Filme assistido durante o Festival de Sundance 2022
Entre o fim da juventude e o início da vida adulta existe um limbo onde dúvidas, inconstâncias, questionamentos e incoerências superabundam. E entre a energia frenética dos 20 poucos anos e a melancolia natural que acompanha a chegada dos 30, existe A Pior Pessoa do Mundo, a surpreendente e inesperada comédia romântica norueguesa de Joachim Trier – que subverte o gênero com um toque dramático cirúrgico sobre as crises existenciais da vida, que nós já deveríamos ter resolvido há muitos anos atrás.
Julie (Renata Reinsve) não é a heroína que você espera no gênero. Inconstante e sempre confusa, ela navega por seus relacionamentos como alguém que não sabe o que esperar de seus parceiros, muito menos de si mesma. Quase coadjuvante de sua história, ela é a culminação de suas próprias decisões ruins. E ao longo de quatro anos, Trier e o roteirista Eskil Vogt nos levam pelas turbulentas águas de sua vida. Navegando sem propósito e fruto de decisões tomadas sempre ao acaso, a protagonista é aqui uma antagonista em sua própria trajetória.
E suas escolhas a tornam difícil de digerir para a audiência, o que de antemão parece problemático. Como telespectadores que possuem a visão macro, observamos A Pior Pessoa do Mundo como sendo a definição completa do seu título homônimo. E como alguém que tenta nos convencer a todo tempo a seguir adiante com a trama, Trier entrega essa comédia romântica inicialmente desconfortável, que gradativamente conquista os nossos corações, nos fazendo enxergar em Julie um pouco de nós.
Aqui, ela enfrenta a crise dos 30 sem precisar assim denominá-la. E conforme Renata Reinsve se desabrocha em tela como essa desagradável, mas compreensível protagonista, percebemos também que a pressão constante de sermos os heróis e heroínas é sim um tanto pesada. Infelizmente, não é sempre que temos tudo resolvido e é tal indecisão constante que faz de Julie alguém com quem – gradativamente – conseguimos nos afeiçoar. E ao lado dela, Aksel (Anders Danielsen Lie) e Eivind (Herbert Nordrum) são o outro lado da moeda, como dois homens que por amarem Julie se tornam também efeitos colaterais de suas atitudes.
Lindamente dirigido e com uma das cenas mais memoráveis da história recente do cinema, A Pior Pessoa do Mundo consegue recriar algumas sensações íntimas que todos nós um dia sentimos ao se apaixonar por alguém. Muito mais do que aparenta ser, a comédia dramática é uma melancólica jornada de autodescoberta, que explora as incertezas da vida, à medida que nos surpreende com suas doces reflexões sobre a preciosidade do tempo. Existencial e divertido, A Pior Pessoa do Mundo encerra a Trilogia Oslo de Joachim Trier como uma carta sobre amor, perda e sobre o quão difícil é aceitar a pior pessoa que talvez você venha a conhecer: você mesmo.