quarta-feira, maio 8, 2024

Crítica | ‘A Grande Dama do Cinema’ – Humor Ácido e Mordaz num Suspense ao Melhor Estilo Campanella

Mara Ordaz (Graciela Borges, excelente no papel) foi uma grande estrela do cinema na juventude. Foi, não é mais. Hoje ela mora num casarão isolado e decadente no interior da Grande Buenos Aires, longe dos holofotes e do agito da cidade grande. Junto com ela, o marido, Pedro (Luis Brandoni, convincente como um marido que sabe de tudo por último, seja pela sua inocência, seja porque está entrevado numa cadeira de rodas), que igualmente já foi ator e chegou a contracenar com a esposa, mas logo descobrimos que alguma mágoa no passado o afastou da profissão. E, para a surpresa do espectador, também moram ali Norberto (Oscar Martinez) e Martín (Marcos Mundstock), diretor e roteirista dos filmes de Mara.

O resultado da convivência longeva desses quatro personagens que mal saem de casa é uma troca constante de insultos carinhosos, acusações, xingamentos e por aí vai. Tudo porque os quatro são orgulhosos demais para admitir que se gostam e se importam uns com os outros, logo, são incapazes de baixar a guarda, e por isso atacam de todas as maneiras irritantemente possíveis. A química dos quatro atores está tão afiada que chegamos a duvidar se os diálogos do roteiro ácido de Juan José Campanella (que levou o Oscar por ‘O Segredo dos seus Olhos’, em 2009) foram realmente escritos por ele, que também dirigiu o filme, ou se os atores entraram tanto em seus papéis, que deixaram aflorar seus medos mais obscuros. Sério, atingir esse nível de afinação com um elenco é algo raro no cinema.

A vida desses quatro está tranquilamente bem, ao ponto de brindarem o fato de terem chegado a essa idade e nunca lhes haver ocorrido nada, porque nenhum vilão jamais atrapalhou a amizade deles. Até então, já que é exatamente neste ponto que um carro muito suspeito entra em cena, e começa o suspense do longa, que é reforçado pela fotografia e pelo posicionamento de câmera que parece estar sempre à espreita, espiando o que os personagens estão fazendo.

Os 123 minutos do longa são conduzidos com primor por este elenco veterano e pelos jovens Bárbara (Clara Lago) e Francisco (Nicolás Francella), que ajudam a fazer o contraponto juventude sagaz X velhos idiotas, mas que também pode ser encarada como juventude orgulhosa e ambiciosa X idosos experientes e prudentes. Seis personagens, nada mais, e o longa tem apenas três locações, passando-se majoritariamente nas dependências da casa. Essa é a outra maestria de Campanella: fazer um filme de baixo orçamento e se calcar inteiramente na competência de seus atores, que conduzem a história através de um carrossel de emoções sórdidas e humanas.

Voltemos à casa. Ela é o reflexo de seus moradores e é o foco central da trama. Um casarão enorme, decadente, precisando de reformas, com uma decoração cafona, exagerada, onde passeiam ratos e gambás, mas que, mesmo assim, mantém seu glamour, sua aura de um dia ter sido grandiosa. Além de espelhar a vida de Mara, também serve como metáfora para o próprio cinema, que um dia já viveu a Era de Ouro de Hollywood, mas que hoje tenta sobreviver às incursões das plataformas de streaming.

Em seu novo filme, Campanella faz uma metalinguagem com o cinema, usando personagens da indústria para discutir o seu ofício, ao ponto de Norberto, o diretor, ao tentar fazer Bárbara entender o que é um diretor, defini-lo como “um sujeito que não carrega peso, não faz café, ou seja, não faz nada”, ou dos próprios personagens reclamarem do “final de merda” que estão prestes a encenar. Com uma belíssima trilha sonora dos anos 1960, ‘A Grande Dama do Cinema’ é uma aula de atuação, de roteiro a la Nazaré Tedesco e de direção passional. Genial!

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