Ao nordeste do mar Egeu e parte do território da Grécia, localiza-se uma ilha de pouco mais de um quilômetro e meio de extensão chamada Ilha de Lesbos. Lá, segundo a mitologia grega, viveu uma poeta chamada Safo (no ano 6 A.C.), cujo trabalho centrou em temas como feminismo, sexo, sexualidade e gênero, escritos num tempo em que mesmo havendo o casamento formal, a homossexualidade era naturalizada entre as pessoas, mesmo dentro do casamento. Do nome Safo, autora de textos hoje muitas vezes censurados, origina-se a palavra em português “safada”, cujo significado dispensa explicações. Assim como a ilha de Lesbos derivou, em nossa língua, a palavra “lésbica”, que significa oriundo de Lesbos – esta ilha onde vivia uma poeta que escrevia sobre sexualidade feminina e onde mulheres se pegavam ao ar livre (grosso modo dizendo). Entre Safos e Lesbos, vem o pulsar no filme argentino ‘Caiam as Rosas Brancas!’, que estreia nos cinemas brasileiros a partir de hoje.
Violeta (Carolina Alamino) é uma diretora de cinema frustrada. Durante as gravações, enquanto a equipe se esforça em atender seu insistente pedido por mais flores e seu elenco está literalmente preso nas alturas, Violeta tem uma crise de raiva e decide abandonar o set. Já em casa, rodeada de livros, ela tenta entender qual é o problema até que tem a ideia de ouvir uma espécie de chamado de uma amiga e foge com três amigas da indústria do cinema (Rocío Zuviría, Mijal Katzowicz e María Eugenia Marcet) para uma missão no interior da Argentina, encontrar um rapaz. Porém, o que era para ser uma road trip animada aos poucos se converte em um verdadeiro suplício e, de algum modo, o quarteto vai parar em São Paulo com uma proposta de trabalho dos sonhos.
Uma curiosidade em ‘Caiam as Rosas Brancas!’ é que a protagonista Violeta é também uma das roteiristas do longa (algo não muito comum). O texto é escrito por ela e Agustín Godoy e Albertina Carri, que também assina a direção do longa. Existem elementos da história que são anteriores ao tempo do longa, como um dado filme pornô lésbico que a protagonista teria realizado anteriormente e que funciona como um carma para ela, uma vez que, por causa do sucesso anterior, nada a satisfaz no momento. Porém, essas referências externas são tão frequentes ao longo do filme que faz a gente questionar por que simplesmente não entraram na filmagem, dado serem tão importantes no desenvolvimento da trama.
Há, sim, cenas de interesse lésbico, mas nada como num filme pornô nem nada explícito. Alguns beijos, uma cena de sadomasoquismo não concluído; toda a parte erótica fica mais na sedução do que na execução, ou seja, serem personagens lésbicas ou não não faz a menor diferença no enredo, salvo em um determinado momento em que o quarteto abandona uma cidade possivelmente motivado pelo ódio dos vizinhos (mas que fica subjetivo no longa).
Por fim, fica claro que a diretora Albertina Carri ( do aclamado ‘As Filhas do Fogo‘) traz um projeto de experimentação ao cinema. Tudo é teste: sabores, corpos, cores, luzes, histórias, caminhos, destinos. Tal como a vida da protagonista, ‘Caiam as Rosas Brancas!’ vai seguindo ao sabor do vento, sem direção, perdendo o que constrói no caminho e aleatoriamente pousando no Brasil, em São Paulo, onde a protagonista diz amar e desejar morar – mas, então, vamos parar numa ilha, que remete à Lesbos, se quisermos ler assim.
‘Caiam as Rosas Brancas!’ é extremamente experimental, trazendo potências individuais num projeto um tanto quanto subjetivo. É o cinema sáfico argentino chegando em terras brasileiras.