresentada de forma extremamente objetificada, com questões e sentimentos rasos frente a complexa cabeça masculina. E esse ponto também é presente no novo trabalho do diretor, que apesar de encantador, novamente incorre nesse padrão complicado.