UM TERROR DE MAL-ESTAR
Dizer que o porta voz de um Templo Satânico dos EUA disse que o filme era “uma impressionante apresentação da visão Satânica”, ou que grupos de cultores do satanismo estando organizando exibições especiais dele, ou ainda que, ao final da sua sessão na 39ª Mostra de Cinema de São Paulo, no ano passado, era perceptível certo mal-estar entre os espectadores na sala na eu qual estava, só aumentam as expectativas em torno do primeiro longo do diretor Robert Eggers. Mas, não vão esperando de A Bruxa (The VVitch: A New-England Folktale) aquele tradicional terror jumpscares. Aqui, não há sustinhos que te fazem pular da cadeira para, em seguida, dar aquela risadinha 1% vagabunda. A Bruxa não quer sustos fáceis. Fundindo as vertentes do terror psicológico e do terror sobrenatural, Robert Eggers nos entrega uma obra que, mesmo após os créditos finais, não abandona o espectador.
A Bruxa tem fundamentos em histórias reais. Não!, não estou falando de algum caso bizarro de algum vídeo do YouTube, nem daquela corrente que a sua mãe te marcou no Face. Falo da histeria coletiva que assomou os Estados Unidos colonial, no século XVII, culminando com o famoso caso das Bruxas de Salem. Por conta do fanatismo religioso, pessoas foram queimadas em fogueiras, em sua maioria mulheres.
Robert Eggers passou 4 anos pesquisando sobre o tema. O resultado é uma reconstituição de época assombrosamente realista – para construir a casa, foram usadas ferramentas similares às da época. Contudo, é o clima asfixiante que realmente marca o filme. Nele, acompanhamos um casal, com seus cinco filhos, sendo expulso de uma comunidade e indo morar nos arredores de uma floresta. Tudo fica mais tenso quando Sam, o bebê do casal, some, sem explicações. A espiral de eventos estranhos só crescerá ao longo da projeção. Em pouco tempo, Thomasin (Anya Taylor-Joy), a filha mais velha, será acusada de bruxaria.
Muito do clima asfixiante do filme do sentimento de angustia de Thomasin diante das acusações de sua família. Aproveito para deixar claro que A Bruxa possui um andamento lento, especialmente no seu começo. E, também devagar, o filme transita do terror psicológico para o sobrenatural. A combinação de uma direção de artes profundamente realista com a histeria que domina a família, colocam o espectador em dúvida e tomando partido de Thomasin. Quando os eventos sobrenaturais começam a se manifestar, já estamos tão encolhidos em nossas poltronas que muitos não terão coragem de dar pulos de sustos.
Como todo bom terror, A Bruxa carrega nas metáforas e mensagens sobre os mais empoeirados recantos da alma humana. O mais evidente é a exposição da situação da mulher, naquele tempo – em alguma medida, quase um registro documental – o que também funciona como uma metáfora da repressão contra a mulher. Porém, habilmente, o diretor não se limita, cuidando tanto de demonstrar que o elemento de fanatismo era muito forte, quanto deixando pontas soltas para outras metáforas.
Essa abertura, esse não definido, não fazem apenas da história de Thomasin uma incógnita. O próprio filme acaba por se tornar uma provocativa interrogação. Não porque a história não vá ter um desfecho. Mas, justamente pelo seu final, A Bruxa inquieta. Assim como o diretor de fotografia – que se aproveitou da luz natural – vai, paulatinamente escurecendo o filme, consumindo a tela e as almas daquela família com um negrume, a tranquilidade do espectador também é consumida.
Repito, A Bruxa não é um filme de sustos. Possivelmente, os habitues dos filmes de terror não sintam nem medo. O que Robert Eggers entrega é uma obra sensorial, que nos faz sair da sessão com um mal-estar. Neste ponto, o filme insere-se na galeria dos trabalhos que vem renovando o terror, como The Babadook e Corrente do Mal (It Follows). Quem curte apenas os filmes de terror mais pipoca, certamente achará este uma obra sem graça. Contudo, àqueles que entendem o terror como o gênero da exploração das nossas angústias mais profundas, terá em A Bruxa uma má companhia de alta qualidade.
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