quarta-feira, agosto 20, 2025
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    Entrevista | Kleber Mendonça Filho em Cannes: entre a consagração de ‘O Agente Secreto’ e o desejo de um musical brasileiro [EXCLUSIVO]

    Meus filmes geralmente vão na frente e eu vou atrás”, declara Kleber Mendonça Filho, em entrevista exclusiva para o CinePOP, sobre a euforia ao redor de O Agente Secreto, exibido na 78° edição do Festival de Cannes. O bate-papo foi realizado cinco dias antes da cerimônia de encerramento do Festival de Cannes 2025 — antes dos quatro prêmios do filme, sendo a vitória dupla de Wagner Moura (Melhor Ator) e do próprio cineasta (Melhor Direção) — mas já era possível perceber, nas entrelinhas e na vibração do entrevistado, que algo grande estava por vir. 

    O cineasta pernambucano falava com calma, mas com brilho nos olhos. O tom era de um otimismo contido, de quem já sentia a força do próprio filme ecoar pelo Palácio do Festival. Entre a recepção do público brasileiro, as camadas de memória de sua obra e o carinho da crítica internacional, Kleber revelou também um desejo novo (ou não tão novo assim): fazer um musical. Não parece surpresa para quem reconhece nas trilhas sonoras de seus filmes — especialmente Aquarius — um cuidado quase coreográfico. Música, para ele, nunca é pano de fundo. É personagem.

    Otimismo contido às vésperas da consagração

    Kleber Mendonça Filho em entrevista para o CinePOP com Letícia Alassë.

    A recepção foi excelente, mas vamos por partes. Ainda estamos digerindo”, pondera. Ele evita falar em campanhas de Oscar ou grandes planos de distribuição, mas admite: “Se for chamado, eu represento o Brasil. Mas ainda não estou nesse modo.” Logo depois da conversa, foi anunciado a aquisição da NEON para distribuição do filme nos Estados Unidos e Canadá; e da MUBI, na América Latina (exceto Brasil), Reino Unido e outros países europeus. 

    O público brasileiro já abraça o filme e exalta o orgulho nacional, de acordo com os memes e comentários nas redes sociais antes mesmo dos prêmios. “Vi que saiu no Jornal Nacional, que os posts estão bombando… mas não tive tempo de mergulhar nisso. Eu posto [no Instagram] e vou fazer outra coisa”, brinca o diretor. É possível acompanhar a trajetória do filme pela conta do pernambucano e, também, notar suas declarações carinhosas à parceira e produtora Emilie Lescaux, além da admiração por Wagner Moura

    Nossa conversa, entretanto, tomou outros rumos, embora O Agente Secreto seja o grande tema e chamariz do momento, o foco da entrevista era ir além do sucesso recente — mergulhar no olhar, nos desejos e no percurso do diretor.

    Planos de um musical à brasileira

    Conhecido por transformar músicas em elementos dramáticos centrais em seus filmes — como a trilha visceral de Aquarius ou o lirismo de Retrato FantasmaKleber Mendonça Filho revelou, em tom casual, mas com honestidade, que tem vontade de fazer um musical. Não se trata de um projeto engatilhado, mas de um desejo antigo que habita seu imaginário desde os tempos em que viu A Ópera do Malandro, de Ruy Guerra, em 1986: “Foi um dos primeiros filmes brasileiros que eu vi no cinema. E me impactou muito”, relembra.

    Embora seus filmes ainda não abracem o gênero musical de forma tradicional, ele reconhece que há sequências que flertam com essa linguagem. “Aquarius poderia virar um musical para o teatro tranquilamente”, afirma. Para ele, a trilha sonora nunca é um mero elemento ao fundo: “Quando coloco uma música, é para ser ouvida. Eu quero que as pessoas sintam.” Talvez, por isso, os álbuns de seus filmes ganham ouvintes fieis e representam tão bem a cultura brasileira, como a emblemática entrada da equipe do filme ao som do frevo, na estreia do filme na Croisette.

    Segundo Kléber, ‘Aquarius’ daria um ótimo musical.

    Eu já pensei, sim, em fazer um musical clássico — com gente parando para cantar — mas ainda não tenho nada engatilhado“, contou Kleber. Seu interesse em narrativas onde música e dramaturgia se entrelaçam vem de longe — e pode ser uma pista sobre os próximos passos de sua carreira.

    Internacionalizar, mas com identidade

    Sobre filmar fora do Brasil, o pernambucano não descarta; porém, com uma condição inegociável: ser “dono da história”. “Não adianta me mandarem um roteiro e esperarem que eu apenas dirija. Eu preciso saber do que estou falando“, afirma. Kleber observa o caminho da internacionalização com cautela: “Já vi diretores fazerem roteiros que não gostam. Receita para enxaqueca.

    kleber mendonça filho e wagner moura créditos laura castor

    É uma fala que contrasta com experiências recentes de outros diretores brasileiros que tentaram a sorte fora, nem sempre com bons resultados. José Padilha, por exemplo, após o estrondoso sucesso de Tropa de Elite, amargou críticas e frustração com Robocop (2014), em um projeto engessado por estúdios. Karim Aïnouz, por sua vez, viu Firebrand (2023) ser recebido com frieza após a aclamação de A Vida Invisível (2019), ambos exibidos no Festival de Cannes. 

    Cannes não é apenas um festival

    O cineasta pernambucano conhece Cannes como poucos. De crítico a jurado e hoje habitué da competição oficial, Kleber traça uma linha contínua entre seu amor pelo cinema e a construção de sua carreira: “Eu vim como crítico por treze anos, assistindo tudo, escrevendo. Era meu estágio de cinema. Eu via filmes, escrevia e aprendia”, diz. A transição da crítica para a direção foi natural, e hoje Kleber é nome frequente na programação do festival.

    Já fui exibido na Quinzena, na Sessão Especial, e tive três filmes na competição principal. Fui júri com o Spike Lee e presidente da Semana da Crítica. É impossível diminuir a importância que Cannes tem na minha trajetória.“, resume o cineasta condecorado com o Prêmio do Júri, por Bacurau, em 2019. 

    Kléber compôs o júri do Festival de Cannes 2021, presidido por Spike Lee, que consagrou ‘Titane’.

    Memória, gerações e a força de Recife

    Durante a conversa, Kleber também comentou sobre o impacto geracional de seus filmes. De Aquarius a Retrato Fantasma, passando por O Som ao Redor, há sempre uma tensão entre o passado e o presente — seja em fitas VHS, cinemas de rua ou arquivos invisíveis ao Google, como no recém-lançado O Agente Secreto

    A memória, aliás, é um dos fios condutores de sua filmografia. Seja o Recife em permanente mutação de Retrato Fantasma, a luta contra o apagamento histórico em Aquarius ou as referências culturais que atravessam as décadas, Kleber parece ter o compromisso tácito de levar adiante a memória coletiva — e sensibilizar o público mais jovem. “Eu acho que quando um filme capta a imaginação, ele gera novos cineastas. Eu fui assim”, conta, citando seu encantamento juvenil com o cinema nacional dos anos 1980.

    o som ao redor
    O Som ao Redor, lançado em 2012, primeiro longa-metragem elogiadíssimo de Klebér Mendonça Filho.

    Questionado sobre o teor político de suas obras, Kleber desconversa: “Eu não acho que faço filmes políticos. Filme político se faz na prefeitura”, ironiza. Seu cinema, no entanto, é político por essência, pelo simples ato de iluminar a cidade, a história, a resistência, a cultura. Recife está sempre lá — como cenário, espírito e símbolo.

    Kleber Mendonça Filho termina a conversa com a mesma elegância com que conduz seus filmes: consciente do impacto que causa, mas com os pés no chão. Ele não promete um musical. Não planeja um Oscar. Mas, como sempre, está pronto para ir aonde o filme o levar.

    Veja entrevista completa no YouTube:

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