quarta-feira , 20 novembro , 2024

As Melhores Séries de 2020

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Em 2020, a televisão e o streaming foram mais importantes do que nunca. Com os cinemas fechados e todos os lançamentos que ficaram adiados para 2021, restou às telinhas a missão de promover o entretenimento audiovisual que alimenta as almas dos apaixonados por filmes e séries. E missão dada é missão cumprida. 

Enquanto a produção seriada continuou crescendo, mesmo durante o isolamento, e ameaçando nos afogar em tantos e tantos episódios, também foi ela a responsável por conseguir nos apresentar um certo escapismo da realidade bruta — ou motivos para debater e discutir o que causa os maiores impactos. Por isso, honrar as séries de TV (e do streaming) é também uma forma de honrar a sobrevivência do meio, e uma sobrevivência que, com tantas variedades, foi muitíssimo bem-sucedida.



Então, sem mais delongas, as 20 melhores séries de 2020.

20. Arremesso Final

Muito menos sobre a pessoa Michael Jordan e mais sobre o fenômeno em que ele se transformou, o documentário narra o último ano do astro no Chicago Bulls e revela como ele mesmo se enxerga e enxerga aquele momento no mundo do esporte. No caminho, a série revela mais sobre seu objeto de pesquisa e o fascinante mundo ao redor dele do que poderíamos imaginar.

19. P-Valley

Nos palcos de um clube de strip no Delta do Mississippi, P-Valley brinca com uma estética eletrizante e cores saturadas para inverter a narrativa convencional e dar voz e protagonismo às personagens que normalmente são utilizadas como simples planos de fundo para as histórias dos homens que frequentam as danceterias. A série desafia o espectador a todo momento a olhar para aqueles corpos esculturais e enxergar atletas, enquanto paralelamente constrói tramas complexas e humanas sobre suas batalhas diárias. 

18. The Plot Against America

Uma peça de história especulativa baseada no livro homônimo de Phillip Roth, partindo das mentes criativas de David Simon e Ed Burns (The Wire), The Plot Against America imagina o que teria acontecido caso o aviador Charles Lindbergh tivesse vencido as eleições presidenciais de 1940 no lugar de JFK. Pontuada com as excelentes atuações de Zoe Kazan, Winona Ryder e John Turturro, ela usa uma cinematografia bastante clássica para fazer o contraponto e despertar no espectador um sentimento incômodo de que algo não está certo enquanto tudo parece extremamente correto e o antissemitismo cresce pelas beiradas do que muitos chamam de exagero.

17. Ted Lasso

Um pouco de positividade nunca fez mal a ninguém, e Ted Lasso é exatamente isso. Graças à fantástica performance de Jason Sudeikis, a série se apresenta como uma charmosa trama sobre um homem tentando encontrar família e laços afetivos longe de casa, e isso basta para transformar a série em uma maratona à sua espera

16. Lovecraft Country

Lovecraft Country definitivamente não foi a série mais consistente do ano, e sua grande dificuldade do início ao fim foi conectar uma trama a outra mantendo algum tipo de conexão — as histórias paralelas, via de regra, são mais interessantes que o arco narrativo principal. Mas em toda a sua ânsia por abraçar o mundo, a série ousa arriscar de uma forma que não se viu igual na TV, e às vezes essa tentativa é mais do que o suficiente para fazê-la se destacar.

15. BoJack Horseman

A temporada final de BoJack Horseman foi dividida em duas partes, deixando para 2020 os últimos oito episódios desta animação que fica na história como um feito raro — uma série da Netflix que durou mais do que três temporadas e chegou ao fim sem perder o gás. BoJack sempre transitou muito bem entre a comédia e o drama, utilizando o sarcasmo do seu protagonista para abordar com muita delicadeza os traumas do abandono familiar e os grandes problemas da indústria do entretenimento. Na jornada final, Raphael Bob-Waksberg não poupa nosso cavalão de encarar suas próprias falhas e as dores que fazem parte de quem ele é.BoJack Horseman chega ao fim não apenas como a melhor série da Netflix, mas um dos dramas mais emocionalmente complexos que a TV viu recentemente. Não é para qualquer um.

14. The Crown

Por um lado, The Crown nunca antes teve um material tão fascinante quanto a quarta temporada — ela adentra um período da História que seu público de fato tem como recordar  e sobre o qual muita gente tem muita opinião. Então, seria até fácil criar uma boa temporada quando o material base (a História) por si só já é um deleite. Mas, aqui, Peter Morgan consegue corrigir uma trajetória da temporada anterior e devolver o protagonismo à rainha, o que eleva todas as histórias que orbitam ao redor dela e mostra e segue desmoronando o castelo de cartas. A temporada exige de Olivia Colman que entregue o seu melhor, sobretudo quando aborda lados opostos de sua personalidade com Margaret Thatcher ou com Charles e Diana. E, é claro, Emma Corrin é excelente. Simplesmente excelente.

13. The Mandalorian

Enquanto a primeira temporada de The Mandalorian segue uma linha mais episódica e de casos da semana, a segunda avança mais profundamente no universo estabelecido de Star Wars e tem como resultado um drama eletrizante que consagra o seu lugar junto aos grandes nomes da galáxia muito, muito distante.

12. The Great

Huzzah! The Great explora a juventude da monarca Catarina, a Grande, sob um viés feminino atualizado e não necessariamente fatídico — uma premissa que, embora ousada, tem chances de criar um resultado terrível a cada esquina. Mas a série mergulha sem medo nas contradições da figura e no despertar de seu lado mais ambicioso, criando uma fábula deliciosamente cômica e caótica sobre poder e sua relação com o sexo. 

11. Mrs. America

Bastaria uma caracterização exagerada para Mrs. America deixar de ser um exame sobre uma figura complexa e se transformar em uma caricatura de si mesma. Felizmente, ao confiar a Cate Blanchett o papel da conservadora Phyllis Schlafly, líder do movimento contra a Emenda por Direitos Igualitários em 1970, a minissérie garante uma das melhores atuações que as telinhas trouxeram em 2020, e aponta contradições nos dois lados dessa disputa ideológica, traçando um paralelo poderoso com a bipolaridade atual e propondo uma reflexão pertinente sobre o legado do trumpismo.

10. I’ll be Gone in the Dark

A série documental da HBO conta a história das investigações amadoras conduzidas pela jornalista Michelle McNamara sobre um assassino e estuprador em série que agiu na costa da Califórnia entre as décadas de 1970 e 1980. A atração é ao mesmo tempo sobre as investigações de Michelle e sobre as sobreviventes do Golden State Killer, traçando um paralelo sombrio, mas pertinente, entre o efeito que as ações deles tiveram sobre a família da jornalista e aqueles que sobreviveram aos atos criminosos. Inspirada no livro homônimo de McNamara, I’ll be Gone in the Dark exalta seu incrível trabalho ao se amparar apenas na narração de trechos para criar um clima sombrio, e o resultado é uma obra familiar e muito emocionante sobre luto, legado e agência.

9. O Clube das Babás

Para todos os efeitos, O Clube das Babás não deveria ser uma série que termina o ano em um top 10 de melhores. Mas a versão da Netflix para o clássico literário infanto-juvenil possui um traço raro de ser nostálgica, mas sem o saudosismo da década de 1980 que torna algumas produções extremamente dependentes de memória afetiva. Aqui, a história se atualiza para discutir temas pertinentes à juventude do século XXI, com diálogos afiados, excelente escolha de elenco e uma confiança na maturidade do público que deveria ser mais frequente. A melhor “série para toda a família” que saiu do ano de 2020.

8. Schitt’s Creek

 

Temporadas finais são sempre particularmente desafiadoras, sobretudo no caso de séries que traçaram uma rota de ascensão no gosto do público tão veloz e orgânica como Schitt’s Creek. Para encerrar a história dos Rose, Dan e Eugene Levy mergulham fundo nas emoções dos membros da nossa adorada e terrível família, sem medo de mostrar a evolução dos personagens enquanto equilibram na balança as despedidas tristes e o humor sarcástico que conquistou tantos fãs para a série.

7. High Fidelity

A série estrelada por Zoë Kravitz, e precocemente cancelada pelo Hulu, faz mais do que trazer a história de Nick Hornby para 2020 sob um viés feminino, mesmo que apenas por isso ela já seria louvável por natureza. Talvez este seja um dos melhores exemplos do que uma boa adaptação consegue fazer quando trai a obra original mantendo por ela um carinho insubstituível. As inseguranças e mesquinharias de Rob continuam existindo, mas através de uma sensibilidade que faz com que possamos enxergar a personagem sob outra perspectiva, até menos pedante, com oportunidades também para que os coadjuvantes se reinventem e cada novo olhar sobre os relacionamentos seja essencial e único.

6. O Gambito da Rainha

Encabeçada por Anya Taylor-Joy excelente como Beth Harmon, O Gambito da Rainha utiliza as técnicas e as regras do xadrez para mergulhar no seu real objeto de estudo, a personalidade de sua protagonista. Intrinsecamente arraigada ao roteiro, a série é um banho de técnica de direção e montagem, e consegue o feito raro de colocar todos os coadjuvantes à mercê de um único astro sem desperdiçar as particularidades de cada um dos que orbitam ao redor de Beth.

5. Better Things

Quando Pamela Adlon começou a fazer Better Things, então junto a Louis CK, não era fácil entender o que ela queria dizer com aquilo. Era um produto disforme ainda que envolvente, que talvez tivesse medo de falar com todas as letras o que realmente desejava. Em sua quarta temporada, quase totalmente escrita e dirigida por ela, Adlon não tem medo ou vergonha de gritar suas palavras para os quatro ventos, ao mesmo tempo complexas e simples porque elas são duramente honestas, mas provavelmente poderiam ser encontradas dentro de quase toda mulher. Discutindo maternidade, envelhecimento, sexualidade e a resistência do corpo feminino em suas mais variadas formas e idades, Better Things se consagra como uma declaração de amor de Adlon para as suas filhas e para si mesma, em um grito pela independência e pela capacidade de reinvenção. Poderia ser a mais mundana das atrações, se todo o resto não teimasse em fingir que uma organização familiar como aquela não existe.

4. What We Do in the Shadows

Para uma comédia despretensiosa sobre vampiros dividindo uma casa em Staten Island, What We Do in the Shadows chega a ser abusada no quanto ousa ser pontual e inventiva. A série aposta em um humor quase nonsense, e confia aos seus protagonistas a missão de entregar cada fala de diálogo no tom ideal entre a incredulidade e certa inocência que é tão ridícula quanto palpável. Shadows nunca tenta ser “esperta demais”, ou trapacear o espectador com viradas inimagináveis, mas tira o melhor humor de situações que são elevadas à potência do absurdo a partir de hipóteses perfeitamente rotineiras. Dessa forma, ainda que a partir de um ideal comum, a série acabou se transformando em algo extremamente raro na televisão: um humor inteligente e requintado que é genuinamente sobre as risadas. Infelizmente, isso não acontece com tanta frequência

3. Better Call Saul

Não é como se já não estivesse claro desde a primeira temporada que Better Call Saul estava em uma trajetória tão certeira quanto Breaking Bad, ou até mais, levando em conta que Vince Gilligan põe a teste a experiência e a ousadia que adquiriu ao longo dos anos com a série matriz. Chegando à reta final, o drama vai se aproximando daquilo que sempre deixou claro que seria — a transformação final de Jimmy McGill naquele Saul Goodman que conhecíamos antes. Mas seria simples demais ficar apenas nisso, e no momento em que entrega o protagonismo nas mãos de Kim Wexler, interpretada com maestria pela excelente Rhea Seehorn, é quase como se estivesse se redimindo com Skyler White (Anna Gunn). Em sua melhor temporada, Better Call Saul arrisca todas as suas fichas e consegue a proeza de se tornar imprevisível mesmo quando o que vem a seguir já está escrito em pedra.

2. Normal People

Normal People é o tipo de série que se esgueira como um gato e, quando percebemos, já tomou um espaço enorme na sua cama ou no seu sofá — isso, no caso do gato. No caso da série, o espaço é no cérebro ou no coração. Através do romance jovem de Connell e Marianne, a atração reflete sobre depressão, dependência emocional e o déficit de comunicação efetiva em qualquer tipo de relação humana, catapultado pelas virtualidades e distanciamentos físicos. Um retrato impresso e exposto de uma geração precocemente impactada pelas tecnologias, Normal People usa o truque mais velho na cartola (fazer a audiência se apaixonar) para escancarar a fragilidade da entrega e a agonia doce e satisfatória que vem quando não sabemos o que vem a seguir — mas continuamos mesmo assim.

1. I May Destroy You

Como um cérebro protege a si mesmo de um evento traumático? Escondendo-o sob camas metafóricas junto a memórias empoeiradas e roupas esquecidas que deveriam ter ido para doação.

I May Destroy You, em toda a sua fragmentação, é Michaela Coel exorcizando seu cérebro deste trauma para limpar este espaço sob a cama e transformá-lo em algo útil. Ao mesmo tempo em que se dobra em si mesma para transformar e controlar o poder de uma memória sobre si, a autora e protagonista se expõe para o mundo e escancara as próprias idiossincrasias e contradições, num processo de cura catártico que tece uma reflexão sobre o quanto as escolhas pessoais de cada um refletem em um espírito coletivo. Sem ter sido concebida para um 2020 desses, a série acaba sendo mais pontual do que jamais poderia ter sido. E, por isso, o ano é dela.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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Enquanto a produção seriada continuou crescendo, mesmo durante o isolamento, e ameaçando nos afogar em tantos e tantos episódios, também foi ela a responsável por conseguir nos apresentar um certo escapismo da realidade bruta — ou motivos para debater e discutir o que causa os maiores impactos. Por isso, honrar as séries de TV (e do streaming) é também uma forma de honrar a sobrevivência do meio, e uma sobrevivência que, com tantas variedades, foi muitíssimo bem-sucedida.

Então, sem mais delongas, as 20 melhores séries de 2020.

20. Arremesso Final

Muito menos sobre a pessoa Michael Jordan e mais sobre o fenômeno em que ele se transformou, o documentário narra o último ano do astro no Chicago Bulls e revela como ele mesmo se enxerga e enxerga aquele momento no mundo do esporte. No caminho, a série revela mais sobre seu objeto de pesquisa e o fascinante mundo ao redor dele do que poderíamos imaginar.

19. P-Valley

Nos palcos de um clube de strip no Delta do Mississippi, P-Valley brinca com uma estética eletrizante e cores saturadas para inverter a narrativa convencional e dar voz e protagonismo às personagens que normalmente são utilizadas como simples planos de fundo para as histórias dos homens que frequentam as danceterias. A série desafia o espectador a todo momento a olhar para aqueles corpos esculturais e enxergar atletas, enquanto paralelamente constrói tramas complexas e humanas sobre suas batalhas diárias. 

18. The Plot Against America

Uma peça de história especulativa baseada no livro homônimo de Phillip Roth, partindo das mentes criativas de David Simon e Ed Burns (The Wire), The Plot Against America imagina o que teria acontecido caso o aviador Charles Lindbergh tivesse vencido as eleições presidenciais de 1940 no lugar de JFK. Pontuada com as excelentes atuações de Zoe Kazan, Winona Ryder e John Turturro, ela usa uma cinematografia bastante clássica para fazer o contraponto e despertar no espectador um sentimento incômodo de que algo não está certo enquanto tudo parece extremamente correto e o antissemitismo cresce pelas beiradas do que muitos chamam de exagero.

17. Ted Lasso

Um pouco de positividade nunca fez mal a ninguém, e Ted Lasso é exatamente isso. Graças à fantástica performance de Jason Sudeikis, a série se apresenta como uma charmosa trama sobre um homem tentando encontrar família e laços afetivos longe de casa, e isso basta para transformar a série em uma maratona à sua espera

16. Lovecraft Country

Lovecraft Country definitivamente não foi a série mais consistente do ano, e sua grande dificuldade do início ao fim foi conectar uma trama a outra mantendo algum tipo de conexão — as histórias paralelas, via de regra, são mais interessantes que o arco narrativo principal. Mas em toda a sua ânsia por abraçar o mundo, a série ousa arriscar de uma forma que não se viu igual na TV, e às vezes essa tentativa é mais do que o suficiente para fazê-la se destacar.

15. BoJack Horseman

A temporada final de BoJack Horseman foi dividida em duas partes, deixando para 2020 os últimos oito episódios desta animação que fica na história como um feito raro — uma série da Netflix que durou mais do que três temporadas e chegou ao fim sem perder o gás. BoJack sempre transitou muito bem entre a comédia e o drama, utilizando o sarcasmo do seu protagonista para abordar com muita delicadeza os traumas do abandono familiar e os grandes problemas da indústria do entretenimento. Na jornada final, Raphael Bob-Waksberg não poupa nosso cavalão de encarar suas próprias falhas e as dores que fazem parte de quem ele é.BoJack Horseman chega ao fim não apenas como a melhor série da Netflix, mas um dos dramas mais emocionalmente complexos que a TV viu recentemente. Não é para qualquer um.

14. The Crown

Por um lado, The Crown nunca antes teve um material tão fascinante quanto a quarta temporada — ela adentra um período da História que seu público de fato tem como recordar  e sobre o qual muita gente tem muita opinião. Então, seria até fácil criar uma boa temporada quando o material base (a História) por si só já é um deleite. Mas, aqui, Peter Morgan consegue corrigir uma trajetória da temporada anterior e devolver o protagonismo à rainha, o que eleva todas as histórias que orbitam ao redor dela e mostra e segue desmoronando o castelo de cartas. A temporada exige de Olivia Colman que entregue o seu melhor, sobretudo quando aborda lados opostos de sua personalidade com Margaret Thatcher ou com Charles e Diana. E, é claro, Emma Corrin é excelente. Simplesmente excelente.

13. The Mandalorian

Enquanto a primeira temporada de The Mandalorian segue uma linha mais episódica e de casos da semana, a segunda avança mais profundamente no universo estabelecido de Star Wars e tem como resultado um drama eletrizante que consagra o seu lugar junto aos grandes nomes da galáxia muito, muito distante.

12. The Great

Huzzah! The Great explora a juventude da monarca Catarina, a Grande, sob um viés feminino atualizado e não necessariamente fatídico — uma premissa que, embora ousada, tem chances de criar um resultado terrível a cada esquina. Mas a série mergulha sem medo nas contradições da figura e no despertar de seu lado mais ambicioso, criando uma fábula deliciosamente cômica e caótica sobre poder e sua relação com o sexo. 

11. Mrs. America

Bastaria uma caracterização exagerada para Mrs. America deixar de ser um exame sobre uma figura complexa e se transformar em uma caricatura de si mesma. Felizmente, ao confiar a Cate Blanchett o papel da conservadora Phyllis Schlafly, líder do movimento contra a Emenda por Direitos Igualitários em 1970, a minissérie garante uma das melhores atuações que as telinhas trouxeram em 2020, e aponta contradições nos dois lados dessa disputa ideológica, traçando um paralelo poderoso com a bipolaridade atual e propondo uma reflexão pertinente sobre o legado do trumpismo.

10. I’ll be Gone in the Dark

A série documental da HBO conta a história das investigações amadoras conduzidas pela jornalista Michelle McNamara sobre um assassino e estuprador em série que agiu na costa da Califórnia entre as décadas de 1970 e 1980. A atração é ao mesmo tempo sobre as investigações de Michelle e sobre as sobreviventes do Golden State Killer, traçando um paralelo sombrio, mas pertinente, entre o efeito que as ações deles tiveram sobre a família da jornalista e aqueles que sobreviveram aos atos criminosos. Inspirada no livro homônimo de McNamara, I’ll be Gone in the Dark exalta seu incrível trabalho ao se amparar apenas na narração de trechos para criar um clima sombrio, e o resultado é uma obra familiar e muito emocionante sobre luto, legado e agência.

9. O Clube das Babás

Para todos os efeitos, O Clube das Babás não deveria ser uma série que termina o ano em um top 10 de melhores. Mas a versão da Netflix para o clássico literário infanto-juvenil possui um traço raro de ser nostálgica, mas sem o saudosismo da década de 1980 que torna algumas produções extremamente dependentes de memória afetiva. Aqui, a história se atualiza para discutir temas pertinentes à juventude do século XXI, com diálogos afiados, excelente escolha de elenco e uma confiança na maturidade do público que deveria ser mais frequente. A melhor “série para toda a família” que saiu do ano de 2020.

8. Schitt’s Creek

 

Temporadas finais são sempre particularmente desafiadoras, sobretudo no caso de séries que traçaram uma rota de ascensão no gosto do público tão veloz e orgânica como Schitt’s Creek. Para encerrar a história dos Rose, Dan e Eugene Levy mergulham fundo nas emoções dos membros da nossa adorada e terrível família, sem medo de mostrar a evolução dos personagens enquanto equilibram na balança as despedidas tristes e o humor sarcástico que conquistou tantos fãs para a série.

7. High Fidelity

A série estrelada por Zoë Kravitz, e precocemente cancelada pelo Hulu, faz mais do que trazer a história de Nick Hornby para 2020 sob um viés feminino, mesmo que apenas por isso ela já seria louvável por natureza. Talvez este seja um dos melhores exemplos do que uma boa adaptação consegue fazer quando trai a obra original mantendo por ela um carinho insubstituível. As inseguranças e mesquinharias de Rob continuam existindo, mas através de uma sensibilidade que faz com que possamos enxergar a personagem sob outra perspectiva, até menos pedante, com oportunidades também para que os coadjuvantes se reinventem e cada novo olhar sobre os relacionamentos seja essencial e único.

6. O Gambito da Rainha

Encabeçada por Anya Taylor-Joy excelente como Beth Harmon, O Gambito da Rainha utiliza as técnicas e as regras do xadrez para mergulhar no seu real objeto de estudo, a personalidade de sua protagonista. Intrinsecamente arraigada ao roteiro, a série é um banho de técnica de direção e montagem, e consegue o feito raro de colocar todos os coadjuvantes à mercê de um único astro sem desperdiçar as particularidades de cada um dos que orbitam ao redor de Beth.

5. Better Things

Quando Pamela Adlon começou a fazer Better Things, então junto a Louis CK, não era fácil entender o que ela queria dizer com aquilo. Era um produto disforme ainda que envolvente, que talvez tivesse medo de falar com todas as letras o que realmente desejava. Em sua quarta temporada, quase totalmente escrita e dirigida por ela, Adlon não tem medo ou vergonha de gritar suas palavras para os quatro ventos, ao mesmo tempo complexas e simples porque elas são duramente honestas, mas provavelmente poderiam ser encontradas dentro de quase toda mulher. Discutindo maternidade, envelhecimento, sexualidade e a resistência do corpo feminino em suas mais variadas formas e idades, Better Things se consagra como uma declaração de amor de Adlon para as suas filhas e para si mesma, em um grito pela independência e pela capacidade de reinvenção. Poderia ser a mais mundana das atrações, se todo o resto não teimasse em fingir que uma organização familiar como aquela não existe.

4. What We Do in the Shadows

Para uma comédia despretensiosa sobre vampiros dividindo uma casa em Staten Island, What We Do in the Shadows chega a ser abusada no quanto ousa ser pontual e inventiva. A série aposta em um humor quase nonsense, e confia aos seus protagonistas a missão de entregar cada fala de diálogo no tom ideal entre a incredulidade e certa inocência que é tão ridícula quanto palpável. Shadows nunca tenta ser “esperta demais”, ou trapacear o espectador com viradas inimagináveis, mas tira o melhor humor de situações que são elevadas à potência do absurdo a partir de hipóteses perfeitamente rotineiras. Dessa forma, ainda que a partir de um ideal comum, a série acabou se transformando em algo extremamente raro na televisão: um humor inteligente e requintado que é genuinamente sobre as risadas. Infelizmente, isso não acontece com tanta frequência

3. Better Call Saul

Não é como se já não estivesse claro desde a primeira temporada que Better Call Saul estava em uma trajetória tão certeira quanto Breaking Bad, ou até mais, levando em conta que Vince Gilligan põe a teste a experiência e a ousadia que adquiriu ao longo dos anos com a série matriz. Chegando à reta final, o drama vai se aproximando daquilo que sempre deixou claro que seria — a transformação final de Jimmy McGill naquele Saul Goodman que conhecíamos antes. Mas seria simples demais ficar apenas nisso, e no momento em que entrega o protagonismo nas mãos de Kim Wexler, interpretada com maestria pela excelente Rhea Seehorn, é quase como se estivesse se redimindo com Skyler White (Anna Gunn). Em sua melhor temporada, Better Call Saul arrisca todas as suas fichas e consegue a proeza de se tornar imprevisível mesmo quando o que vem a seguir já está escrito em pedra.

2. Normal People

Normal People é o tipo de série que se esgueira como um gato e, quando percebemos, já tomou um espaço enorme na sua cama ou no seu sofá — isso, no caso do gato. No caso da série, o espaço é no cérebro ou no coração. Através do romance jovem de Connell e Marianne, a atração reflete sobre depressão, dependência emocional e o déficit de comunicação efetiva em qualquer tipo de relação humana, catapultado pelas virtualidades e distanciamentos físicos. Um retrato impresso e exposto de uma geração precocemente impactada pelas tecnologias, Normal People usa o truque mais velho na cartola (fazer a audiência se apaixonar) para escancarar a fragilidade da entrega e a agonia doce e satisfatória que vem quando não sabemos o que vem a seguir — mas continuamos mesmo assim.

1. I May Destroy You

Como um cérebro protege a si mesmo de um evento traumático? Escondendo-o sob camas metafóricas junto a memórias empoeiradas e roupas esquecidas que deveriam ter ido para doação.

I May Destroy You, em toda a sua fragmentação, é Michaela Coel exorcizando seu cérebro deste trauma para limpar este espaço sob a cama e transformá-lo em algo útil. Ao mesmo tempo em que se dobra em si mesma para transformar e controlar o poder de uma memória sobre si, a autora e protagonista se expõe para o mundo e escancara as próprias idiossincrasias e contradições, num processo de cura catártico que tece uma reflexão sobre o quanto as escolhas pessoais de cada um refletem em um espírito coletivo. Sem ter sido concebida para um 2020 desses, a série acaba sendo mais pontual do que jamais poderia ter sido. E, por isso, o ano é dela.

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