quinta-feira , 26 dezembro , 2024

Crítica 2 | Turma da Mônica: Laços – Daniel Rezende e sua carta de amor a Mauricio de Sousa

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A partir da década de 1960, o isabelense Mauricio de Sousa criava os maiores ícones da cultura pop brasileira, intitulados como ‘Turma da Mônica’. Os infantes personagens do Bairro do Limoeiro, desde então, passaram por diversas transformações e atravessaram inúmeras gerações – mantendo-se vivos na memória de praticamente todos até os dias de hoje. Não é surpresa, pois, com a massiva popularidade que a série de quadrinhos recebeu, que ‘Turma da Mônica: Laços, o primeiro live-action do grupo de irreverentes e divertidos jovens nos cinemas, tenha se tornado um dos filmes mais aguardados desde seu anúncio e confirmação em 2017. E o resultado não poderia ser outro além de incrível e emocionante.

A história, baseada na aclamada graphic novel homônima dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, mergulha fundo nas relações de amizade entre os quatro protagonistas já bastante conhecidos pelos fãs sem abrir mão da inocência que Sousa sempre colocou em suas infinitas narrativas. Aqui, Floquinho, o cachorro de Cebolinha (Kevin Vechiatto), é sequestrado por um homem misterioso e, como já é de se esperar, não leva muito tempo para que a turminha se una e parta numa jornada para trazê-lo de volta para casa. Entretanto, não se enganem: a sensação simplista da premissa em questão é apenas passageira, cultivando um terreno amplo para que outros temas também sejam colocados em primeiro plano.



O longa-metragem poderia muito bem ceder aos convencionalismos do gênero infantil e aventuresco, mas passa muito longe disso pela habilidade única do storytelling que o diretor Daniel Rezende abraça com vontade. Rezende, conhecido pelos ovacionados Cidade de Deus e Bingo – O Rei das Manhãs, retorna em belíssima forma com composições cênicas que vão além de superposições baratas e mal formuladas: cada uma das sequências é visível e milimetricamente construída de modo a não cativar apenas as crianças, e sim a atingir um público mais velho. O que está em xeque é o sucesso ou não em se manter fiel ao material original e resgatar uma sinestesia nostálgica – coisa que, sem dúvida alguma, o cineasta faz com gosto e motivação.

É interessante analisar que o longa carrega consigo uma essência noventista deliciosamente bem aproveitada: afinal, é automático nos recordarmos das peripécias de Os Goonies ou Conta Comigo; não é surpresa, pois, que os nossos heróis sejam transpostos para um envolvente coming-of-age, lidando com seus fantasmas ou obstáculos interiores em prol da coletividade. De fato, algumas mensagens caem em fórmulas redundantes – como, por exemplo, quando Magali (Laura Rauseo) passa por uma prova de fogo envolvendo sua fome incontrolável, ou quando Cascão (Gabriel Moreira) se vê frente a frente com sua arqui-inimiga (a água). Porém, Cebolinha e Mônica (Giulia Benite) protagonizam as subtramas menos elucidativas e mais alegóricas, acrescentando uma sempre bem-vinda complexidade à obra.

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Aliás, faz-se digno de nota a química que o elenco-mirim nutre entre si. Os quatro permanecem lado a lado com suas representações originais e, ao mesmo tempo, imprimem as próprias leituras dos personagens. É claro, inclusive, perceber como cada um encontra seu eu mais bem resolvido e mais amadurecido após passarem por tantas coisas juntas. Benite, por exemplo, encontra uma vertente menos maniqueísta para interpretar Mônica e acata uma personalidade mais branda e sensível que está cansada de brigar pelas mesmas coisas com Cebolinha. Vechiatto, por sua vez, traz certos tiques nervosos que ganham voz nos momentos de maior tensão – o crispar da boca ou o olhar hesitante.

Rezende demonstra que é um fã assim como nós ao inserir diversas referências ao próprio universo criado por Mauricio. Em outras palavras, o diretor não foca apenas no quarteto, como também aproveita os melhores momentos para discriminar rostos como Titi, Aninha, Xaveco, Maria Cebolinha, Seu Juca, Jeremias e tantos outros. Até mesmo o pai de todos esses personagens faz um pequeno cameo – não é surpresa que tenha sido equiparado a Stan Lee e suas hilárias aparições. De qualquer forma, o lado humanizado das mentes por trás dessa produção é também um elemento necessário para garantir que cada um dos espectadores se conecte de alguma forma com o que está sendo transmitido nas telonas.

O longa é obviamente uma adaptação em live-action, mas não perde chance de colocar algumas pinceladas cartunescas, seja dos quadrinhos infantis, seja da graphic supracitada. Aqui, há espaço o suficiente para que a paleta de cores se afaste dos comuns tons pastéis e aproveite as fortes tonalidades que marcam as personas e para que a fotografia reflita a interioridade e a atmosfera de cada um dos acontecimentos – sejam reviravoltas, momentos de tensão ou as resoluções à la contos de fada. Porém, é inegável dizer que o jogo de luz por vezes se restrinja a uma zona de conforto desnecessariamente autoexplicativa (as epifanias traduzidas pela marcante presença do sol, por exemplo).

Monica Iozzi, Paulo VilhenaFafá Rennó também marcam presença como os pais dos nossos amados protagonistas, mas é Rodrigo Santoro quem rouba completamente a cena ao encarnar Licurgo Orival Umbelino Casfiaspirino de Oliveira, mais conhecido como o Louco. Presente em diversas histórias protagonizadas por Cebolinha, aqui o jovem garoto cruza caminho com a ensandecida figura e percebe nele o primeiro passo para deixar de lado sua egolatria descomunal e perceber que precisa trabalhar em conjunto para salvar Floquinho e, eventualmente, desmascarar a podridão que se esconde por entre as árvores da floresta. A cena talvez seja o momento de maior carga dramática, fragmentada pelo diálogo surreal do Louco.

Laços pode até ser um filme voltado para as crianças, mas sem dúvida entrega muito mais do que o prometido. Em meio a uma contemporânea nostalgia, Daniel Rezende cativa mais uma vez seu público e entrega uma pequena pérola cinematográfica, homenageando um dos maiores ícones da cultura pop brasileira de forma emocionante e aprazível.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Crítica 2 | Turma da Mônica: Laços – Daniel Rezende e sua carta de amor a Mauricio de Sousa

A partir da década de 1960, o isabelense Mauricio de Sousa criava os maiores ícones da cultura pop brasileira, intitulados como ‘Turma da Mônica’. Os infantes personagens do Bairro do Limoeiro, desde então, passaram por diversas transformações e atravessaram inúmeras gerações – mantendo-se vivos na memória de praticamente todos até os dias de hoje. Não é surpresa, pois, com a massiva popularidade que a série de quadrinhos recebeu, que ‘Turma da Mônica: Laços, o primeiro live-action do grupo de irreverentes e divertidos jovens nos cinemas, tenha se tornado um dos filmes mais aguardados desde seu anúncio e confirmação em 2017. E o resultado não poderia ser outro além de incrível e emocionante.

A história, baseada na aclamada graphic novel homônima dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, mergulha fundo nas relações de amizade entre os quatro protagonistas já bastante conhecidos pelos fãs sem abrir mão da inocência que Sousa sempre colocou em suas infinitas narrativas. Aqui, Floquinho, o cachorro de Cebolinha (Kevin Vechiatto), é sequestrado por um homem misterioso e, como já é de se esperar, não leva muito tempo para que a turminha se una e parta numa jornada para trazê-lo de volta para casa. Entretanto, não se enganem: a sensação simplista da premissa em questão é apenas passageira, cultivando um terreno amplo para que outros temas também sejam colocados em primeiro plano.

O longa-metragem poderia muito bem ceder aos convencionalismos do gênero infantil e aventuresco, mas passa muito longe disso pela habilidade única do storytelling que o diretor Daniel Rezende abraça com vontade. Rezende, conhecido pelos ovacionados Cidade de Deus e Bingo – O Rei das Manhãs, retorna em belíssima forma com composições cênicas que vão além de superposições baratas e mal formuladas: cada uma das sequências é visível e milimetricamente construída de modo a não cativar apenas as crianças, e sim a atingir um público mais velho. O que está em xeque é o sucesso ou não em se manter fiel ao material original e resgatar uma sinestesia nostálgica – coisa que, sem dúvida alguma, o cineasta faz com gosto e motivação.

É interessante analisar que o longa carrega consigo uma essência noventista deliciosamente bem aproveitada: afinal, é automático nos recordarmos das peripécias de Os Goonies ou Conta Comigo; não é surpresa, pois, que os nossos heróis sejam transpostos para um envolvente coming-of-age, lidando com seus fantasmas ou obstáculos interiores em prol da coletividade. De fato, algumas mensagens caem em fórmulas redundantes – como, por exemplo, quando Magali (Laura Rauseo) passa por uma prova de fogo envolvendo sua fome incontrolável, ou quando Cascão (Gabriel Moreira) se vê frente a frente com sua arqui-inimiga (a água). Porém, Cebolinha e Mônica (Giulia Benite) protagonizam as subtramas menos elucidativas e mais alegóricas, acrescentando uma sempre bem-vinda complexidade à obra.

Aliás, faz-se digno de nota a química que o elenco-mirim nutre entre si. Os quatro permanecem lado a lado com suas representações originais e, ao mesmo tempo, imprimem as próprias leituras dos personagens. É claro, inclusive, perceber como cada um encontra seu eu mais bem resolvido e mais amadurecido após passarem por tantas coisas juntas. Benite, por exemplo, encontra uma vertente menos maniqueísta para interpretar Mônica e acata uma personalidade mais branda e sensível que está cansada de brigar pelas mesmas coisas com Cebolinha. Vechiatto, por sua vez, traz certos tiques nervosos que ganham voz nos momentos de maior tensão – o crispar da boca ou o olhar hesitante.

Rezende demonstra que é um fã assim como nós ao inserir diversas referências ao próprio universo criado por Mauricio. Em outras palavras, o diretor não foca apenas no quarteto, como também aproveita os melhores momentos para discriminar rostos como Titi, Aninha, Xaveco, Maria Cebolinha, Seu Juca, Jeremias e tantos outros. Até mesmo o pai de todos esses personagens faz um pequeno cameo – não é surpresa que tenha sido equiparado a Stan Lee e suas hilárias aparições. De qualquer forma, o lado humanizado das mentes por trás dessa produção é também um elemento necessário para garantir que cada um dos espectadores se conecte de alguma forma com o que está sendo transmitido nas telonas.

O longa é obviamente uma adaptação em live-action, mas não perde chance de colocar algumas pinceladas cartunescas, seja dos quadrinhos infantis, seja da graphic supracitada. Aqui, há espaço o suficiente para que a paleta de cores se afaste dos comuns tons pastéis e aproveite as fortes tonalidades que marcam as personas e para que a fotografia reflita a interioridade e a atmosfera de cada um dos acontecimentos – sejam reviravoltas, momentos de tensão ou as resoluções à la contos de fada. Porém, é inegável dizer que o jogo de luz por vezes se restrinja a uma zona de conforto desnecessariamente autoexplicativa (as epifanias traduzidas pela marcante presença do sol, por exemplo).

Monica Iozzi, Paulo VilhenaFafá Rennó também marcam presença como os pais dos nossos amados protagonistas, mas é Rodrigo Santoro quem rouba completamente a cena ao encarnar Licurgo Orival Umbelino Casfiaspirino de Oliveira, mais conhecido como o Louco. Presente em diversas histórias protagonizadas por Cebolinha, aqui o jovem garoto cruza caminho com a ensandecida figura e percebe nele o primeiro passo para deixar de lado sua egolatria descomunal e perceber que precisa trabalhar em conjunto para salvar Floquinho e, eventualmente, desmascarar a podridão que se esconde por entre as árvores da floresta. A cena talvez seja o momento de maior carga dramática, fragmentada pelo diálogo surreal do Louco.

Laços pode até ser um filme voltado para as crianças, mas sem dúvida entrega muito mais do que o prometido. Em meio a uma contemporânea nostalgia, Daniel Rezende cativa mais uma vez seu público e entrega uma pequena pérola cinematográfica, homenageando um dos maiores ícones da cultura pop brasileira de forma emocionante e aprazível.

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