domingo , 22 dezembro , 2024

Um Maluco no Pedaço e as Primeiras Séries de Representatividade Negra

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Sucesso de público no início dos anos 90, sitcom de Will Smith foi muito além da comédia

O recente anúncio de uma retomada do seriado Um Maluco no Pedaço (The Fresh Prince of Bel-Air), feito pelo elenco original liderado por Will Smith, veio em um momento que converge vários fatores diferentes, porém, interligados. A começar pelo aniversário de 30 anos da estreia do programa, no qual o astro fez seu debute para o grande público, mas também pelo delicado momento no qual os Estados Unidos atravessa em relação aos choques entre autoridades públicas e movimentos sociais como Antifa e Black Lives Matter.



Até 1990 a questão da representatividade da parcela afro-americana na televisão não só não era amplamente debatida como também sofria com a imposição de certos estereotipos, não muito diferente do que ocorria no cinema. Em seu artigo de 2008 intitulado The Perceived Realism of African American Portrayals on Television a autora Narissra M. Punyanunt-Carter pontua que a participação de personagens negros na televisão era caracterizada por assumir funções profissionais como cozinheiros, serventes, faxineiros, etc. .

Havia uma evidente falta de variação de funções nos programas que limitavam atores e atrizes negros em termos da própria atuação. No mesmo artigo, Narissra aponta também para a presença de estereótipos na representação de personalidades, geralmente sendo elas negativas. Segundo a autora “A Comissão Americana de Direitos Civis identificou que a representação de afro-americanos na televisão normalmente retratava as seguintes personalidades: inferior, estúpido, cômico, desonesto”.

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O clássico “E o Vento Levou” é um dos exemplos mais famosos de representação estereotipada

A história dos programas estrelados por atores negros, ou como o gênero é identificado: Black Sitcom, normalmente é traçada até o seriado Amos ‘n’ Andy, que durou de 1950 até 1953. Concebido originalmente como um programa de rádio nos anos 20, seu sucesso avassalador lhe garantiu uma passagem para a recém nascida televisão trinta anos depois. Ainda que a produção do seriado tenha optado por escalar atores negros para serem a dupla principal (uma vez que na primeira versão radiofônica tais personagens fossem interpretados por artistas brancos) isso não impediu que episódios de racismo ocorressem – começando pelas instruções passadas pelo estúdio aos atores para eles simularem o máximo possível o mesmo tipo de entonação de voz que seus antecessores usavam, eliminando assim quaisquer trejeitos ou sotaques que pudessem ser adicionados às atuações.

Em um artigo publicado na Ebony (revista voltada para o público afro-americano) de 1961 intitulado The Tragedy of Famous Comedy Series Made Originators Millionaires o autor, creditado apenas como Edward, aponta que a dupla de atores que deu vida à versão televisiva de Amos ‘n’ Andy (Spencer Williams e Alvin Childress) jamais viu um centavo de todo o lucro que a série obteve nos anos em que estava sendo transmitida.

Apesar de inovador, Amos ‘n’ Andy deixou uma herança ruim para seus protagonistas

A época em que o artigo foi escrito ambos os atores já estavam em idade avançada e sobrevivendo com pagamentos do seguro social ou tentando sem sucesso conseguir novos trabalhos no ramo, uma vez que por contrato eles não podiam trabalhar em outros papéis enquanto o seriado continuasse a passar.

A partir dos anos 70 o número de sitcoms focadas em famílias negras passou a aumentar, com destaque para The Jeffersons; um dos seriados de maior duração que já existiu e que por muito tempo ocupou o cargo de série com maior tempo de existência tendo um elenco principal majoritariamente negro. O programa também se notabilizou por abordar o casamento inter-racial por meio do casal principal; pauta essa que, mesmo após a oficialização dos direitos civis nos anos 60, ainda era um tabu muito forte naquela sociedade.

Na matéria de Danielle Cadet para o HuffPost US intitulada The Jeffersons’: How Sherman Hemsley And The Sitcom Changed The Landscape Of American Television é levantado o papel ativo que o seriado desempenhou para estabelecer uma família inter-racial no comando do próprio programa. “The Jeffersons se utilizou de humor confrontacional e comentário sincero que ajudaram a facilitar a discussão de temas como raça e classe na televisão americana (e além)… ”

O elenco diversificado de “The Jeffersons

Essa perspectiva abriu espaço para, em 1978, Diff’rent Strokes (no Brasil conhecido como Arnold) estrear. Protagonizada pelo jovem Gary Coleman a sitcom apresentou uma família inter-racial, da classe alta de Nova York e com um roteiro recheado de tiradas e piadas pontuais que popularizaram alguns bordões (como o normalmente mencionado pelo próprio Arnold). A série, porém, não fugiu de tocar em temas sensíveis como racismo ou diferenças sociais; seja pelo choque de realidade que os irmãos trouxeram do Harlem para a nova casa ou pela forma como o novo meio lhes recepcionou.

Nos anos 80 foi ao ar The Cosby Show, programa que foi líder de audiência na década comandado pelo comediante Bill Cosby (hoje cumprindo pena por crimes sexuais desde 2018). O programa é constantemente creditado como um dos que abriram passagem para a reprodução de famílias afro-americanas, inclusive tendo sido responsabilizado por abrir caminho para Um Maluco no Pedaço.

No artigo Why ‘The Cosby Show’ Still Matters para o The New York Times, o jornalista Jake Flanagin aponta que “The Cosby Show tem sido descrito como um show que redefiniu negritude, apresentando uma construção nuclear que, até sua estreia em 1984, não era nem mesmo considerado como uma possibilidade… ”.

Apesar dos crimes praticados por Bill Cosby, “The Cosby Show” foi o grande sucesso de 1984 e um dos maiores dos anos 80

Isso leva ao ano de 1990, quando o casal Susan Borowitz e Andy Borowitz começaram a elaborar uma nova série para o canal NBC que seria focada na inserção de um jovem negro oriundo da Philadelphia no rico bairro de Bel-Air, Los Angeles, Califórnia, onde um choque de realidade seria inevitável. Desde o princípio o nome de Will Smith sempre esteve escolhido, visto que o então aspirante a ator vinha fazendo sucesso na carreira musical desde 1989.

A construção do elenco e desenvolvimento do programa seguiu os moldes do que produções anteriores haviam iniciado: a opção por um grupo majoritariamente afro-americano que, por meio da comédia, abordaria temas como segregação (tio Phil e a tia Vivian terem marchado pelos direitos civis em Selma), sexo (interações do Will com a namorada, principalmente no episódio do terremoto), violência policial (a tirada do Jazz de levantar as mão ao falar com o meirinho em um julgamento), paternidade ausente (desabafo do Will sobre a falta do pai em sua vida).

Um Maluco no Pedaço teve duração de seis anos. Em 1993 disputou o Globo de Ouro na categoria de “melhor ator em comédia ou musical” com Will Smith, mas no mesmo ano levou um Image Award na categoria de “melhor série”. Porém, culturalmente a série se tornou um marco para toda uma geração, uma porta de entrada, mesmo que tímida, para temas sociais mais amplos. 

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O recente anúncio de uma retomada do seriado Um Maluco no Pedaço (The Fresh Prince of Bel-Air), feito pelo elenco original liderado por Will Smith, veio em um momento que converge vários fatores diferentes, porém, interligados. A começar pelo aniversário de 30 anos da estreia do programa, no qual o astro fez seu debute para o grande público, mas também pelo delicado momento no qual os Estados Unidos atravessa em relação aos choques entre autoridades públicas e movimentos sociais como Antifa e Black Lives Matter.

Até 1990 a questão da representatividade da parcela afro-americana na televisão não só não era amplamente debatida como também sofria com a imposição de certos estereotipos, não muito diferente do que ocorria no cinema. Em seu artigo de 2008 intitulado The Perceived Realism of African American Portrayals on Television a autora Narissra M. Punyanunt-Carter pontua que a participação de personagens negros na televisão era caracterizada por assumir funções profissionais como cozinheiros, serventes, faxineiros, etc. .

Havia uma evidente falta de variação de funções nos programas que limitavam atores e atrizes negros em termos da própria atuação. No mesmo artigo, Narissra aponta também para a presença de estereótipos na representação de personalidades, geralmente sendo elas negativas. Segundo a autora “A Comissão Americana de Direitos Civis identificou que a representação de afro-americanos na televisão normalmente retratava as seguintes personalidades: inferior, estúpido, cômico, desonesto”.

O clássico “E o Vento Levou” é um dos exemplos mais famosos de representação estereotipada

A história dos programas estrelados por atores negros, ou como o gênero é identificado: Black Sitcom, normalmente é traçada até o seriado Amos ‘n’ Andy, que durou de 1950 até 1953. Concebido originalmente como um programa de rádio nos anos 20, seu sucesso avassalador lhe garantiu uma passagem para a recém nascida televisão trinta anos depois. Ainda que a produção do seriado tenha optado por escalar atores negros para serem a dupla principal (uma vez que na primeira versão radiofônica tais personagens fossem interpretados por artistas brancos) isso não impediu que episódios de racismo ocorressem – começando pelas instruções passadas pelo estúdio aos atores para eles simularem o máximo possível o mesmo tipo de entonação de voz que seus antecessores usavam, eliminando assim quaisquer trejeitos ou sotaques que pudessem ser adicionados às atuações.

Em um artigo publicado na Ebony (revista voltada para o público afro-americano) de 1961 intitulado The Tragedy of Famous Comedy Series Made Originators Millionaires o autor, creditado apenas como Edward, aponta que a dupla de atores que deu vida à versão televisiva de Amos ‘n’ Andy (Spencer Williams e Alvin Childress) jamais viu um centavo de todo o lucro que a série obteve nos anos em que estava sendo transmitida.

Apesar de inovador, Amos ‘n’ Andy deixou uma herança ruim para seus protagonistas

A época em que o artigo foi escrito ambos os atores já estavam em idade avançada e sobrevivendo com pagamentos do seguro social ou tentando sem sucesso conseguir novos trabalhos no ramo, uma vez que por contrato eles não podiam trabalhar em outros papéis enquanto o seriado continuasse a passar.

A partir dos anos 70 o número de sitcoms focadas em famílias negras passou a aumentar, com destaque para The Jeffersons; um dos seriados de maior duração que já existiu e que por muito tempo ocupou o cargo de série com maior tempo de existência tendo um elenco principal majoritariamente negro. O programa também se notabilizou por abordar o casamento inter-racial por meio do casal principal; pauta essa que, mesmo após a oficialização dos direitos civis nos anos 60, ainda era um tabu muito forte naquela sociedade.

Na matéria de Danielle Cadet para o HuffPost US intitulada The Jeffersons’: How Sherman Hemsley And The Sitcom Changed The Landscape Of American Television é levantado o papel ativo que o seriado desempenhou para estabelecer uma família inter-racial no comando do próprio programa. “The Jeffersons se utilizou de humor confrontacional e comentário sincero que ajudaram a facilitar a discussão de temas como raça e classe na televisão americana (e além)… ”

O elenco diversificado de “The Jeffersons

Essa perspectiva abriu espaço para, em 1978, Diff’rent Strokes (no Brasil conhecido como Arnold) estrear. Protagonizada pelo jovem Gary Coleman a sitcom apresentou uma família inter-racial, da classe alta de Nova York e com um roteiro recheado de tiradas e piadas pontuais que popularizaram alguns bordões (como o normalmente mencionado pelo próprio Arnold). A série, porém, não fugiu de tocar em temas sensíveis como racismo ou diferenças sociais; seja pelo choque de realidade que os irmãos trouxeram do Harlem para a nova casa ou pela forma como o novo meio lhes recepcionou.

Nos anos 80 foi ao ar The Cosby Show, programa que foi líder de audiência na década comandado pelo comediante Bill Cosby (hoje cumprindo pena por crimes sexuais desde 2018). O programa é constantemente creditado como um dos que abriram passagem para a reprodução de famílias afro-americanas, inclusive tendo sido responsabilizado por abrir caminho para Um Maluco no Pedaço.

No artigo Why ‘The Cosby Show’ Still Matters para o The New York Times, o jornalista Jake Flanagin aponta que “The Cosby Show tem sido descrito como um show que redefiniu negritude, apresentando uma construção nuclear que, até sua estreia em 1984, não era nem mesmo considerado como uma possibilidade… ”.

Apesar dos crimes praticados por Bill Cosby, “The Cosby Show” foi o grande sucesso de 1984 e um dos maiores dos anos 80

Isso leva ao ano de 1990, quando o casal Susan Borowitz e Andy Borowitz começaram a elaborar uma nova série para o canal NBC que seria focada na inserção de um jovem negro oriundo da Philadelphia no rico bairro de Bel-Air, Los Angeles, Califórnia, onde um choque de realidade seria inevitável. Desde o princípio o nome de Will Smith sempre esteve escolhido, visto que o então aspirante a ator vinha fazendo sucesso na carreira musical desde 1989.

A construção do elenco e desenvolvimento do programa seguiu os moldes do que produções anteriores haviam iniciado: a opção por um grupo majoritariamente afro-americano que, por meio da comédia, abordaria temas como segregação (tio Phil e a tia Vivian terem marchado pelos direitos civis em Selma), sexo (interações do Will com a namorada, principalmente no episódio do terremoto), violência policial (a tirada do Jazz de levantar as mão ao falar com o meirinho em um julgamento), paternidade ausente (desabafo do Will sobre a falta do pai em sua vida).

Um Maluco no Pedaço teve duração de seis anos. Em 1993 disputou o Globo de Ouro na categoria de “melhor ator em comédia ou musical” com Will Smith, mas no mesmo ano levou um Image Award na categoria de “melhor série”. Porém, culturalmente a série se tornou um marco para toda uma geração, uma porta de entrada, mesmo que tímida, para temas sociais mais amplos. 

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