Criados pelo cartunista americano Charles Addams em 1938, A Família Addams estreia sua mais recente série de TV com duas grandes novidades em sua trajetória. Primeiro, como diz o título, Wandinha (ou Wednesday no original) marca a primeira investida em um programa solo de um dos membros da Família, deixando o resto do clã em papeis de suporte como coadjuvantes. E a segunda novidade é que trata-se do primeiro seriado dos personagens desenvolvido e lançado diretamente para uma plataforma de streaming: a número 1 do mercado, Netflix.
Mostrando que as criações de Charles Addams ainda possuem muito potencial lucrativo (se feitos da maneira certa), Wandinha já é um sucesso absoluto na Netflix, rapidamente se tornando a terceira série mais vista na plataforma – atrás somente da quarta temporada de Stranger Things e de Dahmer – Um Canibal Americano. Levando em conta que Wandinha fez sua estreia recentemente, no dia 23 de novembro, e que a Netflix analisa sua audiência em uma janela de 28 dias após a estreia, a nova série dos Addams ainda tem duas semanas para quem sabe ultrapassar o número de visualizações dos primeiros colocados.
O sucesso de Wandinha merece ser creditado à muitas mentes criativas, mas principalmente duas. A primeira é a do visionário Tim Burton, que começou a carreira com um sucesso atrás do outro, incluindo obras que se tornaram cult – como os dois primeiros filmes de Batman no cinema e também Edward Mãos de Tesoura, Os Fantasmas se Divertem e Ed Wood. Burton andava meio em baixa devido a seus mais recentes longas, mas parece ter se encontrado novamente em sua primeira investida nas telinhas (às vezes isso é tudo o que basta para um artista encontrar novamente sua voz). E depois, a protagonista da série, a menina Jenna Ortega, de 20 anos, que rouba todos os holofotes e pode vir a se tornar uma estrela do primeiro time de Hollywood graças ao seu desempenho.
Pensando nisso, e como forma de homenagear o sucesso estrondoso de Wandinha, resolvemos voltar ao passado e apresentar para você as origens destes personagens tão queridos, assim também como as principais encarnações que eles tiveram ao longo dos anos, nas telinhas e telonas. Confira abaixo.
A Origem
A ideia do cartunista Charles Addams era satirizar a “família ideal do Século XX”, criando sua inversão completa. Ricos aristocratas, o clã se diverte com o macabro, alheios ou simplesmente sem se importar com o fato de que outras pessoas os achem bizarros e assustadores.
Originalmente, a família era constituída pelo patriarca Gomez – com traços latinos, um bigodinho fino e sempre usando um elegante terno listrado -, a matriarca Morticia – magérrima, de pele pálida e cabelos negros escorridos, sempre dentro de um apertado vestido preto comprido –, seus filhos Feioso (Pugsley) e Wandinha (Wednesday) – um menino gordinho de cabeça raspada e blusa listrada, e a menina, uma cópia mirim de sua mãe, com trancinhas. Formação principal esta que é mantida até hoje. Além da vovó – uma senhora idosa de longos cabelos brancos, com a aparência de uma bruxa, ela é a mãe de Morticia – e o tio Funéreo (Fester no original, e também conhecido como tio Chico no Brasil), irmão de Gomez, careca, de pele branca e olheiras, e uma peça de roupa única (uma espécie de túnica negra). Tropeço (Lurch) não é um membro da família de sangue, mas um agregado que se tornou parte dela. Ele é o mordomo dos Addams, um sósia do monstro de Frankenstein imortalizado por Boris Karloff, de bom coração e que não fala, apenas emite grunhidos.
Em 1954, A Coisa (Thing) era introduzida nos quadrinhos. Uma espécie de animal de estimação da família, a Coisa é uma mão decepada que se mexe, tem vida e se comporta como o cachorrinho da casa. Em sequência foi a vez do primo It aparecer nas publicações, fazendo seu debute em 1965. Trata-se de um monte de cabelo, de baixa estatura, que murmura grunhidos agudos. Ninguém sabe quem ou o que está por baixo de tanto cabelo.
Charles Addams fez a primeira história da Família, que estreou nas páginas do jornal The New Yorker em 1932, e continuou desenhando os personagens na publicação até a sua morte em 1988.
Estreia na TV
Após passarem mais de trinta anos sendo publicados nas páginas de tirinhas, a Família Addams adentrava outra mídia, e ganhava uma nova legião de fãs. Pode-se dizer inclusive que foi aqui onde eles ficaram verdadeiramente populares, sendo descobertos pelo grande público – um público mais adulto e sofisticado. A Família Addams chegava à televisão em 1964, com um programa de humor protagonizado por atores reais.
Criada por David Levy, a série A Família Addams foi ao ar em 1964 e permaneceu por duas temporadas até 1966. Num total de 64 episódios, o programa fez história na época e serviu para levar as tramas da estranha família a diversos lares, não apenas dos EUA, mas ao redor do mundo. John Astin e a belíssima Carolyn Jones foram as primeiras formas em carne e osso de Gomez e Morticia, encabeçando a família como os protagonistas do programa.
O programa ganhou uma espécie de revival na forma de um filme feito para a TV em 1977. Comemorando o Halloween, o filme trazia o elenco original de volta muitos anos depois para um último encontro.
No final da década de 1990, mais precisamente em 1998, a Fox Family Channel e a Saban Entertainment se uniram para mais uma investida na esquisita e macabra família. The New Addams Family durou 65 episódios e trazia Glenn Taranto como Gomez e Ellie Harvie como Morticia.
Desenhos Animados
Surgidos de maneira estática nas tirinhas de jornais, A Família Addams migrou para as formas de carne e osso trinta anos após sua criação. Estas eram as únicas referências que o público tinha dos personagens até a década de 1960. Isso mudaria na década seguinte, quando a família criada por Addams fez participação em um episódio da série animada do cão detetive Scooby-Doo.
Vendo o potencial para os Addams na TV novamente, desta vez na forma de desenho animado, o mesmo David Levy do programa em live-action fechou uma parceria com os estúdios Hanna-Barbera (o mesmo Scooby-Doo) para uma série em animação da Família Addams. O programa foi ao ar em 1973, com 16 episódios. Os traços desta animação foram criados em cima das charges de Charles Addams em seus quadrinhos. Uma curiosidade é que o programa contou com Jackie Coogan na dublagem, reprisando seu papel do tio Fester da série em live-action, e uma Jodie Foster em início de carreira dublando não a Wandinha, mas Feioso Addams.
Em 1992, após o sucesso de seu primeiro filme para o cinema, A Família Addams voltaria para as telinhas em um remake do desenho da década de 1970. Com um estilo de animação mais moderna, e contando com a voz de John Astin, o Gomez da série em live-action reprisando o papel, ganhou 2 temporadas num total de 21 episódios, chegando até 1993 – época de lançamento do segundo filme para o cinema.
Superprodução
Depois de conquistarem as telinhas, os Addams ganhavam pela primeira vez um longa-metragem para o cinema. E não era um filme qualquer, mas uma superprodução de US$30 milhões. Para tanto, a Paramount escalou dois veteranos dos filmes de Tim Burton – um especialista em misturar horror e comédia no início de carreira – para assinar o roteiro. Larry Wilson (Beetlejuice) e Caroline Thompson (Edward Mãos de Tesoura) foram os responsáveis por trazer a icônica família às telonas nos anos 1990.
O primeiro longa estreava nos cinemas em novembro de 1991, e trazia um elenco estelar protagonizando: Raul Julia como Gomez, Anjelica Huston como Morticia, Christopher Lloyd como Fester e Christina Ricci como Wandinha. Na direção, o estreante Barry Sonnenfeld – diretor de fotografia dos primeiros filmes dos irmãos Coen – escrevia seu nome como um dos cineastas mais quentes da época. O visual chamativo e impressionante vinha lado a lado com uma história criativa, que tirava a trama da família “peixe fora d’água” do lugar comum. Além das esquisitices as quais todos estavam acostumados, o roteiro apresentava o desaparecimento do tio Fester, brigado com Gomez e sumido por anos. Um belo dia, o estranho parente retorna à porta da família, mas ele pode não ser exatamente quem diz. Ao mesmo tempo, um advogado pilantra planeja dar um golpe e roubar a fortuna dos Addams.
Com o sucesso do filme, A Família Addams voltou a ser mania mundial, como nunca anteriormente. Assim, dois anos depois, em 1993, a continuação era lançada. A Família Addams 2 (ou Addams Family Values) introduzia um novo membro inédito da Família, o terceiro filho de Gomez e Morticia – o bebê de bigodinho Pubert. Outra adição foi a babá assassina vivida por Joan Cusack, Debbie, uma golpista que visa separar a família, a fim de ficar com sua fortuna. Para isso, ela se casa com Fester (e tenta matá-lo) e manda Wandinha e Feioso para um acampamento de férias – onde ocorrem algumas das melhores cenas do longa. O elenco original e diretor retornaram. Apesar do sucesso financeiro e do prestígio de prêmios, uma terceira parte com esta equipe nunca foi realizada. Uma pena.
Cinco anos depois, com o grande Raul Julia já falecido (o ator nos deixou em 1994, aos 54 anos), um novo filme era lançado, este uma produção feita diretamente para a TV – produzida pela mesma Fox Family e Saban Entertainment. Na produção de 1998 intitulada O Retorno da Família Addams (Addams Family Reunion), Daryl Hannah assumia as formas de Morticia e Tim Curry dava vida à Gomez.
Nova franquia em Animação no Cinema
Desde o final da década de 1990 fora das grandes mídias, A Família Addams ensaiou um retorno em 2019. Pela primeira vez na forma de animação em 3D lançada nos cinemas, o novo longa-metragem da incomum família trouxe os traços originais do cartoon de Charles Addams em novo formato. Com as vozes de Charlize Theron como Morticia, Oscar Isaac como Gomez e Chloe Grace Moretz como Wandinha, o novo filme da Família Addams foi produzido pela MGM e Universal e chegou aos cinemas mundiais bem a tempo para o Halloween daquele ano. Apesar das críticas mistas em uma produção, obviamente voltada para os pequenos, o primeiro filme em animação de A Família Addams para os cinemas arrecadou US$100 milhões nos EUA e US$200 milhões mundiais num orçamento de US$24 milhões.
Assim, é claro que mal foi lançado nos EUA e o filme garantiu uma sequência. E ela viria dois anos depois em 2021, enfrentando uma pandemia no meio tempo. A ideia do segundo longa foi repetir o que o segundo live-action (de 1993) havia feito muito bem: tirar os Addams de seu meio macabro e os levar para férias ensolaradas, desta vez com toda a família. Apesar do retorno do elenco principal, com Theron, Isaac e Moretz reprisando suas dublagens, a segunda animação para as telonas sofreu críticas mais duras e arrecadou a metade do original – o que pode ter colocado um fim nesta iteração dos personagens.
Wandinha
É dito que lá no fim dos anos 80 e início da década de 90, quando o primeiro filme da Família Addams estava sendo produzido para os cinemas, um dos diretores cogitados para assumir o projeto foi justamente Tim Burton. Afinal sejamos sinceros, talvez nenhum outro nome fosse mais perfeito do que o diretor na época, que vinha de produções como Os Fantasmas se Divertem e Batman. Porém, o cineasta não se interessou, por motivo de não ter gostado do roteiro. Mesmo sem Burton, o filme foi um sucesso. Agora, mais de trinta anos depois do lançamento, finalmente a criação do cartunista Charles Addams cruza caminho com Tim Burton. E eles mostram que foram feitos um para o outro com Wandinha, série da Netflix que explora a adolescência da filha dos Addams num colégio interno que abriga monstros e criaturas.
Em Wandinha temos algumas novidades no universo criado por Charles Addams. Essa é a primeira vez que a personagem é vista fora da infância, agora uma jovem mulher. É também a primeira vez que os Addams não são os seres mais monstruosos de seu meio. A graça das histórias do cartunista sempre esteve em colocar pessoas “normais” para encarar as bizarrices da família. A série, no entanto, apresenta outros personagens “fora da caixinha” para interagir com a mórbida protagonista defendida de maneira mais que satisfatória pela ótima Jenna Ortega. O programa se tornou um fenômeno de audiência e já garantiu uma segunda temporada, demonstrando que se feito da maneira correta, o material de Charles Addams ainda pode dar muitos frutos. Ao que parece os Addams voltaram com tudo e para ficar!