terça-feira , 19 novembro , 2024

A Importância dos Filmes de Terror para as Crianças

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Quando pensamos no gênero terror, logo nos recordamos de grandes produções cinematográficas como O Exorcista ou a franquia Invocação do Mal ou até mesmo suspenses clássicos como Psicose. Entretanto, mais frequentemente do que se imagina, esse estilo fílmico é bastante presente em obras infantis.

Quem nunca se assustou com a transformação das bruxas em Convenção das Bruxas, ficando com medo de ser perseguido por criaturas maléficas que apenas queriam te transformar em rato para sempre? Ou então assustou-se com as verdadeiras intenções da Outra Mãe em Coraline e o Mundo Secreto? Ou cobriu o rosto para não ver as terríveis feições do lobo Gmork tentando destruir as boas intenções do jovem Atreyu em salvar Fantasia em A História Sem Fim?



Como podemos perceber, a infusão da ficção fantástica e da animação com o horror é mais comum do que parece e tem um papel bastante importante no próprio amadurecimento das crianças e no modo de ajudar-lhes a enfrentar os obstáculos do mundo, se impor perante os perigos e saber que sempre há esperança até nos momentos mais obscuros e aterradores. Enquanto a própria psicologia discorre acerca dos processos de amadurecimento e crescimento – seja através da metapsicanálise ou dos estudos acerca de eventos traumáticos e irreversíveis -, essas obras audiovisuais carregam uma profundidade muito maior do que a mera superfície imagética.

Tomemos como exemplo Branca de Neve e os Sete Anões, filme de estreia dos estúdios Walt Disney que revolucionou o cenário pueril e as próprias técnicas de animação. De um lado, temos a exuberante presença da personagem titular, uma moça cândida tipificada como a donzela em perigo que irá passar por inúmeras provações até encontrar liberdade. De outro, a presença da Rainha Má (cujo nome real é Grimhilde), uma poderosa, invejosa e aterrorizante monarca cujo principal objetivo é destruir sua inimiga (Branca de Neve) e tornar-se a mulher mais bela de todas. Apesar da curta duração do longa-metragem e de seus óbvios problemas estruturais (ainda mais para os tempos de hoje), a personagem vilanesca é retratada de modo bastante arquetípico quando se pensa num escopo mais geral: ela é a representação das “ruindades” do mundo e, sendo obrigada a mudar sua identidade para conseguir o que quer, transgrede os conceitos de benevolência e justiça e, como já sabemos, se dá mal de uma forma dramática.

No filme, essa ambiência arrepiante é, ao mesmo tempo, convidativa e rechaçável: as crianças a princípio se sentem coagidas a desviar o olhar da tela, do momento em que o Caçador tenta matar Branca de Neve ou que a colorida natureza cede a um cenário expressionista e distorcido; mas logo percebem que o arco das personagens é traçado por um motivo específico – o de mostrar que as adversidades podem existir, mas sempre serão transpostas.

Em Coraline e o Mundo Secreto, a narrativa de Neil Gaiman nos convida para uma outra perspectiva aventuresca: os estereótipos românticos caem por terra e ganham uma camada mais complexa, que gira em torno de uma jovem infeliz com sua família e que busca por algo maior do que já tem. É aí que, movida pela curiosidade, ela descobre um mundo escondido atrás de uma portinhola, em que cada pedaço daquilo que conhece é transmutado a seu favor e como modo de fazê-la ficar por lá mesmo. Nessa animação, as concepções de perfeição e alegria regem a orquestral e magnífica atmosfera, sendo colocadas em um patamar duvidoso que serve como base para as reais intenções da Bela Dama e sua fome ávida por crianças insatisfeitas – como é-nos revelado pouco antes do terceiro ato.

Mais uma vez, todos os elementos contribuem para arrebatar o público-alvo em direção a uma mensagem específica: a própria contraposição artística entre o Mundo Real e o Outro Mundo é um elemento de subserviência inconsciente que causa maior atração ou repulsão. Os aspectos fantásticos, como banquetes infindáveis, cachorros de três olhos e shows circenses de camundongos, fazem parte da esfera impossível que se torna possível, gradativamente tomando conta do coração da jovem Coraline. Entretanto, quando as coisas não saem como o planejado, as máscaras caem – e os olhos de botões ganham uma dimensão assustadora.

Cada narrativa que faz parte desse específico e abundante suis-generis carrega consigo uma necessidade em comum: usar o terror como exploração metafórica e simbólica dos perigos que realmente existem. Enquanto confinadas à esfera familiar, as crianças mantêm contato apenas com as figuras paternas e/ou maternas e acreditam que a presença deles é o bastante para mantê-los a salvo de tudo. Mas, quando menos esperamos, a mortal inveja de uma Madrasta pode nos apunhalar pelas costas – e, mais do que isso, faz-se preciso encontrar as forças para enfrentar esse medo.

Em outras construções animadas, como O Estranho Mundo de Jack, a expressividade do perigo é deixada de lado, optando pela desconstrução de criaturas outrora consideradas medonhas e um reorganização quase psíquica de personagens cujas intenções são puras o bastante para compreendemo-los. Em A Noiva Cadáver, a tênue linha entre vida e morte é literalmente cortada quando Victor acaba ficando noivo da já falecida Emily, descobrindo que o submundo pode ser mais divertido do que se imagina. Já em Frankenweenie, o atemporal conto do Prometeu moderno transforma-se em uma bela adaptação sobre amizade e sacrifício guiada pelo amor de um menino por seu cãozinho.

A complexidade dos longas-metragens de terror também vai além disso: por vezes, o caminho trilhado pelos protagonistas serve de inspiração para ações corajosas e destemidas, como é o caso de Coraline, que resolve voltar para sua algoz e enfrentá-la de uma vez por todas de modo bastante sagaz. Atreyu e Bastian, de A História sem Fim, percebem que a esperança e a bondade é a principal arma contra as calamidades que nos bombardeiam dia após dia. Em ParaNorman, o personagem homônimo percebe que lendas podem ser reescritas e que um vilão pode ter sido, na verdade, a vítima.

A importância dos longas-metragens do gênero explanado nessa breve matéria é inegável – e, desde o surgimento e ápice do cinema, continua influenciando de modo positivo os espectadores infanto-juvenis que resolvem, bravamente, aventurarem-se em mundos arrepiantes, apenas para descobrirem um novo lado de si mesmos e estarem prontos para começar uma jornada de autodescoberta inenarrável e imprescindível.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Quem nunca se assustou com a transformação das bruxas em Convenção das Bruxas, ficando com medo de ser perseguido por criaturas maléficas que apenas queriam te transformar em rato para sempre? Ou então assustou-se com as verdadeiras intenções da Outra Mãe em Coraline e o Mundo Secreto? Ou cobriu o rosto para não ver as terríveis feições do lobo Gmork tentando destruir as boas intenções do jovem Atreyu em salvar Fantasia em A História Sem Fim?

Como podemos perceber, a infusão da ficção fantástica e da animação com o horror é mais comum do que parece e tem um papel bastante importante no próprio amadurecimento das crianças e no modo de ajudar-lhes a enfrentar os obstáculos do mundo, se impor perante os perigos e saber que sempre há esperança até nos momentos mais obscuros e aterradores. Enquanto a própria psicologia discorre acerca dos processos de amadurecimento e crescimento – seja através da metapsicanálise ou dos estudos acerca de eventos traumáticos e irreversíveis -, essas obras audiovisuais carregam uma profundidade muito maior do que a mera superfície imagética.

Tomemos como exemplo Branca de Neve e os Sete Anões, filme de estreia dos estúdios Walt Disney que revolucionou o cenário pueril e as próprias técnicas de animação. De um lado, temos a exuberante presença da personagem titular, uma moça cândida tipificada como a donzela em perigo que irá passar por inúmeras provações até encontrar liberdade. De outro, a presença da Rainha Má (cujo nome real é Grimhilde), uma poderosa, invejosa e aterrorizante monarca cujo principal objetivo é destruir sua inimiga (Branca de Neve) e tornar-se a mulher mais bela de todas. Apesar da curta duração do longa-metragem e de seus óbvios problemas estruturais (ainda mais para os tempos de hoje), a personagem vilanesca é retratada de modo bastante arquetípico quando se pensa num escopo mais geral: ela é a representação das “ruindades” do mundo e, sendo obrigada a mudar sua identidade para conseguir o que quer, transgrede os conceitos de benevolência e justiça e, como já sabemos, se dá mal de uma forma dramática.

No filme, essa ambiência arrepiante é, ao mesmo tempo, convidativa e rechaçável: as crianças a princípio se sentem coagidas a desviar o olhar da tela, do momento em que o Caçador tenta matar Branca de Neve ou que a colorida natureza cede a um cenário expressionista e distorcido; mas logo percebem que o arco das personagens é traçado por um motivo específico – o de mostrar que as adversidades podem existir, mas sempre serão transpostas.

Em Coraline e o Mundo Secreto, a narrativa de Neil Gaiman nos convida para uma outra perspectiva aventuresca: os estereótipos românticos caem por terra e ganham uma camada mais complexa, que gira em torno de uma jovem infeliz com sua família e que busca por algo maior do que já tem. É aí que, movida pela curiosidade, ela descobre um mundo escondido atrás de uma portinhola, em que cada pedaço daquilo que conhece é transmutado a seu favor e como modo de fazê-la ficar por lá mesmo. Nessa animação, as concepções de perfeição e alegria regem a orquestral e magnífica atmosfera, sendo colocadas em um patamar duvidoso que serve como base para as reais intenções da Bela Dama e sua fome ávida por crianças insatisfeitas – como é-nos revelado pouco antes do terceiro ato.

Mais uma vez, todos os elementos contribuem para arrebatar o público-alvo em direção a uma mensagem específica: a própria contraposição artística entre o Mundo Real e o Outro Mundo é um elemento de subserviência inconsciente que causa maior atração ou repulsão. Os aspectos fantásticos, como banquetes infindáveis, cachorros de três olhos e shows circenses de camundongos, fazem parte da esfera impossível que se torna possível, gradativamente tomando conta do coração da jovem Coraline. Entretanto, quando as coisas não saem como o planejado, as máscaras caem – e os olhos de botões ganham uma dimensão assustadora.

Cada narrativa que faz parte desse específico e abundante suis-generis carrega consigo uma necessidade em comum: usar o terror como exploração metafórica e simbólica dos perigos que realmente existem. Enquanto confinadas à esfera familiar, as crianças mantêm contato apenas com as figuras paternas e/ou maternas e acreditam que a presença deles é o bastante para mantê-los a salvo de tudo. Mas, quando menos esperamos, a mortal inveja de uma Madrasta pode nos apunhalar pelas costas – e, mais do que isso, faz-se preciso encontrar as forças para enfrentar esse medo.

Em outras construções animadas, como O Estranho Mundo de Jack, a expressividade do perigo é deixada de lado, optando pela desconstrução de criaturas outrora consideradas medonhas e um reorganização quase psíquica de personagens cujas intenções são puras o bastante para compreendemo-los. Em A Noiva Cadáver, a tênue linha entre vida e morte é literalmente cortada quando Victor acaba ficando noivo da já falecida Emily, descobrindo que o submundo pode ser mais divertido do que se imagina. Já em Frankenweenie, o atemporal conto do Prometeu moderno transforma-se em uma bela adaptação sobre amizade e sacrifício guiada pelo amor de um menino por seu cãozinho.

A complexidade dos longas-metragens de terror também vai além disso: por vezes, o caminho trilhado pelos protagonistas serve de inspiração para ações corajosas e destemidas, como é o caso de Coraline, que resolve voltar para sua algoz e enfrentá-la de uma vez por todas de modo bastante sagaz. Atreyu e Bastian, de A História sem Fim, percebem que a esperança e a bondade é a principal arma contra as calamidades que nos bombardeiam dia após dia. Em ParaNorman, o personagem homônimo percebe que lendas podem ser reescritas e que um vilão pode ter sido, na verdade, a vítima.

A importância dos longas-metragens do gênero explanado nessa breve matéria é inegável – e, desde o surgimento e ápice do cinema, continua influenciando de modo positivo os espectadores infanto-juvenis que resolvem, bravamente, aventurarem-se em mundos arrepiantes, apenas para descobrirem um novo lado de si mesmos e estarem prontos para começar uma jornada de autodescoberta inenarrável e imprescindível.

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Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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