quinta-feira, março 28, 2024

Crítica | ‘Anaïs Mitchell’ destila melancolia romântica em uma jornada reflexiva e acessível

Anaïs Mitchell pode não ser um nome imediatamente reconhecível, mas, sem sombra de dúvida, merece estar em sua playlist. A cantora e compositora estadunidense se tornou uma das vozes mais expressivas do folk, ganhando aclame pela intimidade e pessoalidade de seus belíssimos versos – que levaram a crítica internacional a criar paralelos entre ela e lendas do cenário fonográfico, como Bob Dylan e Leonard Cohen. Dona de oito álbuns que receberam elogios e caíram no gosto do público, Mitchell apostou fichas em estilos musicais que, nas últimas décadas, começaram a desaparecer do cenário mainstream, como o americana e o indie folk, recusando-se a deixar as clássicas melodias se perderem em meio ao vibrante frenesi de sua arte.

Apesar de ter começado sua carreira em 2002, não foi até 2010 que a performer roubou os holofotes do escopo do entretenimento com o lançamento de ‘Hadestown’, que representou uma enorme transição em sua identidade artística e a permitiu se envolver com outras vertentes, como o teatro. Não é surpresa que a adaptação homônima para os teatros tenha se tornado um sucesso imediato e levado para casa oito estatuetas do Tony Award, incluindo Melhor Musical e Melhor Trilha Sonora Original. Agora, anos depois de sua última incursão original, ela retorna pronta para entregar mais uma obra-prima com seu oitavo álbum de estúdio homônimo – que já posa como um dos melhores de 2022.

Ao longo de dez faixas e breves trinta minutos de duração, Mitchell percebe que lutar contra as exigências da indústria pode ser um caminho complicado, motivo pelo qual adota uma produção mais concisa e relacionável quando em comparação a discos anteriores. Em outras palavras, é notável como os temas trazidos pela performer tem maior apreço dialógico em relação aos ouvintes, afastando-se do conceitualismo que explorou no passado e buscando manter-se fiel ao que sempre fez sem deixar de experimentar coisas novas – algo reiterado à medida que nos apaixonamos por essa jornada. É claro que a produção não promove uma revolução estética, mas é sólida o bastante para nos causar alguma coisa e nos levar a refletir sobre os enredos arquitetados, movidos por uma acessibilidade invejável.

Talvez o maior desenlace da produção é utilizar as fórmulas a seu próprio favor – o que significa que, dentro do folk, o público aceita o convite de Mitchell para ser levado em uma aventura bastante sinestésica, pincelada com pianos, violões e minimalismo estrutural. Volta e meia, as faixas apresentam uma distorção proposital e evocativa, como a repetição dos sintetizadores ou o fraseamento característico da artista para os versos – mas, no geral, temos a reintrodução de Anaïs para uma nova década recheada de possibilidades e de potencial ilimitado, que começa da melhor maneira possível.

Desde o singelo e atmosférico início de “Brooklyn Bridge” à nostálgica trama que protagoniza “Now You Know”, Mitchell se reafirma como uma das storytellers mais potentes da atualidade – e cada palavra suspirada e tecla apertada demonstra uma confiança íntegra e uma sutileza poética que já foram emuladas diversas vezes nos últimos tempos (ora, podemos até ver a essência da cantora em ‘Folklore’, que abandonou o costumeiro pop de Taylor Swift para uma criação mais reservada). A faixa inicial nos arremessa de volta para um cândido passado, uma “carta de amor” à cidade de Nova York, como ela bem descreveu em entrevista; a progressão oscila entre a balada e o anthem, nunca deixando que os instrumentos falem mais alto que uma belíssima rendição (“sobre a ponte do Brooklyn, eu e você no banco de trás” pode esbarrar no mero romance, mas prova ser uma fascinante epopeia epistolar).

Mitchell promove um movimento bastante claro de introspecção e expansão que não se restringe à unilateralidade conversacional, mas sim a um diálogo franco sobre o que enfrentamos enquanto pessoas. Em outras palavras, ela sempre direciona a mensagem de determinada canção a outrem e a si mesma, como se exteriorizasse sentimentos para poder se compreender, como visto em “Revenant” ou em “Bright Star”. Eventualmente, há alguns vícios de linguagem que impedem que a absorção do que a artista promove seja completa – como elementos reincidentes e uma continuidade exacerbada em prol da coesão; todavia, os pontuais deslizes não o suficiente para ofuscar o fabulesco conto que ouvimos com entusiasmo, sedentos pela próxima história que nos será contada (e que conclui com a irretocável “Watershed”).

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O grande emblema por trás de ‘Anaïs Mitchell’ se ergue através do mote da melancolia romântica – não no sentido mais óbvio do termo, e sim dentro de um leque gigantesco de tudo o que encaramos com ardor. O álbum pode não ser o melhor da cantora performer homônima, mas isso não significa que não seja um ótimo comeback para alguém que ainda tem muito a nos oferecer (e que o fará com gosto e poesia).

Nota por faixa:

1. Brooklyn Bridge – 5/5
2. Bright Star – 4,5/5
3. Revenant – 3,5/5
4. On Your Way (Felix Song) – 4/5
5. Real World – 4/5
6. Backroads – 4/5
7. Little Big Girl – 4/5
8. Now You Know – 3,5/5
9. The Words – 4/5
10. Watershed – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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