quinta-feira , 26 dezembro , 2024

Crítica | Baran bo Odar e Jantje Friese estão de volta com o insano suspense sci-fi de ‘1899’

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Em 2017, Baran bo Odar e Jantje Friese apresentavam ao mundo a uma das séries mais complexas e elogiadas da Netflix – o drama de ficção científica Dark, uma celebração de todas as histórias clássicas do gênero que fala, essencialmente, sobre teorias de conspiração do tempo e da existência de caminhos que conectam o passado, o presente e o futuro. Cinco anos mais tarde, a dupla retorna para o cenário mainstream com o aguardado lançamento de 1899, uma produção que parte de princípio similar e que, apesar dos erros aparentes, é uma instigante construção liderada por um elenco de peso e por uma reviravolta chocante que rema contra tudo o que esperávamos.

Com poucos materiais promocionais, a temporada de estreia é ambientada no final do século XIX e gira em torno de um grupo de passageiros a bordo do Kerberos, todos indo em direção à Nova York para começarem uma vida nova. Dentre as várias pessoas almejando conquistar o que sempre quiseram, temos Maura Henriette (Emily Beecham), uma das primeiras médicas do Reino Unido cuja especialização em neurologia a leva a cruzar o oceano e a tentar descobrir o que aconteceu com o irmão, que sumiu misteriosamente em um outro navio chamado Prometheus; o capitão Eyk Larsen (Andreas Piestchmann), cujos traumas o levam a tomar decisões impróprias em prol da tripulação dos passageiros; Ángel (Miguel Bernardeau), um jovem espanhol rico que viaja com Ramiro (José Pimentão), ambos escondendo um segredo que pode destruir sua reputação; Ling Yi (Isabella Wei), uma misteriosa mulher da China que posa como membro da burguesia japonesa para chegar às Américas; e vários outros.



Apesar dos problemas pessoais que enfrentam logo no episódio de abertura, as coisas ficam ainda mais complicadas quando eles cruzam caminho com o Prometheus e Eyk, acompanhado de uma força-tarefa formada por Maura, Franz (Isaak Dentler), Jérôme (Yann Gael) e mais, resolve investigar o que aconteceu – apenas para descobrir que cada membro da tripulação simplesmente desapareceu e não deixou nada para trás. Isto é, com exceção de um menino (Fflyn Edwards) que é resgatado e levado de volta para o Kerberos. É a partir daí que eventos bizarros começam a acontecer, desde uma neblina indesvendável que os impede de prosseguir viagem a uma quieta doença que dizima um a um até que que ninguém fique vivo.

Considerando que essa é uma incursão de Odar e Friese, as explicações não apareceriam como um passe de mágica, mas fariam parte de uma profunda análise antropológica subsidiada em temas como luta de classes, traumas psicológicos e uma necessidade de independência autodestrutiva. A principal chave do enredo é Maura, que sente uma conexão anfigúrica com o menino e com um homem chamado Daniel (Aneurin Barnard), que subiu ao navio e se metamorfoseou como um dos passageiros acreditando que ninguém perceberia sua presença agourenta atravessando os corredores. Mas Maura rouba os holofotes ao se envolver cada vez mais uma espécie de conspiração que a leva a perceber que o pai, Henry (Anton Lesser), é o responsável por aquela inescapável prisão em alto-mar.

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Os oito capítulos são delineados como forma de dar destaque aos protagonistas em uma solenidade multilinguística que perpassa as várias culturas espalhadas pelo planeta; todavia, o aparente obstáculo que posa entre os personagens é logo varrido para debaixo do tapete: todos estão no mesmo barco (sem querer fazer um trocadilho) e comungam de uma experiência tirada de um pesadelo, de onde não conseguem fugir, não importa o quanto tentem. A majestosa configuração do transatlântico é diminuída a um claustrofóbico labirinto que os leva de lugar nenhum a nenhum lugar, como se estivessem encarcerados em um sádico estudo de um criador vingativo e sem amor. Não é surpresa que essa compreensão seja a centelha que explode um barril de pólvora de ressentimentos e que coloca todos em risco iminente.

Friese e Odar não apenas se jogam de cabeça em uma aterrorizante aventura sci-fi, como também tentam equilibrar drama, ação e romance em uma epopeia que celebra a liberdade e a vida. Entretanto, é necessário comentar acerca dos deslizes técnicos e artísticos que se espalham pelos episódios – como a duvidosa escolha da trilha sonora e algumas sequências descartáveis que só existem para preencher eventuais buracos do roteiro e dar uma falsa sensação de ritmo contínuo. Não obstante os equívocos, o resultado é bastante positivo e nos prepara para uma segunda temporada que deve trazer algumas respostas (ainda mais com um finale que mais nos confunde do que fornece explanações).

1899 pode não ser uma série perfeita, mas cumpre com o prometido e tem plena ciência de como conduzir os espectadores em uma das incursões mais insanas do ano. O principal elemento de que ela se usufrui é o elenco, que entrega performances impecáveis, e de uma cultivação da angústia que nos deixa à beira de um ataque de pânico – e que nos faz criar diversas teorias sobre o que o futuro aguarda.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Em 2017, Baran bo Odar e Jantje Friese apresentavam ao mundo a uma das séries mais complexas e elogiadas da Netflix – o drama de ficção científica Dark, uma celebração de todas as histórias clássicas do gênero que fala, essencialmente, sobre teorias de conspiração do tempo e da existência de caminhos que conectam o passado, o presente e o futuro. Cinco anos mais tarde, a dupla retorna para o cenário mainstream com o aguardado lançamento de 1899, uma produção que parte de princípio similar e que, apesar dos erros aparentes, é uma instigante construção liderada por um elenco de peso e por uma reviravolta chocante que rema contra tudo o que esperávamos.

Com poucos materiais promocionais, a temporada de estreia é ambientada no final do século XIX e gira em torno de um grupo de passageiros a bordo do Kerberos, todos indo em direção à Nova York para começarem uma vida nova. Dentre as várias pessoas almejando conquistar o que sempre quiseram, temos Maura Henriette (Emily Beecham), uma das primeiras médicas do Reino Unido cuja especialização em neurologia a leva a cruzar o oceano e a tentar descobrir o que aconteceu com o irmão, que sumiu misteriosamente em um outro navio chamado Prometheus; o capitão Eyk Larsen (Andreas Piestchmann), cujos traumas o levam a tomar decisões impróprias em prol da tripulação dos passageiros; Ángel (Miguel Bernardeau), um jovem espanhol rico que viaja com Ramiro (José Pimentão), ambos escondendo um segredo que pode destruir sua reputação; Ling Yi (Isabella Wei), uma misteriosa mulher da China que posa como membro da burguesia japonesa para chegar às Américas; e vários outros.

Apesar dos problemas pessoais que enfrentam logo no episódio de abertura, as coisas ficam ainda mais complicadas quando eles cruzam caminho com o Prometheus e Eyk, acompanhado de uma força-tarefa formada por Maura, Franz (Isaak Dentler), Jérôme (Yann Gael) e mais, resolve investigar o que aconteceu – apenas para descobrir que cada membro da tripulação simplesmente desapareceu e não deixou nada para trás. Isto é, com exceção de um menino (Fflyn Edwards) que é resgatado e levado de volta para o Kerberos. É a partir daí que eventos bizarros começam a acontecer, desde uma neblina indesvendável que os impede de prosseguir viagem a uma quieta doença que dizima um a um até que que ninguém fique vivo.

Considerando que essa é uma incursão de Odar e Friese, as explicações não apareceriam como um passe de mágica, mas fariam parte de uma profunda análise antropológica subsidiada em temas como luta de classes, traumas psicológicos e uma necessidade de independência autodestrutiva. A principal chave do enredo é Maura, que sente uma conexão anfigúrica com o menino e com um homem chamado Daniel (Aneurin Barnard), que subiu ao navio e se metamorfoseou como um dos passageiros acreditando que ninguém perceberia sua presença agourenta atravessando os corredores. Mas Maura rouba os holofotes ao se envolver cada vez mais uma espécie de conspiração que a leva a perceber que o pai, Henry (Anton Lesser), é o responsável por aquela inescapável prisão em alto-mar.

Os oito capítulos são delineados como forma de dar destaque aos protagonistas em uma solenidade multilinguística que perpassa as várias culturas espalhadas pelo planeta; todavia, o aparente obstáculo que posa entre os personagens é logo varrido para debaixo do tapete: todos estão no mesmo barco (sem querer fazer um trocadilho) e comungam de uma experiência tirada de um pesadelo, de onde não conseguem fugir, não importa o quanto tentem. A majestosa configuração do transatlântico é diminuída a um claustrofóbico labirinto que os leva de lugar nenhum a nenhum lugar, como se estivessem encarcerados em um sádico estudo de um criador vingativo e sem amor. Não é surpresa que essa compreensão seja a centelha que explode um barril de pólvora de ressentimentos e que coloca todos em risco iminente.

Friese e Odar não apenas se jogam de cabeça em uma aterrorizante aventura sci-fi, como também tentam equilibrar drama, ação e romance em uma epopeia que celebra a liberdade e a vida. Entretanto, é necessário comentar acerca dos deslizes técnicos e artísticos que se espalham pelos episódios – como a duvidosa escolha da trilha sonora e algumas sequências descartáveis que só existem para preencher eventuais buracos do roteiro e dar uma falsa sensação de ritmo contínuo. Não obstante os equívocos, o resultado é bastante positivo e nos prepara para uma segunda temporada que deve trazer algumas respostas (ainda mais com um finale que mais nos confunde do que fornece explanações).

1899 pode não ser uma série perfeita, mas cumpre com o prometido e tem plena ciência de como conduzir os espectadores em uma das incursões mais insanas do ano. O principal elemento de que ela se usufrui é o elenco, que entrega performances impecáveis, e de uma cultivação da angústia que nos deixa à beira de um ataque de pânico – e que nos faz criar diversas teorias sobre o que o futuro aguarda.

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