sábado, abril 27, 2024

Crítica | “Air: A História por trás do Logo” é um dos melhores filmes do ano

Anualmente, Hollywood lança filmes que você se recusa a acreditar que existem. E esse parecia o caso de Air: A História por trás do Logo. Fui chamado para conferir o longa na sessão de pré-estreia, que conta com a presença de convidados que não trabalham com cinema, e a reação das pessoas, que não sabiam do que se tratava o filme, foi unânime ao descobrirem que a história era sobre a criação de um tênis: “Peraí, não é sobre avião, é sobre um sapato?”. Ao fim da sessão, a confusão logo deu lugar aos aplausos do público, que havia se encantado com os dramas e desafios da Nike para convencer o lendário Michael Jordan a assinar com eles e criar o icônico Air Jordan, que bate recordes de vendas todos os anos e segue como um dos modelos clássicos da empresa até os dias de hoje. Pois é, esse filme é a prova de que Hollywood pode fazer um drama até mesmo sobre um carrinho de supermercado e ainda assim é capaz de sair algo bom.

Escrito por Alex Convery e dirigido por Ben Affleck, que também atua na produção, o filme é ambientado nos EUA de 1984, numa época em que a NBA ainda dava passos para deixar de ser uma liga marginalizada e se tornar o fenômeno que é hoje. Naqueles tempos, a Adidas dominava o mercado por ser também um ícone da moda que atraía os jovens, e rivalizava com a Converse, patrocinadora oficial dos tênis da Liga. Enquanto isso, a Nike corria por fora, patrocinando principalmente ícones do atletismo e do tênis, o que tinha seu valor, embora não fosse nem perto de ser o suficiente para estabilizar a marca como uma das principais. Afinal, o público de tênis era muito segmentado e o atletismo só conseguia destaque a cada quatro anos, com os jogos olímpicos. Assim, o longa acompanha Sonny Vaccaro (Matt Damon), um scout esportivo que foi contratado para chefiar o setor de basquete da Nike, visando encontrar os rostos ideais na NBA para representarem a marca.

No entanto, a fornecedora de materiais esportivos vivia uma crise e não teria como chamar um atleta de peso, restando apenas jogadores de nível mediano ou repleto de polêmicas fora das quadras. Neste cenário, Sonny decide apostar tudo na revelação Michael Jordan, que ainda não era um astro, mas já exibia valores, como determinação e aspiração à grandeza, que o rapaz acreditava serem o suficiente para alavancar a Nike ao estrelato. Dessa forma, o longa segue suas artimanhas para tentar convencer o chefe da marca a abraçar sua ideia maluca e eventualmente revolucionar para sempre o mercado esportivo mundial.

Antes de tudo, é preciso dizer que a direção do longa se apoia completamente na nostalgia, e se você não embarcar nisso, talvez não curta tanto a história. Isso porque Affleck aposta em montagens rápidas superexpositivas de produtos e marcas típicas da década de 1980. Então não estranhe se você sair da sessão querendo comprar uma câmera da Kodak, ouvindo um Walkman da Sony, enquanto toma uma Pepsi retrô com seu All Star. Sim, a exposição das marcas é nesse nível, praticamente te forçando a entrar no clima dos anos 80, que vai acabar abraçando seu subconsciente por osmose. São vários takes exclusivamente voltados para as marcas da época. Essa opção da direção certamente será efetiva nos EUA, mas talvez não funcione tão bem por aqui, já que nem todas as logos expostas integraram o cotidiano brasileiro naquele tempo, o que torna difícil de comprar uma nostalgia não vivida. Dito isso, é minha única crítica “negativa” ao filme.

Outra nostalgia, talvez não intencional, abraçou a década de 1990 com o ressurgimento triunfal de Chris Tucker. O ator e comediante que fez a alegria de diferentes gerações ao longo dos anos 90 e 2000 andava meio sumido dos cinemas, mas retorna de maneira fantástica neste filme, revivendo seu humor rápido e escandaloso que conquistou o coração do público. Vê-lo bem em tela te faz abrir involuntariamente um sorriso, como se visse um velho amigo se dar bem novamente. E mesmo que você não se sinta nostálgico com ele, Tucker leva seu personagem no talento puro. É legitimamente engraçado, servindo como uma ferramenta importante de alívio cômico para cenas mais tensas. Nada que comprometa a seriedade desses momentos, muito pelo contrário. Ele agrega muito ao filme.

O filme se vende como uma história sobre o tênis, mas é essencialmente sobre o Michael Jordan, mesmo que o rosto de seu personagem não mostre o rosto em momento algum. E qualquer um que conheça o ego de MJ sabe que apesar de ser muito reservado, é muito difícil fazer uma produção sobre ele na qual ele não seja o centro das atenções. E mesmo assim, Affleck e Convery conseguiram fazer um filme do Michael Jordan sem o Michael Jordan. Para suprir sua falta de palavras, já que era apenas um jovem ambicioso, o Jumpman é representado por seus pais na trama, o que acaba sendo uma cesta de três pontos. Viola Davis está um espetáculo como a matriarca Deloris Jordan, que tinha pulso firme e tinha a palavra final sobre as decisões do filho. Mas a atuação que me surpreendeu foi mesmo a de Julius Tennon, que deu vida ao pai de Michael, James Raymond Jordan Sr.

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Qualquer fã do eterno Camisa 23 sabe como sua relação com seu pai é um tema sensível, visto que James foi assassinado em 1993, fato que abalou a carreira e a mente blindada de MJ. Então, o filme conduz seu personagem com uma aura quase imaculada, como um pai compreensivo, divertido e deslumbrado com as projeções de carreira do próprio filho. Em outras palavras, o filme o retrata com a visão de um filho que vê no pai seu maior exemplo. É de um respeito muito grande ao legado de James, refletido eternamente nos números de Michael Jordan nas quadras da NBA.

Só que o principal condutor do roteiro é mesmo Sonny. Matt Damon segue bem em mais uma atuação de alto nível, que atinge seu ápice no discurso que certamente será usado como seu “clipe do Oscar“, caso venha a indicação. A trama é um clássico exemplo da história do azarão norte-americano, que persiste e passa por percalços para conseguir emplacar sua ideia louca. Mesmo se tratando de uma grande fornecedora como a Nike, ele precisa arriscar tudo, colocando em risco seu emprego, os empregos de seu setor e o futuro da própria empresa. É ele quem toma as porradas dos antagonistas e usa da criatividade – e da cara de pau – para conseguir que sua ideia de um milhão de dólares seja posta em prática. E a dinâmica desse personagem é tão boa que ele não chega a ser canastrão nem um pilantra, como visto diversas vezes em filmes do meio empresarial, ele é apenas um cara de meia idade com um sonho e um orçamento de milhares de dólares nas costas.

Junto a ele, o longa traz as interações com o chefe da Nike, vivido pelo Ben Affleck, e seu companheiro do marketing, interpretado por Jason Bateman. Enquanto Affleck vive aquele aspecto de milionário místico, supostamente adepto do budismo e abusando de discursos e filosofias motivacionais de calendário, Bateman dá um ar mais humano para a história, trazendo os pés de Sonny de volta ao chão em momentos em que o sonho parece falar mais alto que a realidade. É um trabalho sutil de Jason, mas nem um pouco tímido.

E todo o processo de convencer Michael a assinar com a Nike culmina em um dos segmentos mais divertidos do filme, que é o processo de criação do Air Jordan 1, os tênis que nasceram com a missão de serem tão grandes e icônicos quanto o próprio Michael Jordan. As referências e as noites em claro para sintetizar toda uma personalidade e um estilo de vida em um objeto rendem sequências espetaculares. Afinal, essa foi a cartada final dos empresários para tentarem mudar a cabeça de um atleta promissor que estava 100% fechado com a ideia de assinar com sua marca favorita do mercado: a Adidas.

Por fim, não dá para falar desse filme sem citar um dos principais responsáveis por fazer o clima oitentista funcionar: a trilha musical. Repleta de alguns hits e outras músicas de sucesso mediano da época, a trilha te faz mergulhar mais a fundo na história, ajudando – junto ao trabalho espetacular de caracterização – a te situar mesmo nos anos 80.

Air: A História por trás do Logo é um drama esportivo de mão cheia, que foi feito pela Amazon Studios e supostamente veio para preencher aquela “cota” anual de filmes do meio empresarial, que conquistam o público justamente por abordarem conceitos complicados de empresas de forma bem didática, mas se mostra muito mais que isso.

É interessante ver como Affleck conseguiu equilibrar os cenários do meio esportivo, com sua grandeza e glamour, com a simplicidade dos escritórios e das “engrenagens” que fazem as empresas funcionarem, permitindo que ele transforme um filme com viés publicitário em um potencial candidato ao Oscar de 2024. Tudo isso, trazendo um roteiro dinâmico, boas atuações, uma trilha fantástica e uma direção de arte muito competente na hora de recriar uma atmosfera típica dos EUA dos anos 80. É um dos melhores filmes de 2023 até aqui e deve conquistar não apenas aos fãs de basquete, mas a todos aqueles que apreciam uma boa história.

Air: A História por trás do Logo está em cartaz nos cinemas brasileiros.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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