Ghostbusters – Mais Além estreou no último fim de semana nos cinemas do Brasil e pelo mundo. O filme é a continuação direta das amadas aventuras da década de 1980 e conta oficialmente como a terceira e tardia parte planejada para estrear após 1989, mas que por três décadas nunca saiu do papel. Todo o elenco original (bem, os que ainda estão vivos) retorna para uma muitos esperada (e adiada) passagem de bastão. O foco do novo filme não são os veteranos que aprendemos a amar nestes 37 anos (hoje todos na casa dos quase 70 anos de idade), mas sim na nova geração, pegando carona no estilo de filme que era muito popular nos anos 80: aventuras protagonizadas por crianças e pré-adolescentes. Stranger Things, programa extremamente popular da Netflix, se banha nessa fonte para atingir seu sucesso.
Para entrar no clima da tão aguardada nova aventura que resgata não apenas a franquia em toda a sua glória, mas também o espírito dos anos 80, resolvemos revisitar agora o reboot da franquia, protagonizado por quatro mulheres. Portanto, pegue sua mochila de prótons, reúna a turma e se prepare para voltar a caçar fantasmas por uma viagem incrivelmente nostálgica. Confira abaixo.
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Não é todo dia que temos o trailer de um filme no Youtube batendo o recorde de desaprovação (o infame não curti – ou dislike) por parte dos fãs. Mas de onde vem tanto ódio assim por um filme? Seria do fato de termos agora quatro mulheres como protagonistas ao invés de homens? Ou talvez o motivo tenha sido pela ideia final do longa não ser uma continuação dos amados filmes dos anos 80, mas sim um reinício que elimina da existência os anteriores? Passados cinco anos da estreia do controverso (As) Caça-Fantasmas, vamos dar mais uma olhada nesta produção para tentar compreender o que saiu tão errado. Para tal, precisamos voltar no tempo, lá para o final da década de 1980.
Recentemente, escrevi matérias sobre os bastidores de ambos os filmes da franquia: Os Caça-Fantasmas (1986) e Os Caça-Fantasmas 2 (1989). Talvez os mais novos não consigam mensurar hoje o que foi a marca Caça-Fantasmas após sua estreia em 1984. Mas é seguro dizer que se tornou uma verdadeira mania, em especial com os jovens da época – crianças e adolescentes. Assim, capitalizando em cima da marca, um desenho animado foi criado dois anos depois, em 1986, que manteve o produto no consciente popular, durando até 1991 de forma inédita, e algum tempo depois com as costumeiras reprises. Todo tipo de merchandising e produto licenciado usando a marca podia ser encontrado. E isso tudo antes do segundo filme estrear.
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Esse foi outro fator determinante para a franquia. Com tamanha febre da marca acontecendo, era basicamente um clamor público de que uma continuação para o filme fosse produzida. Mas aí tínhamos uma pedra pelo caminho: o “garoto enxaqueca” Bill Murray. Acontece que o ator e humorista havia se envolvido num atrito com o então presidente da Columbia Pictures, estúdio responsável pelos direitos da obra. E neste caso nem havia sido tanta culpa do ator problemático, inclusive. Se fosse tratado da forma correta, seria esperado que uma sequência para Os Caça-Fantasmas fosse lançada dois anos depois, ou até três, o que faria Os Caça-Fantasmas 2 ter estreado entre 1986 e 1987 – coincidindo com a estreia do cartoon. Mas foi só com a dança de cadeiras na presidência da Columbia em 1987, que o estúdio fez de sua prioridade a continuação de seu maior sucesso, logo a partir de 1988. Os Caça-Fantasmas 2 seria lançado em meados de 1989.
O segundo filme possui forte valor nostálgico para todos que cresceram com ele na infância, que o assistiram ainda criança nos cinemas (como este que vos fala) ou simplesmente os fãs incondicionais da franquia. Mas a verdade é que Os Caça-Fantasmas 2 já teve seu teor bastante alterado em relação ao original. Embora tenha recebido a mesma classificação etária da censura em relação ao original (no Brasil ambos tiveram censura livre / enquanto nos EUA ambos receberam censura PG – que significa algum material não adequado para crianças, sugerindo orientação parental), assim que foi descoberto seu forte público infantil, o novo filme tratou de diminuir o linguajar, as insinuações sexuais e inclusive o cigarro dos personagens; além de um design menos assustador dos fantasmas e assombrações, mais alinhado com os do desenho.
O resultado do segundo filme, embora tenha ocorrido um hiato de cinco anos para sair do papel, não foi o esperado – e nem de longe espelhou o fenômeno do original. Os realizadores e elenco se viram desgostosos e desapontados, colocando assim uma pedra em cima desta franquia tão lucrativa. Porém, durante toda a década de 1990 e a seguinte de 2000 esforços foram feitos por parte dos roteiristas com diversas ideias e tratamentos do roteiro para que um Caça-Fantasmas 3 ocorresse. Uma das propostas do mentor por trás da marca, Dan Aykroyd, para um terceiro filme envolvia a equipe viajando para uma versão alternativa e infernal de Nova York. No entanto, esse conceito custaria absurdamente caro, com um orçamento inicial traçado por algo em torno de US$150 milhões, e isso em plena década de 1990 – ou seja, precisava ser algo mais contido.
Em outro momento, já no fim dos anos 2000, Aykroyd e Harold Ramis trabalhavam em outro dos variados roteiros. Nesta época, sempre que os roteiristas chegavam a um texto que possivelmente poderia ser a ideia para o terceiro filme, eram barrados por Bill Murray. Em um dos casos, os roteiristas responsáveis pela comédia fracassada Ano Um (2009), com Jack Black, dirigida por Ramis, sobre homens das cavernas, haviam assinado a história de um possível Caça-Fantasmas 3. Segundo o próprio Murray, ele sequer quis ler o texto, após assistir ao desastroso resultado de Ano Um. Outro boato era de que Murray em certos casos chegava ao ponto de rasgar alguns roteiros.
O desenvolvimento “infernal” do terceiro filme se deu por um motivo. Durante o processo de negociação para Os Caça-Fantasmas 2, o trio de atores (Bill Murray, Dan Aykroyd e Harold Ramis), assim como o diretor Ivan Reitman, possuíam uma cláusula que os permitia um incrível poder de veto. Ou seja, o terceiro filme só sairia do papel se o roteiro fosse aprovado pelos quatro – mesmo que um deles optasse por não estar envolvido no projeto. Além disso, Reitman teria preferência na direção do filme, caso assim quisesse. E como sempre, Murray era o maior empecilho. O fato veio a público no infame caso dos vazamentos dos e-mails da Sony (ex-Columbia).
O mais perto que a equipe voltaria a se reunir foi para uma adaptação de um videogame lançado em 2009, que continuava os eventos após o segundo filme, e na época foi considerado por muitos fãs como o substituto para a terceira aventura do grupo nas telas – por usar muito de um dos roteiros planejados para o cinema como a terceira aventura. Para a empreitada, todos os atores originais retornaram para ceder suas vozes ao jogo.
Com a morte de Harold Ramis em 2014, o diretor Ivan Reitman declarou oficialmente sua saída de qualquer projeto vindouro dos Caça-Fantasmas, afirmando que deixaria outra pessoa no comando do longa. Assim, a Sony iniciava o processo de busca por um diretor – com nomes como Phil Lord e Christopher Miller, Seth Rogen e Judd Apatow sendo considerados. Todos no fim das contas, desistiram com medo da eventual comparação com o original. Paul Feig igualmente abriu mão da vaga de primeira, mas foi convencido pela presidente do estúdio, Amy Pascal, a comandar a superprodução. O cineasta tinha como credenciais os sucessos Missão Madrinha de Casamento (indicado ao Oscar), As Bem Armadas e A Espiã que Sabia de Menos – todas comédias bem sucedidas de crítica e bilheteria, protagonizadas por mulheres. Assim, se tornava quase óbvia que a escolha de Feig na direção, um realizador acostumado a dar espaço e voz para protagonistas femininas, que o novo filme seria centrado em mulheres.
O maior problema, conceitualmente falando, em minha opinião e a de muitos fãs, foi a opção por uma refilmagem ao invés de uma terceira parte. Ao decidir eliminar a existência dos filmes anteriores queridos dos fãs mais fervorosos, os realizadores mexeram num verdadeiro vespeiro. O que os fãs queriam de verdade era um terceiro filme e não um remake. Quando percebemos que Feig teve à sua disposição todo o elenco original para participações especiais, fica mais evidente a oportunidade desperdiçada. A passagem de bastão para uma nova geração e a homenagem aos antigos realizada pelo novo Ghostbusters – Mais Além (2021) poderia ter ocorrido há cinco anos no filme com a equipe feminina. Seria interessante se cada membro veterano encontrasse uma substituta por conta própria, alguém dentro de seu próprio universo após todos estes anos. Dentro desta ideia, poderia ser mantido o fato de Ernie Hudson (Winston) ser o tio de uma delas, Patty (papel da humorista Leslie Jones).
Ou seja, o grande problema de (As) Caça-Fantasmas (2016) está na falta de um roteiro verdadeiramente inspirado e não no fato de um elenco feminino ter sido escalado. Bem, ao menos não para, digamos, metade dos fãs que desaprovaram – a outra metade é simplesmente babaca e machista mesmo, sequer dando chance de conferir o resultado antes de julgar.
Protagonizando o filme, um time de atrizes e comediantes bem talentosas: Melissa McCarthy e Kristen Wiig (veteranas de Missão Madrinha de Casamento), e outras duas veteranas do humorístico Saturday Night Live, Leslie Jones e Kate McKinnon. Podemos notar que suas personagens foram moldadas a partir das personalidades originais. McCarthy é Aykroyd, Wiig é Murray, Jones é Hudson, e McKinnon é Ramis. Outro problema estrutural de roteiro é que temos as duas protagonistas (McCarthy e Wiig) como as personagens mais sérias, enquanto as piadas acabam com as outras duas que não possuem o mesmo destaque. Ao contrário do original em que Murray dominava como o cético piadista, sempre contrabalanceando a seriedade. Fora isso, existia humanidade em todos os personagens. Já no elenco feminino, suas esquisitices e diálogos soam forçados, como se fossem personagens num filme (ou desenho animado), ao contrário de gente de verdade – como nos originais.
Antes do quarteto principal ser escolhido, outras atrizes foram cogitadas para protagonizar o filme. Uma delas foi a estrela vencedora do Oscar Emma Stone, que recusou a proposta por não querer se “amarrar” a uma grande franquia novamente após ter estrelado os filmes da série O Espetacular Homem-Aranha, em 2012 e 2014. A atriz havia sido recomendada ao projeto pelo colega Bill Murray, que trabalhou com ela em Zumbilândia (2009). Outra que quase esteve no filme foi Anne Hathaway (vencedora do Oscar); segundo reportado a atriz esteve vinculada durante a fase de pré-produção para viver uma personagem que seria chamada Dra. Anna. Outras consideradas foram Anna Faris, Jennifer Lawrence (novamente, uma vencedora do Oscar) e Rebel Wilson. O fato prova que à princípio a preferência era por atrizes premiadas acima de comediantes. O que traria um aspecto talvez menos infantilizado ao filme.
(As) Caça-Fantasmas estreou no dia 15 de julho de 2016, em meio a uma problemática de ataques de fãs que simplesmente não queriam este filme – terminando por se agarrar a uma causa feminista (quem não gostasse do filme era instantaneamente acusado de machismo e misoginia). O filme arrecadou US$65 milhões em seu fim de semana de lançamento, mas não conseguiu, por exemplo, derrubar do pódio a animação Pets – A Vida Secreta dos Bichos (que havia estreado na semana anterior), debutando em segunda posição do ranking. O longa terminou sua jornada com um faturamento de US$229 milhões mundiais e críticas mistas – com a maioria dos avaliadores homens tendo medo de “contra-ataques”.
Com tamanha negatividade, o estúdio achou por bem segurar a intenção de uma sequência que continuasse essa linha narrativa; mesmo que as cenas pós-créditos deixassem um gancho mais que óbvio para tal. No fim das contas, mesmo com todas as referências que usou homenageando os filmes originais, a lição talvez aprendida pela Sony e os realizadores foi passar a ouvir os fãs e usar isso a seu favor e a favor de qualquer produto mirado a eles.