No próximo dia 22 de março, a HBO continua a investir em sua programação original e vai lançar a nova série nacional intitulada ‘Todxs Nós’ – e, bom, se você já se deparou com a utilização do pronome neutro x em algumas palavras, pode imaginar qual será o tema principal da produção.
Criada por Vera Egito (‘Amores Urbanos’) e Daniel Ribeiro, colaboradores de longa data, o show gira em torno de Rafa (Clara Gallo), jovem de dezoito anos que sai da pequena e retrógrada cidade de Botucatu e vai para São Paulo morar com seu primo, Vini (Kelner Macêdo). Mas isso não é tudo: Rafa recentemente se assumiu como pansexual e não-binárie e, ao mudar-se para uma das maiores metrópoles do mundo, busca encontrar-se na selva de pedra e seguir seu caminho – ainda que seja condicionada pelas mentes mais fechadas a isolar-se num único rótulo.
Como já fica claro pelo tema explorado (e pela presença de um elenco e de uma equipe majoritariamente queer), sabe-se que o foco é a comunidade LGBTQ+ e a exploração das diversas nuances de gênero, de orientação sexual e de identidade cultural. Mais do que isso, o episódio piloto mostra que ainda é possível mesclar a necessária militância (ainda mais na sociedade em que vivemos) com a dose certa de comédia e de drama sem perder a principal e didática mensagem que é cultivada desde os primeiros minutos.
“A ideia surgiu depois de uma conversa aqui na HBO, que estava buscando um projeto que retratasse uma juventude, jovens vivendo em São Paulo e aí depois desse impulso, pensei nesses três amigos que vivessem [na cidade] e que vivessem aqui suas questões amorosas e já pensei que uma dessas pessoas poderia ser não-binária”, Egito contou em uma coletiva de imprensa promovida pela emissora. “Chamei o Dani para desenvolver e criar esse personagem […] e desenvolvemos essa bíblia juntos e aí surgiu Rafa. Não digo que o tema da diversidade surgiu com a série, porque essa é a nossa vida: mulheres, homens, gays, lésbicas, negros, negras, não consigo ver esses personagens como um tema; eles são pessoas e é muito natural, para mim e para o Dani, falar sobre elas”.
O espectro não-binário da comunidade LGBTQ+ ainda é pouca explorada na indústria do entretenimento e faz parte de uma parcela minúscula da representatividade nas telinhas e telonas – com breves exceções com a recém-lançada ‘Pose’, que fez história ao trazer o maior elenco transexual e fora do eixo cisnormativo de todos os tempos.
“A existência não-binária te leva a uma reflexão sobre o que é ser mulher; por que tem que ser uma coisa ou outra”, ela continua. “E eu mesma entrei numa reflexão sobre por que eu me defino como mulher. O que é isso? E foi a partir desse contato, muito forte e muito revolucionário. Fiquei com isso na cabeça, de que essa existência precisava reverberar”.
Mesmo antes de sua estreia oficial, o show já causou certas polêmicas devido ao uso da desinência de neutralidade x, a qual, conforme algumas vertentes do grupo queer, é inviável no tocante aos não-binários e não é imediatamente reconhecível por todo mundo (como os LGBTQs com deficiência visual), sendo preferível a escrita com e. Entretanto, Egito e sua equipe fizeram testes iniciais com dezenas de pessoas representados na produção e a utilização do x foi acatada com 100% de compreensão.
“Três anos atrás, o projeto já se chamava ‘Todxs Nós’ e naquele momento o x era amplamente aceito, mas as coisas mudaram, daqui dois anos talvez o e seja banido também. Mas o x representa uma incógnita; a ideia é que nesse lugar onde está o x, poderia estar qualquer letra. Que letra é essa que representa as pessoas?”, Egito explica. “Houve um debate interno e concluímos que graficamente – e de uma maneira mais ampla, para pessoas que nunca tiveram contato antes -, talvez veja o x e fale: ‘mas por que esse x?’. A gente fez testes com os leitores cegos e eles já conseguem ler dessa forma”.
Juliana Gerais e Gilda Nomacce também fazem parte do elenco como Maia e Inês, respectivamente.