quinta-feira , 21 novembro , 2024

40 Anos do Filme Bye Bye Brazil | Por que a nova geração precisa conhecer esta obra?

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O som do alto-falante ecoa a voz de Lorde Cigano (José Wilker) a anunciar as atrações da Caravana Rolidei em mais uma cidadezinha longínqua do nordeste ao longo do Rio São Francisco, assim começa Bye Bye Brasil. Da mesma forma que Lorde Cigano retira elementos surpresa de sua cartola para cativar o público, Cacá Diegues encantou, e ainda encanta, multidões de espectadores ao descortinar um Brasil em pleno desenvolvimento, esperançoso ao encontro do El Dorado e refém da exploração de suas riquezas naturais. 

Lá se foram 40 anos deste retrato do “país do futuro”. De lá para cá, o que mudou entre o desenvolvimento de Brasília e a retomada do poder democrático? Como forma de homenagem a este clássico, o CinePOP lança mão de alguns pontos de reflexão deste road movie nacional, principalmente, sob a perspectiva do país no exterior.



Um Retrato do Povo Brasileiro

Concebido em 1979, o filme chegou ao mundo no ano seguinte e ecoou a imagem de um país riquíssimo por uma perspectiva natural, porém, mitigado em um viés social, além da constante luta entre suas raízes culturais e a influência do estrangeiro. Homenageada no Festival de Cinema Brasileiro de Paris deste ano, a quadragenária obra merece ser revisitada pelas novas gerações e refletida como um espelho de um povo sonhador, o qual ainda não criou asas e voou. 

Quando projetado em 1980, dentro do período da Ditadura Militar, o filme apresentara sonhadores personagens em busca de uma terra abundante de riquezas. A começar pelo espetáculo de Lorde Cigano ao fazer nevar no sertão nordestino e as excentricidades de sua caravana de artistas mambembes, como a sedutora dançarina “estrangeira” Salomé (Betty Faria) e Andorinha (Príncipe Nabor), dito o “homem mais forte do mundo”. Seduzido pelo espetáculo da trupe itinerante, Ciço (vivido pelo cantor Fábio Jr.), junto da esposa grávida Dasdô (Zaira Zambelli), implora para montar na caçamba da caminhonete e seguir estrada com eles, afinal de contas Ciço é artista, toca sanfona, e anseia por conhecer o mar.

Com essas peças no tabuleiro, Carlos Diegues transmite a ideia do sofrimento contínuo do sertão, a loucura do desenvolvimento em Brasília e os fatores desencadeadores do desmatamento na Amazônia. A gente também pode encarar Bye Bye Brasil como um road movie, no qual o norte e nordeste do país é apresentando em percalços, às vezes dramáticos, às vezes cômicos. A moralidade passa longe do roteiro, mas apresenta abordagens ricas da essência do “jeitinho brasileiro”, a partir do qual os sentimentos são desacomodados à frente das necessidades ocasionais. 

A força dos personagens e a imagem de um país para além dos seus estereótipos são os pontos que fizeram a obra ganhar público ao redor do mundo. Em crítica publicada em 1980 no The New York Time, Vincent Canby diz: “Bye Bye Brasil é um filme bastante reflexivo, seu pequeno elenco atua muito bem e ele é lindamente fotografado, embora não artisticamente, em memoráveis locações”. (no original: ““’Bye Bye Brasil’ is a most reflective film, nicely acted by its small cast and beautifully though not artily photographed in some remarkable locations”)

Advindo do movimento político do Cinema Novo, ao lado de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues despertou a atenção para as enunciações não-ditas claramente na sua obra. Com um brilhante jogo de pulsões entre os quatro protagonistas, o cineasta apresenta a ideia da tolice e do perigo das paixões fora de controle, tanto na política quanto nas relações pessoais. Ou seja, o tema é recorrente e atual em nosso panorama político, no qual destacam-se as polaridades e os discursos apaixonados mesmo sem lógica. 

A Busca Eterna pelo El Dorado

Após chegarem ao litoral, Lorde Cigano é seduzido pela promessa de um caminhoneiro sobre o paraíso de Altamira, no coração da Amazônia. Em busca deste expoente, a caravana passa por cidades assoladas pela seca e dominadas pela chegada da televisão. Ao visualizar as antenas de transmissão, chamadas de “espinha de peixe”, os tripulantes veem o seu show singelo perder completamente o interesse do público em detrimento das caixas emissoras de imagens e sons. 

Dessa maneira, começa-se a construir o “adeus” do título, a cada novo destino o caminhão passa para não mais voltar. Propositalmente, as palavras em inglês na nomenclatura é um aceno ao “colonialismo” cultural dos Estados Unidos. Sob o regime da Ditadura Militar, o Brasil abre as portas aos estrangeiros e eles tomam conta do cenário cultural por meio dos “enlatados dos U.S.A., de nove as seis”, como já dizia Renato Russo, na canção Geração Coca-Cola, de 1985.   

Outro caminho dominado pelos estrangeiros é o do capital por meio da exploração de minério e a implantação de multinacionais em nosso território. Os versos de Chico Buarque e Roberto Menescal, na canção original do filme, destacam este cortejo entreguista, em outras palavras, neoliberal do governo brasileiro. Com a letra “Já tem fliperama em Macau/Tomei a costeira em Belém do Pará/ Puseram uma usina no mar/ Talvez fique ruim pra pescar”, o filme chegou a ser censurado por mostrar evidências de um país desajustado e diferente da potência desejada pelos militares. 

O Espectador Ontem e Hoje

Com tudo isso acontecendo no país, a caravana Rolidei é símbolo de uma luta entre a arte nacional mambembe e a chegada de novos produtos de consumo. O processo de importação era visto como uma ameaça à produção da cultura brasileira. Lá se foram 40 anos e esta discussão ainda continua. A título de exemplo, os filmes nacionais brigam por um espaço de exibição sob o domínio dos blockbusters estadunidenses nas salas de cinemas. Sendo necessária, portanto, a aplicação da lei de Cota de Tela, a qual obriga os cinemas a dedicar ao menos 27 dias de exibição às produções nacionais por ano. 

Ao final dos créditos, Bye Bye Brasil apresenta uma dedicatória aos “brasileiros do século XXI”. Parece que Carlos Diegues tinha previsto um futuro de repetição dos mesmos erros, além da contínua divisão entre o insólito nordeste e o triângulo Rio – São Paulo – Brasília. Se naquela época já existia a provocação sobre a exploração criminosa da Amazônia e a devastação das tribos indígenas, em 2020 ambos os temas estão nas principais capas dos jornais brasileiros e o desmatamento e a desapropriação ocorrem de forma mais radical. 

Cômico e amoral, o filme funciona com uma alegoria das nossas relações de poder e engloba importantes questões de aspectos socioeconômico e também de uma formação identitária brasileira. À luz dessas discussões, hoje o cineasta que mais provoca este debate é Kléber Mendonça Filho com os seus longas-metragens O Som ao Redor (2013), Aquarius (2016) e Bacurau (2019), sendo este último revelador de uma luta classista dentro da nossa própria nação, em razão de origens e disputa territorial. 

Em virtude da comemoração aos 40 anos do filme, em junho deste ano, Carlos Diegues concedeu uma entrevista ao site francês Telerama e fez um balanço sobre a visão do filme no exterior: “Os europeus, especialmente os franceses, viram isso como um filme triste sobre o fim de um mundo. Para americanos e sul-americanos, por outro lado, era um filme esperançoso sobre um novo modo de vida, uma cultura que acabara de nascer. Eu diria hoje que ele era ambos. Recentemente, cineastas japoneses e sul-coreanos me disseram que o adoram. Um deles até me disse que ele deve sua vocação como cineasta ao Bye Bye Brasil.

E você? Já assistiu ao filme? O que você pensa deste marco do cinema nacional? A obra está disponível gratuitamente no Vimeo e no Prime Video

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Lá se foram 40 anos deste retrato do “país do futuro”. De lá para cá, o que mudou entre o desenvolvimento de Brasília e a retomada do poder democrático? Como forma de homenagem a este clássico, o CinePOP lança mão de alguns pontos de reflexão deste road movie nacional, principalmente, sob a perspectiva do país no exterior.

Um Retrato do Povo Brasileiro

Concebido em 1979, o filme chegou ao mundo no ano seguinte e ecoou a imagem de um país riquíssimo por uma perspectiva natural, porém, mitigado em um viés social, além da constante luta entre suas raízes culturais e a influência do estrangeiro. Homenageada no Festival de Cinema Brasileiro de Paris deste ano, a quadragenária obra merece ser revisitada pelas novas gerações e refletida como um espelho de um povo sonhador, o qual ainda não criou asas e voou. 

Quando projetado em 1980, dentro do período da Ditadura Militar, o filme apresentara sonhadores personagens em busca de uma terra abundante de riquezas. A começar pelo espetáculo de Lorde Cigano ao fazer nevar no sertão nordestino e as excentricidades de sua caravana de artistas mambembes, como a sedutora dançarina “estrangeira” Salomé (Betty Faria) e Andorinha (Príncipe Nabor), dito o “homem mais forte do mundo”. Seduzido pelo espetáculo da trupe itinerante, Ciço (vivido pelo cantor Fábio Jr.), junto da esposa grávida Dasdô (Zaira Zambelli), implora para montar na caçamba da caminhonete e seguir estrada com eles, afinal de contas Ciço é artista, toca sanfona, e anseia por conhecer o mar.

Com essas peças no tabuleiro, Carlos Diegues transmite a ideia do sofrimento contínuo do sertão, a loucura do desenvolvimento em Brasília e os fatores desencadeadores do desmatamento na Amazônia. A gente também pode encarar Bye Bye Brasil como um road movie, no qual o norte e nordeste do país é apresentando em percalços, às vezes dramáticos, às vezes cômicos. A moralidade passa longe do roteiro, mas apresenta abordagens ricas da essência do “jeitinho brasileiro”, a partir do qual os sentimentos são desacomodados à frente das necessidades ocasionais. 

A força dos personagens e a imagem de um país para além dos seus estereótipos são os pontos que fizeram a obra ganhar público ao redor do mundo. Em crítica publicada em 1980 no The New York Time, Vincent Canby diz: “Bye Bye Brasil é um filme bastante reflexivo, seu pequeno elenco atua muito bem e ele é lindamente fotografado, embora não artisticamente, em memoráveis locações”. (no original: ““’Bye Bye Brasil’ is a most reflective film, nicely acted by its small cast and beautifully though not artily photographed in some remarkable locations”)

Advindo do movimento político do Cinema Novo, ao lado de Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues despertou a atenção para as enunciações não-ditas claramente na sua obra. Com um brilhante jogo de pulsões entre os quatro protagonistas, o cineasta apresenta a ideia da tolice e do perigo das paixões fora de controle, tanto na política quanto nas relações pessoais. Ou seja, o tema é recorrente e atual em nosso panorama político, no qual destacam-se as polaridades e os discursos apaixonados mesmo sem lógica. 

A Busca Eterna pelo El Dorado

Após chegarem ao litoral, Lorde Cigano é seduzido pela promessa de um caminhoneiro sobre o paraíso de Altamira, no coração da Amazônia. Em busca deste expoente, a caravana passa por cidades assoladas pela seca e dominadas pela chegada da televisão. Ao visualizar as antenas de transmissão, chamadas de “espinha de peixe”, os tripulantes veem o seu show singelo perder completamente o interesse do público em detrimento das caixas emissoras de imagens e sons. 

Dessa maneira, começa-se a construir o “adeus” do título, a cada novo destino o caminhão passa para não mais voltar. Propositalmente, as palavras em inglês na nomenclatura é um aceno ao “colonialismo” cultural dos Estados Unidos. Sob o regime da Ditadura Militar, o Brasil abre as portas aos estrangeiros e eles tomam conta do cenário cultural por meio dos “enlatados dos U.S.A., de nove as seis”, como já dizia Renato Russo, na canção Geração Coca-Cola, de 1985.   

Outro caminho dominado pelos estrangeiros é o do capital por meio da exploração de minério e a implantação de multinacionais em nosso território. Os versos de Chico Buarque e Roberto Menescal, na canção original do filme, destacam este cortejo entreguista, em outras palavras, neoliberal do governo brasileiro. Com a letra “Já tem fliperama em Macau/Tomei a costeira em Belém do Pará/ Puseram uma usina no mar/ Talvez fique ruim pra pescar”, o filme chegou a ser censurado por mostrar evidências de um país desajustado e diferente da potência desejada pelos militares. 

O Espectador Ontem e Hoje

Com tudo isso acontecendo no país, a caravana Rolidei é símbolo de uma luta entre a arte nacional mambembe e a chegada de novos produtos de consumo. O processo de importação era visto como uma ameaça à produção da cultura brasileira. Lá se foram 40 anos e esta discussão ainda continua. A título de exemplo, os filmes nacionais brigam por um espaço de exibição sob o domínio dos blockbusters estadunidenses nas salas de cinemas. Sendo necessária, portanto, a aplicação da lei de Cota de Tela, a qual obriga os cinemas a dedicar ao menos 27 dias de exibição às produções nacionais por ano. 

Ao final dos créditos, Bye Bye Brasil apresenta uma dedicatória aos “brasileiros do século XXI”. Parece que Carlos Diegues tinha previsto um futuro de repetição dos mesmos erros, além da contínua divisão entre o insólito nordeste e o triângulo Rio – São Paulo – Brasília. Se naquela época já existia a provocação sobre a exploração criminosa da Amazônia e a devastação das tribos indígenas, em 2020 ambos os temas estão nas principais capas dos jornais brasileiros e o desmatamento e a desapropriação ocorrem de forma mais radical. 

Cômico e amoral, o filme funciona com uma alegoria das nossas relações de poder e engloba importantes questões de aspectos socioeconômico e também de uma formação identitária brasileira. À luz dessas discussões, hoje o cineasta que mais provoca este debate é Kléber Mendonça Filho com os seus longas-metragens O Som ao Redor (2013), Aquarius (2016) e Bacurau (2019), sendo este último revelador de uma luta classista dentro da nossa própria nação, em razão de origens e disputa territorial. 

Em virtude da comemoração aos 40 anos do filme, em junho deste ano, Carlos Diegues concedeu uma entrevista ao site francês Telerama e fez um balanço sobre a visão do filme no exterior: “Os europeus, especialmente os franceses, viram isso como um filme triste sobre o fim de um mundo. Para americanos e sul-americanos, por outro lado, era um filme esperançoso sobre um novo modo de vida, uma cultura que acabara de nascer. Eu diria hoje que ele era ambos. Recentemente, cineastas japoneses e sul-coreanos me disseram que o adoram. Um deles até me disse que ele deve sua vocação como cineasta ao Bye Bye Brasil.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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