Que a estrela sul-africana Charlize Theron é uma musa do cinema, todos nós já sabemos. Seu talento como atriz igualmente não é posto em questão nem pelo cinéfilo mais aborrecido e modorrento. Theron, nesta fase de sua carreira, surge à prova de dúvidas, mesmo quando o veículo que a contém não corresponde a comportando. Para nos lembrar novamente, de tempos em tempos surge uma obra do cacife do recente Tully, provando incontestavelmente que a bela transborda em talento, transcendendo sua casca generosa.
Com isso em mente, para celebrar o lançamento do excelente Tully (um dos melhores filmes desta primeira metade de 2018, quiçá o melhor) e outra grande performance de Theron, formulamos esta lista para dizimar por completo os infiéis restantes, que ainda não aderiram ao amor incondicional que devemos a este pilar da Hollywood atual. Vem com a gente.
Crítica | Tully – Charlize Theron e o lado insano da maternidade
Advogado do Diabo
Logo de cara, em um de seus primeiros trabalhos na carreira de atriz, Theron impactou o público, que quis descobrir quem era a jovem intérprete da esposa de Keanu Reeves neste suspense sobrenatural de 1997. Este foi seu terceiro longa para o cinema e o primeiro no qual verdadeiramente chamava atenção.
O misto de fragilidade e desespero criado na performance fez da personagem uma heroína trágica, vivenciando cenas ousadas e violentas. Não é para muitas iniciar a carreira trabalhando ao lado de talentos como o diretor Taylor Hackford, o monstro sagrado Al Pacino, e o astro Reeves (que saía do imenso sucesso de Velocidade Máxima).
Regras da Vida
Não deixe de assistir:
O sucesso não veio fácil para a sul-africana e mesmo após seu trabalho marcante em Advogado do Diabo, a atriz comeu o pão que o tinhoso amassou, aparecendo em inúmeras produções (de qualidades variadas) ao fim da década de 1990 e início da de 2000. Na verdade, Theron nesta época era quase o famoso “arroz de festa”, sendo difícil encontrar um filme do período no qual a loira não figurasse.
Um dos mais marcantes na época foi Regras da Vida, lançado em 1999, baseado no livro de John Irving, e que concorreu a 7 prêmios no Oscar – incluindo melhor filme. O longa saiu vitorioso nas categorias de roteiro adaptado e ator coadjuvante para o veterano Michael Caine. Embora o drama foque na relação paternal entre um médico (Caine) e seu pupilo (Tobey Maguire), que deseja ganhar o mundo, o papel de Theron é importante para o desenvolvimento do protagonista, e ela demonstra muito carisma ao personifica-lo.
Monster – Desejo Assassino
A brincadeira aqui chegava ao fim. Por melhor que tenham sido as atuações de Theron até este ponto de sua carreira, seu talento ainda era visto como duvidoso pelos mais céticos. Este é o preço a se pagar pela beleza absoluta. Mas a atriz estava disposta a se provar, nem que para isso precisasse ser privada nas telas de sua aparência exuberante.
E foi exatamente o que ela fez para o papel da psicopata Aileen Wuornos na obra escrita e dirigida pela cineasta Patty Jenkins (Mulher-Maravilha), baseada na serial killer da vida real, lançada em 2003. Além de realizar cenas tórridas com Christina Ricci, Theron engordou e se desfigurou, aparecendo de forma irreconhecível em tela. Sabemos que a Academia adora essas mudanças bruscas. Porém, de nada serviria se acompanhada não viesse uma entrega de alma, e é isso que temos aqui. Resultado: uma indicação, seguida de vitória no prêmio máximo da sétima arte, o Oscar.
Terra Fria
Ao contrário de atrizes azaradas, que sofreram a “maldição do Oscar” e depois de suas vitórias as carreiras entraram em declínio – como Halle Berry, por exemplo – Charlize Theron queria mais, e queria provar que não era apenas fogo de palha. Assim, um ano depois de sua vitória no Oscar, a atriz entregava Terra Fria – um drama estarrecedor sobre assédio e direito da mulher no local de trabalho.
Um dos filmes mais subestimados do radar do Oscar nos últimos anos, esta produção feminista dirigida por Niki Caro, baseada no livro de Clara Bingham e Laura Leedy, lançada em 2005, traz Theron na história real de Josey Aimes e sua luta contra o assédio sexual no local de trabalho, que entrou para a história. Dando peso ao filme, a sul-africana entrega um retrato comovente de uma mulher corajosa, que resolve se posicionar, contra todas as adversidades, para fazer valer os seus direitos. Dando apoio para a atriz, outro monstro sagrado no elenco, Frances McDormand. Ambas saíram com suas indicações ao Oscar do projeto.
No Vale das Sombras
A esta altura já não existia mais hesitação sobre a força performática de Charlize Theron. E suas escolhas refletiam isso, dando nova guinada em sua carreira. Aqui, a loira já não tinha nada mais para provar e escolhia os projetos que queria. Seguindo um bom fluxo, a opção foi por trabalhar com Paul Haggis, recém-saído da vitória no Oscar por Crash: No Limite (2005), que igualmente assinava o roteiro e direção de No Vale das Sombras.
Embora não tenha sido indicada ao Oscar, Theron deu respaldo ao desempenho nomeado de Tommy Lee Jones, entregando uma performance digna de prêmios, mais contida e de forte apelo dramático, na pele de uma policial ajudando um homem a descobrir a verdade sobre o paradeiro do filho militar chegado da guerra. Para um reflexo mais minimalista, a estrela tingiu as madeixas de preto, trazendo mais sobriedade à personagem.
Vidas que se Cruzam
Mesmo com duas indicações ao Oscar, uma vitória e escolhas certeiras ao lado de diretores renomados, Charlize Theron demonstrou desde cedo que é uma atriz que sabe se divertir também, revezando trabalhos sérios, com filmes de entretenimento – que davam certo (Hancock, 2008) ou não (Aeon Flux, 2005). O importante é não deixar se abater e seguir em frente.
Vidas que se Cruzam é um dos filmes menos conhecidos de sua filmografia, mas não menos importante, já que guarda um de seus desempenhos dramáticos mais eficientes. Novamente optando trabalhar com um cineasta de renome, o mexicano Guillermo Arriaga (roteirista de Babel) é o comandante da atriz aqui, em sua estreia na direção de um longa. Além disso, o filme abria alas para outro talento muito promissor, o da jovem Jennifer Lawrence, dois anos antes de ser revelada para o mundo em Inverno da Alma (2010) – sua primeira indicação. Na trama, Lawrence e Theron são o antes e depois da mesma personagem em sua vida destroçada.
Jovens Adultos
Aqui, a Academia já estava devendo ao menos uma nova indicação para a atriz. Nos dois filmes acima, a atuação de Theron estava no ponto para ser lembrada em nomeações, porém, nenhuma outra falta foi tão comentada quanto a de Jovens Adultos (2011), segundo filme da trilogia não intencional confeccionada por Jason Reitman e a roteirista Diablo Cody, depois de Juno (2007). Esperava-se que este filme incorreto até a medula seguisse a trilha de prestígio do filme citado com a Academia.
No filme, apesar de não se transformar fisicamente, Theron dá uma interessante guinada em sua carreira, abraçando a sociopatia e dando forma a um tipo de personagem que se tornaria recorrente em seus próximos trabalhos (Prometheus, Branca de Neve e o Caçador): o da loira fria. Aqui, ela é o desastre de trem Mavis Gary, personagem incorreta funcional, autora de livros juvenis que decide voltar para sua antiga cidadezinha a fim de conquistar o antigo namorado, hoje casado e pai de família.
Branca de Neve e o Caçador
Por falar em loiras geladas, o ano de 2012 trouxe a entrada completa de Theron na vilania, aderindo ao exagero calculado, propositalmente caricato. Primeiro foi a vez de Vickers, a robótica líder de uma equipe espacial na ficção Prometheus, de Ridley Scott. O resultado do filme não agradou a todos, mas mesmo os detratores dão o braço a torcer de que Theron é pura preciosidade no filme.
Como a Rainha Ravenna, a atriz mostrou que não apenas era desleal trazer Kristen Stewart para rivalizar com sua beleza, como também podia se divertir muito ao se entregar à exuberância teatral de uma vilã maior que a vida. O frenesi imposto em sua atuação é sem dúvida o ponto alto desta aventura mundana. O escândalo do caso de Stewart com o diretor Rupert Sanders trouxe leve dor de cabeça para a Universal, mas Theron não se abalou e voltou para a franquia quatro anos depois, na sequência bem abaixo da média – no entanto, contracenando com duas outras jovens atrizes bem talentosas: Emily Blunt e Jessica Chastain.
Mad Max – Estrada da Fúria
Quem disse que atuações dignas de prêmios precisam pertencer apenas a dramas. Casando a sobriedade de uma atuação para o cinema de arte, e a inserindo dentro de puro entretenimento (mas com muito conteúdo), Theron fez de sua Furiosa uma das personagens mais memoráveis de 2015, quiçá da última década.
Mesmo com todos os problemas de bastidores, envolvendo o relacionamento com o protagonista Tom Hardy e o diretor George Miller, a atriz saiu de cabeça erguida da experiência, ovacionada por seu desempenho como uma mulher forte e verdadeira principal da ficção pós-apocalítica. Outra transformação física foi arriscada pela estrela, que provou além de tudo que nem mesmo a cabeça raspada, a cara suja de graxa e a falta de um dos braços consegue tirar sua beleza e carisma. Já que a muito pedida indicação aqui não veio, que venha ao menos o filme solo de Furiosa. Agradecemos.
Atômica
Tudo bem, o filme poderia ter sido melhor – apesar de já ser bom o suficiente – mas o que temos aqui é outro desempenho tão chamativo de Charlize Theron, que o longa de David Leitch conseguiu se vender inteiramente pela presença da musa. As cenas de ação impressionam e as coreografias de luta são primorosas. No entanto, sem a carga dramática usualmente ligada à interpretação da atriz, trazendo tudo para o mundo real, o impacto diminuiria para menos da metade.
A Lorraine Broughton de Theron é a mistura perfeita de bad ass, de mulher segura, inteligente e ameaçadora. É a agente secreta que o cinema ainda estava nos devendo. É uma James Bond suja e crua. Não é por acaso que uma continuação está em andamento.
Bônus: Tully
Com Tully, Charlize Theron prova – se é que já não havia feito – que não existe nada que não possa fazer. Seu leque de personagens é extenso e a sul-africana parece já ter experimentado de tudo um pouco, e na maioria dos casos, saído com o papel debaixo dos braços. Seu alcance vai desde papeis sofridos e sóbrios, com grande apelo dramático minimalista, até grandes exageros egocêntricos, parecendo literalmente saídos de peças de teatro, aonde tudo precisa ser grande e gritado.
No terceiro filme da trilogia não oficial de Reitman e Cody, Theron é novamente a peça central, nas formas de Marlo, mãe de três filhos, casada, que além de não possuir o tal brilho geralmente associado à maternidade, ainda reluta depressivamente a aceitar que seu promissor passado ficou para trás. Os especialistas já começam a cantar a pedra para uma indicação para a atriz, e se o eco for alto o suficiente desta vez, quem sabe a Academia não escute.