Você já ouviu falar de Viagem das Loucas? Pois é, a maioria não ouviu. Há cinco anos estreava sem qualquer alarde esta comédia da 20th Century Fox que marcou por trazer em seu elenco protagonizando uma das atrizes mais queridas de Hollywood. E não me refiro à Amy Schumer. Nada contra. Mas o assunto aqui é a veterana Goldie Hawn.
Antes de Viagem das Loucas, a estrela estava há nada menos do que 15 anos afastada das telas. Vencedora do Oscar pelo filme Flor de Cacto (1969) – um dos longas que inspiraram Quentin Tarantino em Era uma Vez em Hollywood -, Hawn estreou em sua carreira mais ou menos nesta mesma época, no fim dos anos 1960. Foi o que bastou para a atriz causar um grande impacto, afinal poucas são as intérpretes que logo em seu primeiro filme saem laureadas com o prêmio máximo do cinema – algo que todos os profissionais da área almejam. Já é um presente ser indicado, o que dirá sair vitorioso.
Na década de 1970 Goldie Hawn já era a nova namoradinha da América, devido ao jeito ingênuo e doce no qual a maioria de suas personagens eram montadas, além da aparência angelical da atriz. Filmes como Caiu uma Moça na Minha Sopa (1970), com Peter Sellers, A Garota de Petrovka (1975), com Anthony Hopkins, Louca Escapada (1974), de Steven Spielberg, Shampoo (1975), com Warren Beatty, e Golpe Sujo (1978), com Chevy Chase, contribuíram para a construção desta persona de Hawn e para o estrelato da jovem – que iniciou essa jornada aos 25 aninhos.
Goldie Hawn adentrava os anos 1980 com nova indicação ao Oscar, desta vez como atriz principal por A Recruta Benjamin (1980), filme sobre uma mulher rica que decide ingressar no exército, mas não imagina a dureza que enfrentará. O filme é uma comédia, gênero nem sempre apreciado pelos votantes da Academia, mas um terreno onde a atriz sempre se sentiu segura para exalar seu charme inocente. Daí seguiram Parece que Foi Ontem (nova parceria com Chevy Chase), Amigos Muito Íntimos (com Burt Reynolds), Segundo Turno (onde conheceu o marido Kurt Russell), Trapalhadas na Casa Branca, Uma Gatinha Boa de Bola e a segunda parceria com o companheiro na comédia cult Um Salto para a Felicidade.
Em sua terceira década de atuação no cinema, os anos 1990, Goldie Hawn perdia a relevância que uma vez teve, e seus filmes não se conectavam tanto assim mais com a audiência. Isso não significa que não tenha tido sucessos na época – como o cult A Morte Lhe Cai Bem (1992) e O Clube das Desquitadas (1996). A recepção ruim de seus últimos projetos, já no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, fez com que Goldie Hawn resolvesse dar um tempo na atuação e se dedicasse à família – com sua filha (um clone seu), Kate Hudson, herdando produções nos mesmos moldes que a mãe costumava fazer. Atualmente, seu filho mais novo, Wyatt Russell, também faz sucesso nas telas e aderiu ao Universo Cinematográfico da Marvel onde vive o personagem John Walker, o Agente Americano.
É uma faca de dois gumes quando um ator, ainda mais veterano, resolve se aposentar por motivo de seus filmes não estarem mais rendendo lucro nas bilheterias ou elogios dos críticos. Por um lado, sentimos falta destes astros tão queridos e desejamos vê-los de novo em cena – em especial em bons projetos. Por outro, sempre teremos seus clássicos para revisitar quando quisermos, afinal o cinema os torna imortais. O que é preferível, sair de cena enquanto lembramos deles de forma especial, ou seguirem participando de tranqueiras até se tornarem os “tiozinhos que fazem filmes ruins” para as novas gerações? Este é o caso com lendas como Robert De Niro, Al Pacino, Bruce Willis e até Anthony Hopkins. É claro que vira e mexe conquistam um acerto e conseguem reinventar suas carreiras – como é o caso com Sylvester Stallone.
Grandes atores do passado optaram por se aposentar, indo contra a máxima de que um ator nunca se aposenta verdadeiramente, só na morte. Gente do nível de Sean Connery estava aposentado desde 2003 até seu falecimento em 2020. Assim como o grande comediante Gene Wilder havia saído de cena no fim dos anos 1990, até falecer em 2016. O “monstro” Gene Hackman ainda está vivo, mas não faz um filme desde 2004. Jack Nicholson saiu de cena em 2010, e como protagonista em 2007; e Warren Beatty não estrelava um filme desde 2001, saindo brevemente da aposentadoria em 2016 para Regras Não se Aplicam. Ou seja, existe precedente. E Goldie Hawn era um destes exemplos de atores que simplesmente cansaram.
Até então o último trabalho de Goldie Hawn como atriz no cinema havia sido Doidas Demais (2002), que está completando 20 anos em 2022, e no qual protagoniza ao lado de Susan Sarandon como duas ex-roqueiras que viviam nas estradas atrás das bandas. Antes disso foi justamente ao lado de Warren Beatty no fiasco Ricos, Bonitos e Infiéis (2001). Quinze anos se passaram e nada de Goldie Hawn. Até que em 2017, há exatos cinco anos, um filme mexeu com a curiosidade da estrela e a fez deixar a aposentadoria e voltar às telonas. Trata-se de Viagem das Loucas (Snatched), veículo para a humorista Amy Schumer – que por sua vez se tornou sensação nos EUA ao protagonizar o sucesso surpresa Descompensada (2015). Schumer faz o estilo da mulher solteira, beberrona e pegadora, cuja vida pessoal e profissional é um trem desgovernado. Esse estilo que apenas replica o comportamento muito criticado dos homens do passado desce cada vez menos redondo nos tempos politicamente corretos de hoje em dia – e fez com que o público rapidamente enjoasse do repertório da comediante, garantindo o fracasso de Viagem das Loucas, logo dois anos depois de seu maior sucesso.
Apesar disso, o que conta a favor de Amy Schumer é sua atitude body positve. Ou seja, Schumer é uma atriz acima do peso, que vai contra os padrões de estética passados – e se tornou uma forte representante do conceito “seja feliz com seu corpo, seja ele como for”. Isso se reflete na maioria de seus filmes. Apesar da esnobada do público em Viagem das Loucas, o filme tem mais atrativos do que se possa imaginar à primeira vista, e pode surpreender os desavisados. Não me leve a mal, a comédia está muito longe de ser um primor, ou sequer original. Na verdade o que conta aqui são as entrelinhas e em especial a química entre Schumer e Hawn como filha e mãe. Os estilos das comediantes se encontram e se balanceiam.
Na trama, escrita pela roteirista Katie Dippold (da série Parks & Recreation e da comédia com Sandra Bullock e Melissa McCarthy, As Bem-Armadas), traz Amy Schumer como Emily, a típica personagem da atriz. Ela é egocêntrica e destrambelhada. Mas o que Schumer retrata na verdade é uma crítica a um estilo de vida fútil, vivido por muitos. Sua personagem vive de aparência e decidiu que uma viagem para um cenário exótico iria alavancar seu status social, priorizada acima até mesmo de ter um emprego. Tudo piora para ela quando seu namorado pede a separação e ela fica sem companhia para a tal viagem que acha que mudaria sua vida. Depois de procurar nos quatro cantos, resolve apelar para a mãe (papel de Goldie Hawn) como colega de viagem, quem ela considera que está se escondendo do mundo, reclusa em sua rotina monótona e que no passado era uma aventureira nata.
Assim, após convencer a mãe, a dupla de “loucas” como diz o título parte para o Equador – embora a produção tenha filmado no Havaí. Existe ainda a questão da polêmica que costuma acometer filmes americanos que retratam culturas da América do Sul ou Central como países repletos de perigos e criminosos. Assim como o último Rambo Até o Fim (2019) mostra o herói de Stallone contra mexicanos – Viagem das Loucas vai além de uma comédia sobre a relação problemática de mãe e filha muito diferentes, se torna uma espécie de thriller (de mentirinha) onde ambas são sequestradas e depois perseguidas por bandidos equatorianos. Talvez isso não tenha feito os espectadores do país citado nada felizes.
Apesar destra controvérsia, da rotina formulaica de filmes do tipo e de momentos que realmente não funcionam (como as personagens de Wanda Sykes e Joan Cusack – apesar de renderem pelo menos uma piada boa ao final), como dito o filme possui seus momentos engraçados, em especial os que dizem respeito ao humor autodepreciativo de Amy Schumer – que faz a trama girar e coloca as duas em risco. É bobo, mas ao mesmo tempo ácido e incorreto – dono de muitas piadas abaixo da linha da cintura e impróprias para menores, como esperado do humor de Schumer. A violência aliás corre solta, aumentando um pouco a censura.
Mas o grande chamariz é realmente a volta de Goldie Hawn às telas. É dito que Amy Schumer precisou lutar para ter a veterana no filme, de quem é fã. O estúdio não queria Hawn, mas Schumer ameaçou deixar a produção caso sua mãe não fosse interpretada por ela. Parte do que funciona em Viagem das Loucas se deve também pela direção dinâmica e enxuta de Jonathan Levine, especialista em mesclar humor com muito coração. Em seu repertório, o cineasta tem obras como 50% (2011) e Casal Improvável (2019). No centro deste filme também temos uma relação mais sincera do que poderíamos imaginar à primeira vista.
Com um orçamento de US$42 milhões, Viagem das Loucas arrecadou US$45 milhões nos EUA, e US$60 milhões mundiais, evitando um prejuízo, mas ficando longe do sucesso. No Brasil, o filme sequer foi lançado nos cinemas. Uma chance de conferi-lo é no acervo da Star+. Talvez o principal objetivo de Viagem das Loucas tenha sido atingido: fazer o bichinho da atuação morder de novo Goldie Hawn, despertando novamente o interesse da estrela pelas telas. Depois do filme, Hawn fez participação ao lado do marido nos dois Crônicas de Natal (2018 e 2020), no qual viveu a esposa do Papai Noel, a Sra. Noel, para a Netflix. Fora isso, Family Jewel está atualmente em fase de pré-produção e promete reunir em tela Goldie Hawn, Bette Midler e Diane Keaton, veteranas de O Clube das Desquitadas, numa história sobre três mulheres forçadas a passar o Natal juntas, ao lado de suas famílias, depois que o homem com quem as três foram casadas morre. Os fãs agradecem.