quinta-feira , 21 novembro , 2024

Um peso, duas medidas: Richthofen, Bundy e o complexo do vira-lata

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Suzane Von Richthofen tornou-se mundialmente famosa depois de orquestrar o assassinato brutal de seus pais. Não demoraria muito até que sua história fosse levada aos cinemas brasileiros – e tal promessa se cumpriu com o anúncio de algo inédito na indústria do entretenimento: A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais chegarão às salas de todo o território nacional com a mesma narrativa, mas com perspectivas diferentes (uma delas com a versão de Suzane e a outra, com a do ex-namorado Daniel Cravinhos).

Entretanto, uma onda de repúdio aos dois longas-metragens tomou conta das redes sociais de modo indescritível – alguns internautas condenando a própria ideia de se levar uma história dessas às telonas, outros pedindo que o presidente da República inconstitucionalmente vetasse o financiamento de um filme desse modo.



Confira:

Apesar da síndrome de “bom samaritano” encarnada com força por pessoas como as supracitadas, tudo não passa de falso moralismo e de algo que vai para muito além de um repúdio justificável: o complexo de vira-lata.

Criada pelo dramaturgo, cronista e jornalista Nelson Rodrigues em meados do século passado, a expressão surgiu na Copa do Mundo de 1950, quando o Brasil foi desclassificado enquanto jogava em casa e continuou a ter performances sofríveis nos campeonatos seguintes como se “tivesse medo de se impor perante os adversários” (via Monitor Digital). Em sentido amplo, esse complexo reflete a baixa autoestima do brasileiro que, como resposta a um “tremelique” constante, deprecia as próprias cultura, inteligência, economia e até mesmo moral.

E não se enganem: mesmo pavimentada há várias décadas, o vira-latismo nacional implora por aceitação estrangeira e é nutrido de um sentimento ridiculamente reprovável de autopiedade – disfarçado, é claro, de um pedantismo imperialista que remonta aos tempos coloniais. Em outras palavras, precisamos que Estados de Primeiro Mundo (como as nações europeias e, principalmente, os Estados Unidos) nos digam constantemente que somos o bastante e que somos adorados. Já numa esfera interior e pessoal, as ferrenhas críticas são muito mais comuns que um simples elogio e o necessário reconhecimento da importância do país para a cultura mundial.

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Isso não se limita apenas a patrimônios imateriais, mas, como já mencionado, estende-se para o fomento e o apoio do entretenimento nacional – seja em séries, filmes ou novelas. Utilizando o exemplo de A Menina que Matou os Pais, parece inacreditável observar que, na segunda década do século XXI, a hipocrisia ética seja imperativa e use de argumentos insólitos e refutáveis para defender um cretino ponto de vista.

Afinal, os grandes filmes de drama e suspense (vários deles inclusive vencedores de diversos prêmios de alto calibre) têm como foco a análise da psique humana e a correlação entre patologia e psicose. Ou seja, obras sobre serial killers que não são aclamados apenas no exterior, mas também aqui. Temos, por exemplo, ‘Se7en – Os Sete Crimes Capitais’ e Zodíaco, dois longas-metragens que até hoje servem de inspiração para contos de mistério e de assassinato, comandados pelo mestre David Fincher; o clássico O Silêncio dos Inocentes, que rendeu a Anthony Hopkins e Jodie Foster suas respectivas estatuetas do Oscar; O Massacre da Serra Elétrica, cujo legado trash é revisitado constantemente por adoradores dos anos 1970 e 1980; Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal’, que foi baseado numa história real de um homicida que esquartejou mais de 30 pessoas; e até mesmo ‘O Alienista’, que nos apresenta uma versão nova-iorquina do famoso assassino em série Jack, o Estripador.

E o que todas essas produções têm em comum? Bom, o fato de serem aclamadas pelo público brasileiro e terem sido feitas em outros países que não o nosso. Então por que não podemos levantar a nossa própria bandeira, como muitos falsos patriotas proferem dia após dia, e dar uma chance ao crescimento do cinema nacional?

Tal questionamento não tem uma resposta única, mas deixa claro uma coisa: a síndrome do vira-lata nunca esteve tão fortemente entranhada nos nossos valores.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Entretanto, uma onda de repúdio aos dois longas-metragens tomou conta das redes sociais de modo indescritível – alguns internautas condenando a própria ideia de se levar uma história dessas às telonas, outros pedindo que o presidente da República inconstitucionalmente vetasse o financiamento de um filme desse modo.

Confira:

Apesar da síndrome de “bom samaritano” encarnada com força por pessoas como as supracitadas, tudo não passa de falso moralismo e de algo que vai para muito além de um repúdio justificável: o complexo de vira-lata.

Criada pelo dramaturgo, cronista e jornalista Nelson Rodrigues em meados do século passado, a expressão surgiu na Copa do Mundo de 1950, quando o Brasil foi desclassificado enquanto jogava em casa e continuou a ter performances sofríveis nos campeonatos seguintes como se “tivesse medo de se impor perante os adversários” (via Monitor Digital). Em sentido amplo, esse complexo reflete a baixa autoestima do brasileiro que, como resposta a um “tremelique” constante, deprecia as próprias cultura, inteligência, economia e até mesmo moral.

E não se enganem: mesmo pavimentada há várias décadas, o vira-latismo nacional implora por aceitação estrangeira e é nutrido de um sentimento ridiculamente reprovável de autopiedade – disfarçado, é claro, de um pedantismo imperialista que remonta aos tempos coloniais. Em outras palavras, precisamos que Estados de Primeiro Mundo (como as nações europeias e, principalmente, os Estados Unidos) nos digam constantemente que somos o bastante e que somos adorados. Já numa esfera interior e pessoal, as ferrenhas críticas são muito mais comuns que um simples elogio e o necessário reconhecimento da importância do país para a cultura mundial.

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Isso não se limita apenas a patrimônios imateriais, mas, como já mencionado, estende-se para o fomento e o apoio do entretenimento nacional – seja em séries, filmes ou novelas. Utilizando o exemplo de A Menina que Matou os Pais, parece inacreditável observar que, na segunda década do século XXI, a hipocrisia ética seja imperativa e use de argumentos insólitos e refutáveis para defender um cretino ponto de vista.

Afinal, os grandes filmes de drama e suspense (vários deles inclusive vencedores de diversos prêmios de alto calibre) têm como foco a análise da psique humana e a correlação entre patologia e psicose. Ou seja, obras sobre serial killers que não são aclamados apenas no exterior, mas também aqui. Temos, por exemplo, ‘Se7en – Os Sete Crimes Capitais’ e Zodíaco, dois longas-metragens que até hoje servem de inspiração para contos de mistério e de assassinato, comandados pelo mestre David Fincher; o clássico O Silêncio dos Inocentes, que rendeu a Anthony Hopkins e Jodie Foster suas respectivas estatuetas do Oscar; O Massacre da Serra Elétrica, cujo legado trash é revisitado constantemente por adoradores dos anos 1970 e 1980; Ted Bundy – A Irresistível Face do Mal’, que foi baseado numa história real de um homicida que esquartejou mais de 30 pessoas; e até mesmo ‘O Alienista’, que nos apresenta uma versão nova-iorquina do famoso assassino em série Jack, o Estripador.

E o que todas essas produções têm em comum? Bom, o fato de serem aclamadas pelo público brasileiro e terem sido feitas em outros países que não o nosso. Então por que não podemos levantar a nossa própria bandeira, como muitos falsos patriotas proferem dia após dia, e dar uma chance ao crescimento do cinema nacional?

Tal questionamento não tem uma resposta única, mas deixa claro uma coisa: a síndrome do vira-lata nunca esteve tão fortemente entranhada nos nossos valores.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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