As agruras da vida no ambiente de trabalho e as pressões ligadas ao desejo de pertencimento fazem da vida de Nella uma jornada turbulenta em A Outra Garota Negra. Disputando seu espaço dentro de uma aclamada editoria de livros, ela tenta desbravar um território um tanto inóspito, a fim de se tornar a segunda editora preta da prestigiada Wagner Books. Mas em meio à dilemas existenciais e o peso das expectativas alheias para se encaixar em padrões, a sonhadora jovem se verá presa em um labirinto de manipulações, compulsividade e horrores capazes de causar calafrios nos profissionais mais confiantes e serenos. E disputando seu espaço com uma nova e misteriosa colega concorrente, ela logo descobrirá que conquistar seu lugar pode se tornar uma aventura muito mais horripilante e escabrosa.
Zakiya Dalila Harris e Rashida Jones emulam os dissabores do ambiente profissional com uma perspicácia impressionante em A Outra Garota Negra. Se apoiando em um formato televisivo muito mais popular em Hollywood nos anos 90 e 2000 – o subgênero de office shows (programas ambientados dentro do escritório) – elas trazem um toque diferente ao adaptar o modelo popular entre sitcoms para algo que flerte mais com o terror e o suspense. Na arquitetura da produção, a comédia assume um papel mais inusitado, como um suspiro entre cenas que se conecta ao universo sombrio e sobrenatural de toda a trama.
Brincando com suas personagens em uma espécie de corrida de gato e rato, a adaptação da obra homônima de Zakiya é um deleite para os fãs de títulos originais, ávidos por produções mais ousadas e menos quadradas. Abordando aspectos socioculturais com pontualidade – ainda que vez outra peque por pesar a mão em questões identitárias e de gênero -, A Outra Garota Negra nos conquista por não se levar tão a sério. Com coadjuvantes que ajudam a equilibrar o nível de tensão constante entre os protagonistas, a original Star+ (exibida nos EUA pela Hulu) ainda exala o mesmo aroma das obras de Justin Simien e rapidamente nos remete ao mesmo nível de sarcasmo e acidez tão valiosos presentes no filme cult Bad Hair: A Maldição, também pertencente à Star+.
E por também flertar com o cinema do início dos anos 90, trazendo referências estilísticas e até mesmo de roteiro de clássicos como A Firma (1993), a série consegue se destacar ainda mais, unindo aspectos conceituais a uma fórmula mais POP capaz de agradar gregos e troianos. Com episódios dinâmicos e céleres, cujos arcos se desdobram em menos de 30 minutos, a original Star+ ainda consegue expandir bem seus tentáculos narrativos sem ser prolixa, enfadonha e cansativa. Certa de que o ritmo televisivo e o tempo de tela caminham em direções completamente opostas em relação ao formato literário, Zakiya co-produz A Outra Garota Negra com discernimento e sabedoria, mesmo sendo tão nova nesse universo.
Trazendo atores mais desconhecidos, a série de suspense ainda tira proveito dos famosos tropos hollywoodianos e os transforma em elementos cômicos propositais dentro da trama. Aqui, da melhor amiga que faz “cover” de sidekick ao namorado caucasiano atencioso, mas desligado, todos os personagens flertam – de um jeito ou de outro – com o espectro dos estereótipos. E o que poderia acabar sendo um ponto negativo, acaba se tornando um trunfo na produção – graças ao roteiro afiado e bem executado tanto pela direção, bem como pelo elenco.
E nos deixando à deriva com um final de temporada eletrizante, mas nada conclusivo, A Outra Garota Negra chega à grade de programação da Star+ de mansinho, sem fazer muito alarde, mas com uma excelente proposta em mãos. Com Sinclair Daniel habilmente liderando o restante dos atores (Ashleigh Murray, Brittany Adebumola, Hunter Parrish e Eric McCormack), a produção sabe construir uma ótima sátira do ambiente corporativo, sem medo de mergulhar no terror sobrenatural, ainda que isso a torne uma caricatura dentro do gênero. Bem-humorada o bastante para te divertir e séria em seus questionamentos sociorraciais, a série faz da paranoia uma ambiciosa e deliciosa experiência.