sábado , 11 janeiro , 2025

‘Yawara’: Alice Braga e Daiara Tukano falam sobre projeto que explora o genocídio indígena na época da Ditadura Militar [COLETIVA]

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O período da Ditadura Militar no Brasil permanece como um dos mais sombrios da história nacional – e, ano após ano, documentos e relatórios continuam sendo redescobertos, aumentando significativamente as catástrofes e as tragédias enfrentadas naquele período. E, dentre os vários flagelados por censuras ideológicas e inúmeros métodos de tortura, uma das minorias sociais que ficou “às escondidas” dos livros do História foram os indígenas.

Vítimas de genocídio e etnocídio, não foi até os últimos anos que detalhes sobre a violência sofrida pelos indígenas veio à tona através de um documento conhecido como Relatório Figueiredo – que, apesar de ter sido regido por agentes do regime militar, computou práticas genocidas cometidas contra tais povos ao longo de mais de duas décadas. E é sobre isso que a aclamada atriz Alice Braga e a ativista, artista e professora Daiara Tukano falam sobre no audiobook ‘Yawara: Uma História Oculta sobre o Brasil’, que já está disponível na Audible.



Durante a CCXP 2024, a dupla, que ficou responsável pela produção e pela narração dos oito episódios do projeto, comentou sobre a importância e a construção dessa audiossérie – que começou quando Braga descobriu um relatório oficial do Governo, “perdido” há mais de cinco décadas, que confirmou diversas violações contra os direitos dos povos indígenas, viabilizadas por políticas públicas condenáveis e execráveis que incluíram escravidão, tortura e assassinatos.

Alice Braga,Daiara Tukano

“Isso surgiu num jantar, onde eu soube de um relatório esquecido em uma caixa do museu. E, a partir dessa curiosidade sobre esse relatório, surgiu o desejo de que mais pessoas soubessem da existência dele e usá-lo como a ponta de um iceberg para falar da questão indígena no Brasil. E, a partir disso, começamos a desenvolver, a chamar pessoas que admirávamos – a Renata Tupinambá, o Orlando Careiros [diretores da audiossérie]… A Renata trouxe a Daiara para narrar comigo, para participar – e se tornou um projeto muito especial”, explicou Braga acerca da gestação do projeto.

Tukano, que auxiliou Braga e toda a equipe no processo de pesquisa para a realização do audiobook, afirmou que está mais que na hora do povo brasileiro conhecer esse pedaço da história que não tem os devidos reconhecimento e estudo.

“Acho que estamos num momento muito especial para falar dessas memórias de resistência e do direito à memória e à verdade, principalmente em relação às violações cometidas durante o período da Ditadura Militar no Brasil”, ela afirma. “E o caso dos povos indígenas é bem chocante, que sempre tivemos muita dificuldade em abordar, porque, além de haver uma invisibilização da violência generalizada cometida, também existe uma invisibilização sistemática da violência cometida contra esses povos”.

Assista também:
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Tukano acrescenta: “enquanto movimento indígena, lutamos para que fosse reconhecido o que estava nesse relatório, que é um relatório do Estado. Que se falasse não apenas dos trezentos desaparecidos de movimentos sociais, dos perseguidos políticos, mas também dos mais de oito mil indígenas assassinados – enquanto apenas seis povos foram mencionados no relatório. Imaginem tudo aquilo que não foi contado, imaginem aquilo que é herança das nossas famílias, da nossa população, dessa história que precisamos conhecer melhor”.

“Nós fomos o último grupo a ter direito à cidadania plena no Brasil. E isso é uma das coisas sobre que falamos muito [na audiossérie]. E isso inclui a negação dos nossos nomes, a negação das nossas línguas”.

Alice Braga,Daiara Tukano

Como mencionado, o Relatório Figueiredo foi produzido oficialmente por agentes do próprio regime ditatorial – o que implica uma condução um tanto quanto árdua para a concretização do projeto. Quando perguntada sobre o processo de construção da audiossérie e do passo a passo seguido pela equipe, Braga agradeceu ao pesquisador Marcelo Zelic, responsável por encontrar, oficialmente, o restante dos documentos (e que nos deixou em 2023, antes de ver a obra pronta).

“Ele sentiu que havíamos nos conectado a ele, e foi nos contando mais a fundo sobre o relatório. O projeto surgiu através disso. E, então, começamos a pensar como poderíamos realizá-lo”, ela disse.

A atriz continua: “como fazemos isso se conectar com o público? Para que o público sinta também o que estou sentido?”.

Mesmo na atualidade, existem grupos de pessoas retrógradas e conservadoras que insistem em negar a censura de direitos e a violência cometida pelos militares entre as décadas de 1960 e 1980 – com certos “especialistas”, inclusive, recorrendo a condenáveis métodos revisionistas para contrariar os fatos. Dessa maneira, ‘Yawara’ serve como mais um apoio concreto dos crimes cometidos no regime ditatorial – abrindo espaço para discussões sobre um dos grupos sociais mais marginalizados da história, mesmo na atualidade.

Alice Braga,Daiara Tukano

“Acho engraçada essa expressão, ‘o buraco é mais embaixo’. Porque, quando a gente nasce no buraco, a perspectiva é outra. Outro ponto de vida, outro nível de violência. Acho que vemos, lá de cima, a superficialidade da visão do outro sobre nós. E esse é o grande desafio”, Tukano reflete.

Ela continua:

“[Recentemente], a FUNAI fez aniversário. Estou falando disso, porque, na verdade, o relatório Figueiredo foi escrito pelo Sistema de Proteção ao Índio, que era o órgão indigenista anterior à FUNAI. E esse relatório foi feito justamente no sentido de apontar uma série de irregularidades e corrupções que resultaram no fim daquele serviço de proteção ao índio – que a gente vê claramente que não estava prestando serviço nenhum de proteção; não estava protegendo ninguém. Era um serviço de proteção que instalou, literalmente, campos de concentração indígenas no Brasil. E que praticou contra a nossa população todos os tipos de tortura que depois seriam praticados nas DOPs no resto do país. Então, o nosso buraco está mais embaixo há muito mais tempo”.

Lembrando que ‘Yawara’ está disponível no serviço da Audible.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Vítimas de genocídio e etnocídio, não foi até os últimos anos que detalhes sobre a violência sofrida pelos indígenas veio à tona através de um documento conhecido como Relatório Figueiredo – que, apesar de ter sido regido por agentes do regime militar, computou práticas genocidas cometidas contra tais povos ao longo de mais de duas décadas. E é sobre isso que a aclamada atriz Alice Braga e a ativista, artista e professora Daiara Tukano falam sobre no audiobook ‘Yawara: Uma História Oculta sobre o Brasil’, que já está disponível na Audible.

Durante a CCXP 2024, a dupla, que ficou responsável pela produção e pela narração dos oito episódios do projeto, comentou sobre a importância e a construção dessa audiossérie – que começou quando Braga descobriu um relatório oficial do Governo, “perdido” há mais de cinco décadas, que confirmou diversas violações contra os direitos dos povos indígenas, viabilizadas por políticas públicas condenáveis e execráveis que incluíram escravidão, tortura e assassinatos.

Alice Braga,Daiara Tukano

“Isso surgiu num jantar, onde eu soube de um relatório esquecido em uma caixa do museu. E, a partir dessa curiosidade sobre esse relatório, surgiu o desejo de que mais pessoas soubessem da existência dele e usá-lo como a ponta de um iceberg para falar da questão indígena no Brasil. E, a partir disso, começamos a desenvolver, a chamar pessoas que admirávamos – a Renata Tupinambá, o Orlando Careiros [diretores da audiossérie]… A Renata trouxe a Daiara para narrar comigo, para participar – e se tornou um projeto muito especial”, explicou Braga acerca da gestação do projeto.

Tukano, que auxiliou Braga e toda a equipe no processo de pesquisa para a realização do audiobook, afirmou que está mais que na hora do povo brasileiro conhecer esse pedaço da história que não tem os devidos reconhecimento e estudo.

“Acho que estamos num momento muito especial para falar dessas memórias de resistência e do direito à memória e à verdade, principalmente em relação às violações cometidas durante o período da Ditadura Militar no Brasil”, ela afirma. “E o caso dos povos indígenas é bem chocante, que sempre tivemos muita dificuldade em abordar, porque, além de haver uma invisibilização da violência generalizada cometida, também existe uma invisibilização sistemática da violência cometida contra esses povos”.

Tukano acrescenta: “enquanto movimento indígena, lutamos para que fosse reconhecido o que estava nesse relatório, que é um relatório do Estado. Que se falasse não apenas dos trezentos desaparecidos de movimentos sociais, dos perseguidos políticos, mas também dos mais de oito mil indígenas assassinados – enquanto apenas seis povos foram mencionados no relatório. Imaginem tudo aquilo que não foi contado, imaginem aquilo que é herança das nossas famílias, da nossa população, dessa história que precisamos conhecer melhor”.

“Nós fomos o último grupo a ter direito à cidadania plena no Brasil. E isso é uma das coisas sobre que falamos muito [na audiossérie]. E isso inclui a negação dos nossos nomes, a negação das nossas línguas”.

Alice Braga,Daiara Tukano

Como mencionado, o Relatório Figueiredo foi produzido oficialmente por agentes do próprio regime ditatorial – o que implica uma condução um tanto quanto árdua para a concretização do projeto. Quando perguntada sobre o processo de construção da audiossérie e do passo a passo seguido pela equipe, Braga agradeceu ao pesquisador Marcelo Zelic, responsável por encontrar, oficialmente, o restante dos documentos (e que nos deixou em 2023, antes de ver a obra pronta).

“Ele sentiu que havíamos nos conectado a ele, e foi nos contando mais a fundo sobre o relatório. O projeto surgiu através disso. E, então, começamos a pensar como poderíamos realizá-lo”, ela disse.

A atriz continua: “como fazemos isso se conectar com o público? Para que o público sinta também o que estou sentido?”.

Mesmo na atualidade, existem grupos de pessoas retrógradas e conservadoras que insistem em negar a censura de direitos e a violência cometida pelos militares entre as décadas de 1960 e 1980 – com certos “especialistas”, inclusive, recorrendo a condenáveis métodos revisionistas para contrariar os fatos. Dessa maneira, ‘Yawara’ serve como mais um apoio concreto dos crimes cometidos no regime ditatorial – abrindo espaço para discussões sobre um dos grupos sociais mais marginalizados da história, mesmo na atualidade.

Alice Braga,Daiara Tukano

“Acho engraçada essa expressão, ‘o buraco é mais embaixo’. Porque, quando a gente nasce no buraco, a perspectiva é outra. Outro ponto de vida, outro nível de violência. Acho que vemos, lá de cima, a superficialidade da visão do outro sobre nós. E esse é o grande desafio”, Tukano reflete.

Ela continua:

“[Recentemente], a FUNAI fez aniversário. Estou falando disso, porque, na verdade, o relatório Figueiredo foi escrito pelo Sistema de Proteção ao Índio, que era o órgão indigenista anterior à FUNAI. E esse relatório foi feito justamente no sentido de apontar uma série de irregularidades e corrupções que resultaram no fim daquele serviço de proteção ao índio – que a gente vê claramente que não estava prestando serviço nenhum de proteção; não estava protegendo ninguém. Era um serviço de proteção que instalou, literalmente, campos de concentração indígenas no Brasil. E que praticou contra a nossa população todos os tipos de tortura que depois seriam praticados nas DOPs no resto do país. Então, o nosso buraco está mais embaixo há muito mais tempo”.

Lembrando que ‘Yawara’ está disponível no serviço da Audible.

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