Sejamos sinceros: quantos filmes de terror israelense a gente já viu? Com direção, produção e elenco israelense, e ainda por cima falado em hebraico? E cuja história tenha a ver com a tradição desse povo, tão distante de nós, aqui no Brasil?
Em ‘A Lenda do Golem’ a história se passa numa vila judaica no século XIX, onde os moradores vivem tranquilamente, a despeito dos seus vizinhos cristãos, que estão sendo consumidos pela peste. Isso desperta a inveja do outro povo, que, cegos pelo desespero, invadem a vila judaica para tirar satisfação, e ameaçam: se não pararem de jogar praga neles, serão todos dizimados.
Com um sentimento de impotência – afinal, como provar que não são culpados por aquela desgraça? – Hanna (Hani Furstenberg, firme no papel de uma mulher de fibra) sugere que a comunidade invoque um Golem para lhes proteger, porém, os homens e o rabino riem de sua inocência, afinal, onde já se viu uma mulher mencionar a Cabala? Hanna, no entanto, não é como qualquer mulher do século XIX: ela é estudada, inteligente e decidida, então, a despeito do que os homens falam, ela mesma invoca um Golem – que retorna no corpo de um menino coberto de lama.
A direção de Doron Paz e Yoav Paz garante um drama que gradativamente se transforma em suspense até culminar nas cenas de terror no terceiro ato, deixando em evidência a tradição judaica nos momentos bons e ruins da trama – seja celebrando um casamento, seja explicando os perigos da Cabala e a tradição mística de Merkabah, o Trono de Deus que pode subir ou descer. O roteiro consciente da necessidade de exportar o filme para outros países se preocupa em explicar todos os pontos cruciais da cultura judaica, de modo que a trama fique totalmente compreensível para o mercado ocidental.
Todo o elenco – Ishai Golam (Benjamin, o marido de Hanna), Lenny Ravich (Horrovits), Alex Tritenko (Vladimir), etc – consegue passar a angústia de se viver ameaçado por forças diversas, e o equilíbrio desse grupo é fundamental para a boa recepção de uma trama desconhecida ao público acostumado aos exageros hollywoodianos. Entretanto, é o menino Konstantin Anikienko que é o mais bizarro de todos, assustando mesmo sem dizer uma palavra sequer o filme todo. A isso damos o nome de talento.
Se nada disso ainda for suficiente para atiçar sua curiosidade, há ainda o fator de que ‘A Lenda do Golem’ é um filme de baixo orçamento, sem pretensões e que se destaca na força da atuação de um elenco afinado e de uma trama com fundo histórico-cultural desconhecido da maioria. São uma hora e trinta e cinco minutos que vão te fazer querer descobrir mais sobre as histórias ocultas da Cabala judaica.