Disponível no Acervo Atual da Netflix, ‘A Hora do Espanto’ foi o maior sucesso do gênero em 1985
Foi o amor por filmes de terror e por histórias de vampiros que fez o diretor Tom Holland criar A Hora do Espanto. Comecemos por partes. Não, não é esse Tom Holland que você está pensando. Antes do intérprete atual do herói Homem-Aranha no cinema, outro artista de mesmo nome fazia sucesso no mundo da sétima arte – em especial em produções de gênero como o terror. Esse Tom Holland é, entre outras coisas, o diretor de outro grande clássico do horror dos anos 80: Brinquedo Assassino (1988), o primeiro filme do querido boneco Chucky. Só por estes dois esforços na direção, o cineasta tem seu nome cativo no panteão do cinema entretenimento.
Holland começou a escrever seu nome em Hollywood ao assinar o roteiro de Psicose 2 (1983), continuação do clássico absoluto de Hitchcock, e seu primeiro grande trabalho na indústria. Enquanto escrevia seu trabalho seguinte, a aventura infanto-juvenil cult Os Heróis Não Tem Idade (1984), Holland começou a pensar num conceito para uma história: sobre um adolescente fã de filmes de terror que desconfia que seu vizinho na casa ao lado seja um vampiro. O conceito era interessante, mas o próprio roteirista não achava que era forte o suficiente para sustentar uma história inteira. O entrave em sua cabeça parava na pergunta: “o que ele vai fazer?”, já que a primeira reação de todos seria achar que o jovem estava louco. Assim, Holland via esta ideia empacada e permaneceu desta forma, somente em sua cabeça, por um ano.
Em determinada ocasião, enquanto conversava sobre essa sua ideia com John Byers, então o chefão do estúdio Columbia Pictures (hoje Sony), o próprio Holland viu a lâmpada acender em sua cabeça. E o que o roteirista bolou foi: “ele iria diretamente falar com Vincent Price”. O citado ator veterano era sinônimo de filmes de terror e muitos contendo tais criaturas das trevas bebedoras de sangue. E assim nascia não apenas o personagem Peter Vincent, como também sua inspiração completa para escrever A Hora do Espanto.
Na trama, Charley Brewster (William Ragsdale) é um adolescente comum. Ele tem uma namorada, Amy (Amanda Bearse) e um melhor amigo “Evil” Ed (Stephen Geoffreys). Apaixonado por clássicos filmes de terror, o rapaz é fã do programa A Hora do Espanto (Fright Night, algo como Noite do Medo), uma maratona noturna de filmes de terror antigos e esquecidos, apresentada por um astro veterano de tais filmes, Peter Vincent (Roddy McDowall). Quando Charley começa a desconfiar e depois confirma que seu novo vizinho seja de fato um vampiro assassino que está matando jovens mulheres na sua cidadezinha, ele tenta alistar a ajuda de seus amigos e até mesmo de seu ídolo, um pseudo especialista nas criaturas noturnas.
Este tipo de programa apresentado no filme era muito comum e popular nos EUA nas TVs abertas por lá. Foram estes programas que popularizaram figuras como Elvira, personagem de Cassandra Peterson, que iniciou sua carreira como anfitriã na TV neste segmento. Ou seja, A Hora do Espanto não é apenas um filme apaixonado pelo gênero terror ou vampiros, mas também homenageia e presta tributo a um tipo de atração televisiva muito popular no passado, que ainda estava no auge na década de 1980, mas que hoje, assim como tantos itens da cultura pop do passado, se tornaram esquecidos. Segundo o próprio Holland, Peter Vincent e seu background televisivo são o coração do filme.
Depois de ter bolado uma espécie de homenagem metalinguística a uma era (fã e apresentador de programa de terror se veem num próprio filme de terror), Tom Holland escreveu o roteiro completo em três semanas. Mas aí viria a pegadinha. O roteirista queria estrear na direção, com este seu então mais recente texto. Acontece que Holland havia se decepcionado muito com o tratamento que um de seus roteiros havia recebido em tela, no filme Tudo por uma Verdade (1984), e assim conseguiu um acordo com a Columbia, que apostou num diretor novato – ninguém poderia prever o sucesso que o seu filme de vampiros faria.
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Com o diretor de primeira viagem Tom Holland contratado para sua grande estreia – num terror que misturava muito humor e autoconsciência em sua narrativa -, o próximo passo dado era contratar os atores certos para os personagens. É claro que a “alma” do filme, Peter Vincent, precisava e só poderia ser um único ator: Vincent Price. De fato, Holland criou o nome do personagem tendo Price em mente, e também o ator Peter Cushing. No entanto, a saúde de Vincent Price não estava das melhores e o ator evitava trabalhar de forma intensa, ou sequer estava aceitando papeis em filmes de terror nesta época. Ele viria a realizar seu último filme no cinema cinco anos depois com Edward Mãos de Tesoura (1990), de Tim Burton. Assim, Holland recorreu a Roddy McDowall, imortalizado por seu papel de Cornelius no clássico O Planeta dos Macacos (1968).
Já para o papel do protagonista Charley Brewster, “o menino que grita lobo”, segundo a definição do próprio criador, um nome famoso que quase terminou com o papel foi Charlie Sheen. Segundo Holland, no entanto, a aparência de Sheen era a de um herói e não era o que o autor buscava para Charley. Com William Ragsdale, o diretor encontrou um “rapaz mais mundano” e identificável. Isso porque a intenção do cineasta com o filme era validá-lo para o público moderno (da época), ao enraizá-lo na realidade, justamente por isso usou como cenário os subúrbios de uma cidadezinha norte-americana.
A Hora do Espanto, curiosamente, não era prioridade para a Columbia Pictures na época. O estúdio estava concentrando todas as suas forças em fazer de Perfeição, filme sobre a investigação real da revista Rolling Stone na “azaração” que rolava em academias de ginástica (protagonizado por John Travolta e Jamie Lee Curtis), o seu grande sucesso daquele ano de 1985. Fora este, outra grande prioridade da casa era História de um Amor, outro romance, este musical, com Rebecca De Mornay. Ironicamente, História de um Amor passou mais que em branco, passou “transparente”, e Perfeição viveu para se tornar um dos fracassos mais retumbantes não apenas dos anos 1980, mas da história de Hollywood. Mesmo assim, o estúdio cedeu US$9.5 milhões para o orçamento de A Hora do Espanto, dos quais US$1 milhão foi gasto apenas com os efeitos visuais do longa – se tornando o primeiro filme de vampiros a gastar tanto com efeitos.
Enquanto as prioridades da Columbia fracassavam, A Hora do Espanto se tornava um grande sucesso. O terror foi o filme do gênero mais bem sucedido daquela temporada e o segundo mais rentável do ano de 1985, ficando atrás somente da bilheteria de um peso pesado: A Hora do Pesadelo 2 – A Vingança de Freddy.
Ah sim, neste momento devo adereçar um dos personagens principais do longa e o principal antagonista: Jerry Dandrige. O tal vizinho vampiro é um sedutor de primeira, igualmente carismático, ameaçador e aterrorizante. Para o papel foi escalado Chris Sarandon, num de seus melhores e mais divertidos desempenhos. E por falar no vilão, o filme do vampiro e o segundo de Freddy Krueger guardam mais semelhanças do que apenas a boa bilheteria, monstros icônicos, maquiagem de primeira e tramas com terror e certo humor. A Hora do Espanto e A Hora do Pesadelo 2 possuem subtexto gay em sua narrativa. Bem, A Vingança de Freddy hoje é notoriamente conhecido por este fator – eu inclusive escrevi uma matéria sobre isso, que você pode conferir no link abaixo. Quanto à Hora do Espanto, o elemento gay que é constantemente cada vez mais adereçado hoje é a relação entre Jerry, o vampiro sedutor, e seu “cuidador”, o zumbi Billy (Jonathan Stark). Basta uma segunda olhada no filme para entender um pouco melhor esta dinâmica.
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Segundo o autor, os personagens e sua relação foram criados com estes tons subliminares de forma proposital, embora nenhum dos dois intérpretes (Sarandon e Stark) tenham pego as referências ao atuarem nestes papeis. Há inclusive um ponto de debate sobre a sexualidade do melhor amigo Evil Ed, personificado de forma única por Stephen Geoffreys. Seu desempenho amalucado e histérico, claramente afetado e dono de uma das risadas mais estridentes e icônicas dos anos 1980, deram início a uma linha de pensamento sobre Ed ser um personagem gay. O próprio Holland diz que embora essa não tenha sido sua intenção na época, o personagem pode ser lido sim desta forma. “Você pode dizer que Evil Ed era o rapaz gay que sofre bullying”, diz o criador. O bullying sofrido por Ed é adereçado em alguns momentos do longa e até mesmo no diálogo quando o vampiro seduz o jovem para que se junte a ele. “Você não precisa ter medo de mim. Eu sei como é ser diferente. Eles não irão implicar mais com você ou te bater. Eu irei garantir isso”, profere o vampiro. Mas segundo o diretor, a ideia por trás de Evil Ed era a do garoto nerd que lê gibis de terror demais. Já a relação entre os vilões Jerry e Billy, essa sim, Holland afirma ter sido criada de forma intencional.
Dentre as referências usadas por Tom Holland na criação de A Hora do Espanto, além dos clássicos da Hammer, podemos encontrar também inúmeras homenagens ao primeiro livro de vampiros de Stephen King, Salem’s Lot. O texto foi adaptado, não para o cinema, mas para a TV, na forma de uma minissérie em dois episódios em 1979, intitulada Os Vampiros de Salem. O mesmo material serviu de forte influência na criação da série de sucesso recente da Netflix, Missa da Meia Noite (2021), criada por Mike Flanagan.
O sucesso de A Hora do Espanto foi tanto que se estendeu para outras mídias, como videogames, algo que era comum na época. Assim, em 1988, um o game oficial licenciado era lançado para os computadores Commodore Amiga, onde o personagem a ser controlado era não Charley, mas sim o vampiro Jerry. Fora isso, Castlevania, um dos games mais famosos e cultuados de todos os tempos, que se tornaria uma grande franquia, era lançado em 1986 e trazia homenagem ao filme de Holland. O personagem do caçador de vampiros no game, chamado Charlie Vincent, é referência aos personagens Charley Brewster e Peter Vincent do longa.
Nesta época, esse estilo de temática de horror clássico, abordando tópicos como vampiros, havia ficado ultrapassado pelas gerações mais novas e nos anos 1980 precisou de uma roupagem moderna e esperta para ser revivido. Uma prova de quão inteligente era o roteiro é mostrada num diálogo proferido por Peter Vincent, que cita a preferência do público da época. “Tudo o que eles querem é um louco demente por aí numa máscara de esqui picotando jovens virgens”, diz o apresentador. É claro, fazendo menção certeira às sequências de Sexta-Feira 13, que povoavam e dominavam os cinemas na década de 80. No entanto, a esta altura, a franquia de Jason já se encontrava em seu quinto exemplar, com Um Novo Começo (1985), que não foi páreo para A Hora do Espanto nas bilheterias.
A Hora do Espanto arrecadou US$25 milhões em sua estadia nos cinemas, como dito, se tornando o sucesso surpresa daquela temporada. Em seu fim de semana de estreia nos cinemas dos EUA, enfrentou a pesada concorrência do esmaga quarteirão De Volta para o Futuro e da continuação Férias Frustradas 2, debutando em terceira posição do ranking – conseguindo triunfar sobre Mulher Nota Mil, outro clássico absoluto dos 80’s que estreava no mesmo dia. Algumas décadas depois e o terror ainda demonstra seu poder de culto, com o lançamento do Blu-ray limitado de edição comemorativa do aniversário de 30 anos em 2015 – dos quais foram fabricadas apenas cinco mil cópias – esgotando em menos de 48 horas.
O sucesso fez gerar uma sequência três anos depois, sem qualquer envolvimento do criador original Tom Holland. A Hora do Espanto 2 (1988) foi escrito e dirigido por Tommy Lee Wallace (Halloween 3 – A Noite das Bruxas). Em 2011, A Hora do Espanto ganhou um remake com Colin Farrell e o saudoso Anton Yelchin nos papeis principais, e direção de Craig Gillespie – dos sucessos Eu, Tonya (2017) e Cruella (2021). Dois anos depois, em 2013, A Hora do Espanto 2 era lançado direto no mercado de vídeo. Este filme, que não conta com nenhum dos envolvidos no remake, embora leve o título “2”, não é uma continuação, mas sim um novo reboot da franquia.
Na versão original do roteiro, o filme possuía um desfecho diferente. O que ganhamos é ambíguo e flerta com a possibilidade de uma continuação, quando Charley nota olhos vermelhos no escuro e ganhamos a frase de Evil Ed que marca o filme “You’re so Cool Brewster”, seguida de suas gargalhadas. Com isso, teorias afirmam que o melhor amigo de Charley permaneceu vivo e no desfecho original Peter Vincent igualmente se transformaria em um vampiro na frente das câmeras de seu programa. Também em 2015, Tom Holland durante um programa do Youtube foi perguntado pelos fãs qual dentre seus filmes ele gostaria de realizar uma sequência, ignorando as continuações e reboots. O cineasta respondeu A Hora do Espanto e disse que para isso reutilizaria o elenco original. o diretor foi ainda mais longe e chegou até mesmo a apresentar seu pitch. Sua ideia seria por um Charley Brewster adulto e pai solteiro, herdando a casa de sua mãe e se mudando para lá com seus dois filhos adolescentes. Os jovens estariam convencidos de que algo maligno se encontra na casa ao lado. E eles estão certos, já que Evil Ed invadiu a mansão abandonada e tenta ressuscitar Jerry Dandrige. Com quem precisamos falar para isso acontecer o mais rápido possível?