segunda-feira, abril 29, 2024

Caçadores de Trolls | Há 5 anos, a aclamada animação de Guillermo del Toro chegava ao fim com uma temporada espetacular

Guillermo del Toro sempre teve a incrível capacidade de criar histórias. Desde suas primeiras investidas no expansivo mundo cinematográfico, percebemos que estaríamos lidando com um nome promissor na indústria criativa – e tal fato se concretizou com algumas obras-primas como O Labirinto do Fauno’Hellboy II – O Exército Dourado’, bem como a estatueta do Oscar que faturou em 2018 por sua narrativa épico-romântica A Forma da Água’. Entretanto, quando Del Toro se volta para o escopo das animações, ele produz joias do entretenimento que nos arrebatam desde os primeiros minutos. E uma dessas é Caçadores de Trolls.

É complicado encontrarmos nos dias de hoje alguma série original que consiga manter o seu ritmo durante um período considerável de tempo – não é à toa que inúmeras produções audiovisuais sejam canceladas após uma única temporada ou antes de conseguirem fechar um ciclo definitivo. Entretanto, a animação exibida pela gigante do streaming Netflix superou todas as expectativas desde sua estreia em 2016 até seu fim há cinco anos, trilhando um caminho em crescendo soberbo e cuja resolução não poderia ser melhor. Talvez o mais fantástico acerca deste show seja a capacidade de pegar uma premissa tão utilizada ao longo da História do cinema – a saturada jornada do herói arquitetada por Joseph Campbell – e atualizá-la para a contemporaneidade com uma mescla aplaudível de drama, aventura, ação e comédia. E mais: evoluir os mesmos princípios que são repaginados há décadas para criar sua própria mitologia sem cair em convencionalismos baratos.

Posso dizer sem qualquer receio que a temporada final é melhor da série – na verdade de uma antologia cujo primeiro capítulo acabou de receber um digno tratamento final. Seja em questões estéticas ou narrativas, Del Toro, melhor que ninguém, abraçou o conturbado e dividido mundo de Arcadia e ousou explorar muito além do que esperávamos. Não é à toa que, ao longo de treze novos episódios, o showrunner conseguiu nos fazer apaixonar mais uma vez pelas incríveis aventuras de Jim Lake Jr. e seus companheiros, além de prestar uma emocionante homenagem em diversos momentos ao falecido Anton Yelchin, que dubla o personagem principal supracitado.

Como podemos imaginar, as coisas em Arcadia mudaram drasticamente desde os eventos que se desenrolaram no ano anterior. Gunmar (Clancy Brown) ressurgiu do Mundo das Sombras e tomou conta do Mercado de Trolls através da ajuda e da traição da Rainha Usurna (Anjelica Huston), cuja personalidade conseguira enganar a todos até que fosse tarde demais. Enquanto isso, a iminente volta da milenar feiticeira Morgana (numa presença agradabilíssima de Lena Headey) começa a se manifestar na jovem Claire (Lexi Medrano), utilizando-a como um receptáculo e transformando-a em um canal para recuperar suas forças para a batalha final.

Desde os primeiros minutos, percebemos que Del Toro, em conjunto com um incrível time de diretores e roteiristas, se apropria a pompa e rigor das inúmeras mitologias que tanto serviram de inspiração para suas obras – e que obviamente deixariam sua marca nesta série. Logo, a própria estilização dos nossos heróis segue um padrão muito conhecido por todos, mas com um diferencial contemporâneo que os tornam um pouco mais diferentes. A mistura do tecnológico com o rudimentar, da ciência com a magia e da racionalidade exacerbada com a emoção psicológica são elementos que aparecem constantemente em cada sequência de imprescindível importância; em outras palavras, cada um das opções cênicas não é feita ao acaso, e sim através de uma minuciosa linha de pensamento que preza pelo novo.

Um dos grandes ápices dessa narrativa é saber exatamente quando e como utilizar suas tramas principais e subtramas. A presença dos episódios filler, se não serve diretamente para respaldar o pano de fundo geral da obra, entra como subsídio para a construção e a evolução da personalidade dos protagonistas, colocando-os em situações que os força a buscar respostas num ciclo epifânico interior e que até mesmo ganha uma palpabilidade cênica com, por exemplo, a dimensão das sombras. Em várias sequências, os nossos heróis mergulham ou são arrastados para um plano no qual enfrentam seus próprios demônios como forma de vencer os obstáculos e se preparem para uma luta muito maior do que podem imaginar.

E é nesse momento que a série faz um bom uso de todos os recursos que nos apresentou: além de um compêndio fabulesco que abandona alguns vícios de linguagem vistos na temporada anterior – como a excessiva retórica de Blinky (Kelsey Grammer) ou a mudez incondicional de Aaarrrgghh!!! (Fred Tatasciore) -, não há preocupação por parte da história em si em poupar algumas belíssimas saídas como forma de mostrar que o que vemos é muito mais profundo do que aparenta. Ou seja, espere sim inúmeros sacrifícios em prol da busca pela justiça e, principalmente, da comoção que se apossa dos heróis para que continuem sua busca e amadureçam – afinal, devemos nos lembrar que os caçadores são apenas adolescentes e devem passar por provações que vão além de seu mundano conhecimento juvenil.

O ápice da temporada vem em dois momentos distintos. O primeiro, profusamente colocado entre os episódios, é o tratamento especial recebido tanto por Jim quanto por Claire e Tobby (Charlie Saxton), este abandonando seu posto exclusivo de escape cômico e emergindo como uma peça essencial para a luta contra as forças das Trevas. O segundo especificamente ocorre no décimo primeiro capítulo, intitulado Uma Casa Dividida”, em que Jim faz o sacrifício final para conseguir salvar aqueles que ama e que julgou proteger. Apesar dessa decisão ocorrer nos cinco minutos finais do episódio, toda a atmosfera é construída de forma delicada, sutil, afastando-se de quaisquer métodos convencionais para mostrar que o protagonista na verdade mantém-se em uma inescapável trajetória de entrega perpétua – e que essa entrega nem mesmo garante aquilo pelo que mais preza: justiça.

E se citamos Morgana, é quase óbvio não pensar no memorável mago Merlin (David Bradley). Entretanto, aqui o icônico personagem, relido inúmeras vezes para as telinhas e as telonas, recebe um tratamento mais despojado – apesar de sua intrínseca solenidade – e mais humorado que o torna tão humanos ou “humanizados” quanto os outros. Tal fator é essencial para mostrar os seus defeitos e suas falhas ao longo da vida, incluindo uma tão decisiva que chega a ser difícil não pegar raiva do que ele é capaz para alcançar seus objetivos.

Não deixe de assistir:

A terceira e última temporada de Caçadores de Trolls’ beira a perfeição. Sua estética detalhadamente bem pensada e sua envolvente história apenas teve mais a acrescentar para o cosmos criado por Del Toro; e ainda que os momentos finais tenham nos deixado de olhos mareados, não temos com o que nos preocupar: a série deixa bem claro que a batalha final de Arcadia na verdade foi só o princípio.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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