O Halloween é uma comemoração conhecida pelo mundo inteiro. Sua história data das antigas comemorações pagãs, mais precisamente na mitologia celta, no qual a barreira entre o mundo espiritual e o mundo terreno se tornavam mais tênues e o contato com seres que já haviam morrido seria mais intenso. Através dos anos, a comemoração antes conhecida como Samhain, comemorada dentro das ideias sabáticas tradicionais, tornou-se uma celebração mais “divertida”, por assim dizer, no qual as pessoas se fantasiam de inúmeros ícones da cultura pop e saem às ruas para coletas doces na inocente brincadeira de gostosuras e travessuras – principalmente nos países nórdicos, ainda que no Brasil isso também aconteça de modo mais esporádico. Entretanto, poucas pessoas se relembram do obscurantismo e da densa atmosfera trazida por essa época do ano – e o diretor Michael Dougherty promete levar o público a um lado não muito conhecido dessa comemoração com seu mais novo filme.
‘Contos do Dia das Bruxas’ parte da premissa das inúmeras antologias de terror que se tornaram populares na literatura urbana da Inglaterra do século XIX e que viralizariam com a chegada de ‘American Horror Story’. Em outras palavras, a narrativa desmembra-se em cinco pequenos núcleos criativos que se entrelaçam por um mesmo tema ou pela convergência de personagens – e deixando de lado o âmbito mais teórico, cada uma dessas subtramas é contada por perspectivas nem um pouco premeditadas e que renegam quaisquer clichês do gênero de terror. Dougherty aqui também entra como o responsável pelo roteiro, fornecendo sua própria visão dos fatos e até mesmo facilitando uma linguagem que poderia ceder às previsíveis fórmulas.
O longa também faz referências à montagem anacrônica de diversas obras de drama do cinema clássico, permitindo que o público viaje através do tempo para buscar respostas e easter eggs. Iniciando-se com um mórbido clipe que mostra o descaso de uma mulher quanto ao Halloween e seu consecutivo assassinato por uma força demoníaca, esse pano de fundo é base para retornarmos ao passado, onde todos esses acontecimentos começaram. É interessante como o cineasta também brinca com a ironia ao nos colocar frente a frente com um vídeo instrucional sobre esse dia em especial, o qual nos avisa para prestar atenção aos doces, não sair sozinho, não andar no meio da rua e não ir à casa de estranhos – e adivinhem só? São essas quatro advertências que tomam rumos drásticos para se transformarem em contos sanguinolentos e assustadores.
Em suma, temos a jornada de uma jovem virgem (Anna Paquin) em busca do amor verdadeiro que cede a reviravoltas cruéis; o desabrochar de um professor de colégio (Dylan Baker) em um serial killer perigoso; um velho senhor ranzinza (Brian Cox) que recebe a visita de um demônio fantasiado que fará de tudo para matá-lo; e a desventura de um grupo de adolescentes que deseja prestar homenagem a um trágico evento que ocorreu em sua pequena cidade. Dougherty toma cuidado para que os blocos não sejam jogados de uma só vez para os espectadores, fazendo bom uso da montagem paralela ao lado de Robert Ivison para nos impedir de cair numa monotonia linear e buscar referências e certos elementos mais sutis que podem indicar o final de cada história. O resultado é, em grande parte, satisfatório, ainda que possa parecer ridículo em alguns momentos. Mas mesmo com esses defeitos, as opções fílmicas sempre falam mais alto.
O roteiro segue uma linha bem metafórica e que renega o uso da clareza cênica. Em outras palavras, as opções de enquadramento e ângulo sempre prezam pelo foreshadowing, deixando aberto para que o público, através de elementos sinestésicos, conclua o desfecho sem uma certeza absoluta. Devo dizer que, pessoalmente, histórias que deixem pontas soltas são as minhas favoritas – e o sentimento angustiante de desejar ver mais e mais é logo substituído por uma satisfação às avessas, suprimida pela próxima história. Em um ciclo infinito, podemos até perceber um fechamento – não com os créditos finais, mas sim com o momento em que a personagem de Paquin chega à sua revelação máxima (o único momento realmente explícito do longa-metragem).
Os arcos também se valem do suspense, do terror e da excessiva calmaria que sempre vem depois da tempestade. A progressão narrativa é quase geométrica, chegando nos ápices para depois retornar a um inebriante estado letárgico e pleno, como se nada tivesse acontecido e como se o dia seguinte simplesmente fosse continuação do anterior, por vezes causando questionamentos acerca da natureza humana de obras que se expandem ao sobrenatural. Essa sensação perturbadora é mais vista na subtrama dos adolescentes e em seu trágico final, que tem relação com o acidente de ônibus que tirou a vida de oito crianças há mais de trinta anos.
Ainda que restringindo-se a referências claramente expressionistas, a direção de arte e de fotografia fazem um papel importante para aumentar o peso da atmosfera. A densidade é reafirmada pelo uso excessivo da névoa, do jogo de luz e sombra, da presença de árvores secas e retorcidas que imediatamente nos transportam para um cenário de horror clássico – a floresta assombrada ou o castelo medieval abandonado. Por vezes, os personagens são embebidos sem nenhuma explicação por feixes de luz dura que acentuam suas delineações e os tornam elementos invasivos dentro de uma construção caótica. É claro que essas escolhas são feitas para permitir o máximo de conexão com o público-alvo, mas optar pela saturação é redundante, ainda que estranhamente satisfatório.
‘Contos do Dia das Bruxas’ é um daqueles filmes que entrega mais do que promete. Afinal, se olharmos por cima, parece que veremos a simples histórias que em nada irão adicionar a um gênero tão maltratado; mas olhando com cuidado, é quase impossível não sentir um arrepio na espinha ao ver uma perspectiva original e medonha sobre uma das celebrações mais famosas de todos os tempos.