terça-feira , 5 novembro , 2024

Artigo | Há 7 anos, ‘Penny Dreadful’ expandia o TERROR gótico com uma 2ª temporada impecável

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John Logan é talvez um dos nomes mais audaciosos da indústria de entretenimento contemporânea; seu nome não apenas é responsável pela divertida aventura de Hugo Cabret em seu filme homônimo, como também ficou responsável pelo roteiro de uma das melhores investidas da franquia protagonizada por James Bond com 007: Operação Skyfall’. Entretanto, Logan também mergulhou no nicho televisivo, trabalhando com a Showtime em Penny Dreadful, baseando-se nos contos e lendas urbanas da Inglaterra vitoriana e oferecendo uma perspectiva ainda mais macabra para as narrativas de terror e suspense que sempre povoaram os escuros becos londrinos. E é claro que o resultado não poderia ter sido outro: além de se tornar aclamadíssima pela crítica e pelo público, a série pôs em voga um elenco de ponta que se entregou a seus personagens de corpo e alma e encantou um público sedento por sangue, sexo e pelo sobrenatural.

Em seu segundo ano, Logan, retornando como showrunner e roteirista de todos os novos episódios, teria um desafio um pouco maior. Afinal, ele deveria manter o ascendente nível de sua obra ao mesmo tempo em que cultivasse arcos mais complexos e mais tenebrosos aos protagonistas. Como bem lembramos, a primeira temporada mergulhou na relação conturbada de Vanessa Ives (Eva Green) com seu mentor, Sir Malcolm (Timothy Dalton), ambos procurando por uma filha e quase irmã que cedeu às forças das Trevas e clamava por ser encontrada. Agora, após terem a ajuda do misterioso Ethan (Josh Hartnett), cada um segue o seu caminho trilhado por destruição e morte apenas para se reencontrarem em um futuro mais próximo que o imaginado.

De um lado, temos Ethan retornando para as áridas terras do oeste estadunidense, deportado e se escondendo de sua real natureza – o Lobo de Deus, um lobisomem incontrolável responsável por inúmeras mortes. De outro, Malcolm e Vanessa descobrem que um novo mal se levanta dos abismos do Inferno, desejando, de algum modo, levar a pobre médium para a escuridão em um caminho sem volta. É claro que, no primeiro capítulo, tudo permanece muito vago: é possível notar os maneirismos do criador com a constante imersão do telespectador em cenários perscrutados por uma neblina densa, contraditoriamente repulsiva e convidativa, que esconde mistérios indecifráveis e até mesmo mortais. À medida que as revelações são feitas, esse artifício imagético deixa de existir, dando lugar ao coerente e sedutor jogo de luz e sombra que se mantém fiel à mensagem do show até os momentos finais.

É possível dizer que a vida de Ives nunca será fácil, ainda mais quando conhecemos a real natureza de suas próximas inimigas: Madame Kali (Helen McCrory), que já havia feito uma breve aparição em Autopsy of a Scene” no ano anterior, retorna de forma triunfal como uma poderosa bruxa sem quaisquer escrúpulos para atingir o que deseja. Sua caracterização é propositalmente conflitante, sendo respaldada nas histórias acerca da Condessa de Sangue, uma mulher da high society que se banhava no sangue de virgens para preservar sua juventude. Entretanto, Logan faz questão de nos engolfar em um twist maravilhoso ao colocá-la como serva de Lúcifer e arquitetá-la de modo a seguir a seus comandos sem uma submissão explícita.

Não é à toa que Kali manda uma de suas filhas, Hecate (Sarah Greene) para os Estados Unidos como forma de impedir que Ethan retorne aos braços de Vanessa, deixando-a livre para ser utilizada como a bruxa bem quiser. Kali, na verdade, faz uso de seu conhecimento para criar um receptáculo maligno que enfrentará a médium em todo seu poder. E nada disso seria possível sem uma incrível e apaixonante performance de McCrory, cujas sutis delineações encontram terreno fértil para serem exploradas. Aqui, as interações artístico-narrativas também fazem questão de mostrá-la como uma personagem duas caras – ora, ela até mesmo se torna amante de Malcolm apenas para se aproximar da conturbada família.

De qualquer modo, não é apenas este grupo que rouba a cena. Billie Piper também se porta com exímia versatilidade encarnando Lily, a ressurreição de Brona Croft pelas mãos de Victor Frankenstein (Harry Treadaway), que vê na morte da enferma servente uma oportunidade para se livrar do tormento eterno de sua primeira criação, John Clare (Rory Kinnear). Entretanto, as coisas não saem muito bem como planejadas, visto que Lily passa a ter muito contato com o sedutor e maquiavélico Dorian Gray (Reeve Carney), unindo-se a ele para dar início a uma raça de criaturas poderosas e indestrutíveis.

Mas não pense que essas subtramas são jogadas ao acaso: Logan mantém sua surpreendente credibilidade ao criar dois escopos diferentes entre si e que, nos últimos segundos, unem-se pela temática sobrenatural. Enquanto Vanessa e Kali lutam pela supremacia do bem e do mal, da luz e da sombra, do poder e da fraqueza – conceitos que vão além da compreensão humana e que cedem às ruínas de uma ambição desmedida -, Lily e Dorian são mais realistas pela própria inexistência tangível. Apesar de serem “monstros”, por assim dizer, funcionam como palpáveis materializações dos pecados humanos – principalmente ira, orgulho e luxúria. Essa brincadeira cênica é reafirmada inclusive pela multiplicidade narrativa e pelo trabalho rítmico de edição que momento algum falha em orquestrar uma atmosfera tenebrosa.

A série também retorna para uma interessante zona de conforto ao nos colocar em flashbacks explicativos. Juntamente à técnica subestimada do foreshadowing, o showrunner nos leva a um passado não tão distante de Vanessa e seu encontro com Joan Clayton (Patti Lupone em uma memorável atuação), talvez a única bruxa que pode ajudá-la a consolidar seus poderes. A entrada de novos personagens também dá margens para necessários sacrifícios como modo de manter as tramas em uma montanha-russa catártica – um dos pontos de maior respeito e prestígio da obra.

Com sua segunda temporada, ‘Penny Dreadful’ não apenas endossa seu nome como um dos produtos audiovisuais mais chocantes da televisão contemporânea, mas também eleva seu nível a um patamar derradeiro. É triste saber que a história de Vanessa Ives estaria prestes a acabar – ao mesmo tempo em que é muito satisfatório ter ciência de que ela jamais será esquecida.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Em seu segundo ano, Logan, retornando como showrunner e roteirista de todos os novos episódios, teria um desafio um pouco maior. Afinal, ele deveria manter o ascendente nível de sua obra ao mesmo tempo em que cultivasse arcos mais complexos e mais tenebrosos aos protagonistas. Como bem lembramos, a primeira temporada mergulhou na relação conturbada de Vanessa Ives (Eva Green) com seu mentor, Sir Malcolm (Timothy Dalton), ambos procurando por uma filha e quase irmã que cedeu às forças das Trevas e clamava por ser encontrada. Agora, após terem a ajuda do misterioso Ethan (Josh Hartnett), cada um segue o seu caminho trilhado por destruição e morte apenas para se reencontrarem em um futuro mais próximo que o imaginado.

De um lado, temos Ethan retornando para as áridas terras do oeste estadunidense, deportado e se escondendo de sua real natureza – o Lobo de Deus, um lobisomem incontrolável responsável por inúmeras mortes. De outro, Malcolm e Vanessa descobrem que um novo mal se levanta dos abismos do Inferno, desejando, de algum modo, levar a pobre médium para a escuridão em um caminho sem volta. É claro que, no primeiro capítulo, tudo permanece muito vago: é possível notar os maneirismos do criador com a constante imersão do telespectador em cenários perscrutados por uma neblina densa, contraditoriamente repulsiva e convidativa, que esconde mistérios indecifráveis e até mesmo mortais. À medida que as revelações são feitas, esse artifício imagético deixa de existir, dando lugar ao coerente e sedutor jogo de luz e sombra que se mantém fiel à mensagem do show até os momentos finais.

É possível dizer que a vida de Ives nunca será fácil, ainda mais quando conhecemos a real natureza de suas próximas inimigas: Madame Kali (Helen McCrory), que já havia feito uma breve aparição em Autopsy of a Scene” no ano anterior, retorna de forma triunfal como uma poderosa bruxa sem quaisquer escrúpulos para atingir o que deseja. Sua caracterização é propositalmente conflitante, sendo respaldada nas histórias acerca da Condessa de Sangue, uma mulher da high society que se banhava no sangue de virgens para preservar sua juventude. Entretanto, Logan faz questão de nos engolfar em um twist maravilhoso ao colocá-la como serva de Lúcifer e arquitetá-la de modo a seguir a seus comandos sem uma submissão explícita.

Não é à toa que Kali manda uma de suas filhas, Hecate (Sarah Greene) para os Estados Unidos como forma de impedir que Ethan retorne aos braços de Vanessa, deixando-a livre para ser utilizada como a bruxa bem quiser. Kali, na verdade, faz uso de seu conhecimento para criar um receptáculo maligno que enfrentará a médium em todo seu poder. E nada disso seria possível sem uma incrível e apaixonante performance de McCrory, cujas sutis delineações encontram terreno fértil para serem exploradas. Aqui, as interações artístico-narrativas também fazem questão de mostrá-la como uma personagem duas caras – ora, ela até mesmo se torna amante de Malcolm apenas para se aproximar da conturbada família.

De qualquer modo, não é apenas este grupo que rouba a cena. Billie Piper também se porta com exímia versatilidade encarnando Lily, a ressurreição de Brona Croft pelas mãos de Victor Frankenstein (Harry Treadaway), que vê na morte da enferma servente uma oportunidade para se livrar do tormento eterno de sua primeira criação, John Clare (Rory Kinnear). Entretanto, as coisas não saem muito bem como planejadas, visto que Lily passa a ter muito contato com o sedutor e maquiavélico Dorian Gray (Reeve Carney), unindo-se a ele para dar início a uma raça de criaturas poderosas e indestrutíveis.

Mas não pense que essas subtramas são jogadas ao acaso: Logan mantém sua surpreendente credibilidade ao criar dois escopos diferentes entre si e que, nos últimos segundos, unem-se pela temática sobrenatural. Enquanto Vanessa e Kali lutam pela supremacia do bem e do mal, da luz e da sombra, do poder e da fraqueza – conceitos que vão além da compreensão humana e que cedem às ruínas de uma ambição desmedida -, Lily e Dorian são mais realistas pela própria inexistência tangível. Apesar de serem “monstros”, por assim dizer, funcionam como palpáveis materializações dos pecados humanos – principalmente ira, orgulho e luxúria. Essa brincadeira cênica é reafirmada inclusive pela multiplicidade narrativa e pelo trabalho rítmico de edição que momento algum falha em orquestrar uma atmosfera tenebrosa.

A série também retorna para uma interessante zona de conforto ao nos colocar em flashbacks explicativos. Juntamente à técnica subestimada do foreshadowing, o showrunner nos leva a um passado não tão distante de Vanessa e seu encontro com Joan Clayton (Patti Lupone em uma memorável atuação), talvez a única bruxa que pode ajudá-la a consolidar seus poderes. A entrada de novos personagens também dá margens para necessários sacrifícios como modo de manter as tramas em uma montanha-russa catártica – um dos pontos de maior respeito e prestígio da obra.

Com sua segunda temporada, ‘Penny Dreadful’ não apenas endossa seu nome como um dos produtos audiovisuais mais chocantes da televisão contemporânea, mas também eleva seu nível a um patamar derradeiro. É triste saber que a história de Vanessa Ives estaria prestes a acabar – ao mesmo tempo em que é muito satisfatório ter ciência de que ela jamais será esquecida.

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