terça-feira, abril 16, 2024

Crítica | Beyoncé celebra a importância da cultura negra na versão deluxe de ‘The Lion King: The Gift’

Beyoncé Knowles-Carter parece ter reencontrado sua voz ao fugir dos convencionalismos do pop e ter se rendido às suas raízes africanas com poder incrível e que reafirma sua necessária presença na cultura mainstream contemporânea. Sendo um dos ícones de sua geração, a artista já vinha trabalhando em álbuns visuais desde ‘BEYONCÉ’, em 2013, passando por sua obra-prima ‘Lemonade’ e sua performance irretocável com o documentário ‘Homecoming’.

E isso não foi tudo: no ano passado, Queen-B nos presenteou com uma curadoria especial do remake em live-action de ‘O Rei Leão’, apresentando ao mundo uma celebração das tradições, da religião, da música e da importância que os países do continente africano, em sua costumeira e apagada história frente à dominação branca e eurocêntrica, através de ‘The Lion King: The Gift’, trazendo uma série de canções originais. Agora, em 2020, acompanhando o lançamento do já aclamado ‘Black Is King’, a cantora e compositora reitera sua realeza preta com a divulgação da versão deluxe – que suprime os interlúdios de James Earl Jones e companhia e abre espaço para 17 faixas exuberantes.

Considerando sua incrível capacidade artística e cultural – afinal, Beyoncé em se tornando uma expressiva voz na luta racial e abraçou a descendência africana de uma forma nunca antes vista em sua carreira -, era quase óbvio que esperávamos grandes coisas desse compilado de competentes nomes, mas o resultado não é exatamente esse: ‘The Gift’ é, como o nome diz, um presente direcionado para os fãs; porém, é inegável dizer que a lead singer é ofuscada por uma amálgama de outros artistas cuja presença carrega mais urgência – e talvez essa seja a ideia da artista desde o princípio: abrir espaço para quem merece soltar a voz.

Essa nova obra já abre com “BIGGER”, uma balada com ares eletrônicos que mais funciona como uma etérea e épica declamação na qual somos “parte de algo maior que você, maior do que nós, maior do que a foto que enquadraram para vermos”. Desnecessário dizer que a canção é recheada de poderosos versos (como o visto acima), mas são as sutilezas sonoras que pecam pelo excesso e pela artificialidade. A voz da artista mantém-se numa oscilante perfeição que explora sua deliciosa tecedura; a transição de um bloco para outro, todavia, parece forçado demais até para os ouvidos menos treinados – mergulhando inexplicavelmente em um fragmentário R&B em vez de continuar explorando os batuques africanos.

A ideia de Beyoncé é unir em um mesmo lugar inúmeros ritmos musicais, da mesma forma que fez em suas obras anteriores. Nas várias faixas originais, e até mesmo nos interlúdios, ela encontra espaço mais que suficiente para tornar essa promessa realidade. Seja com o hip-hop de “MOOD 4 EVA” ou com o afrobeat de “JA ARA E” (conduzido com exímia envolvência por Burna Boy), é notável como a produção é pensada com minúcia e carinho. Em uma diferente perspectiva, algumas tracks já se deparam com obstáculos a priori intransponíveis ou preguiçosamente deixados para “enfeitar” o escopo sonoro. A mistura de pop com R&B de “FIND YOUR WAY BACK” é um desses exemplos, visto que a fusão é rechaçável o suficiente para torná-la esquecível numa comercialidade qualquer.

O jovem músico nigeriano Salatiel é uma das grandes revelações promovidas pelo álbum e se encontra numa deliciosa rendição africana com “WATER”, dividindo protagonismo com a lead. Entretanto, ela é deixada em segundo plano pelas delineações em falsetto e em grave que permeiam a peça – e nada disso seria possível sem a ajuda da capacidade lírica de Nija Charles, que trabalha com os Carter desde 2017. Assim como Salatiel, Kendrick Lamar, 070 Shake e Childish Gambino são outros nomes que aparecem com força descomunal principalmente na construção identitária (vide “NILE” e a poderosa “SCAR”).

Não deixe de assistir:

Beyoncé recupera alguns elementos de seus discos anteriores – aqui, menciono com ênfase o icônico ‘BEYONCÉ’ -, em “BROWN SKIN GIRL”, mesmo que a unidimensionalidade vocal e instrumental dos cantores transformem a obra em uma cantiga infantil demais para se aproveitar alguma coisa, com exceção do notável coro afro-americano. De fato, a artista encontra espaço para se divertir e explorar todas as suas habilidades com a divertida e dançante “ALREADY”, talvez um pouco tarde demais para que seja considerada a força-motriz dessa epopeia. Felizmente, a colaboração com Shatta Wale e com Major Lazer é uma pequena joia num vasto oceano que funciona do começo ao fim.

Há um emblema quase indescritível do qual Beyoncé se vale em cada peça fonográfica que compões, desde suas primeiras inflexões mais mercadológicas até seu amadurecimento artístico e pessoal – e é isso que ela carrega na epopeia crítica “BLACK PARADE”: seja na versão estendida, seja na versão padrão, Bey cria um universo próprio, pincelando-o com os sintetizadores do R&B e guiada por uma brutal narrativa que denuncia a crescente discriminação da comunidade negra (mostrando que, cinco séculos mais tarde, praticamente nada mudou). Auxiliada pela conhecida produção de Derek Dixie -, a performer pinta um cru retrato do que se enfrenta nos dias de hoje. Ela não poupa ácidas incursões sociológicas sobre a supremacia branca e sobre a constante segregação promovida por seus agressores, resumindo esse prestigioso anthem em “ser negro, talvez essa seja a razão pela qual estão sempre irritados”.

Enquanto a artista perde força protagonista, suas inclinações empáticas falam muito mais forte, tendo chamado uma quantidade imensurável de vozes incríveis para acompanhá-la nesse épico africano. Talvez o principal problema seja a estruturação falha de certas faixas; de qualquer modo, o álbum é aprazível dentro do que pretende nos entregar – e, novamente, validando a imponente presença de Beyoncé em basicamente tudo o que deseje fazer.

Nota por faixa:

  • BIGGER – 3,5/5
  • FIND YOUR WAY BACK – 3/5
  • DON’T JEALOUS ME – 4/5
  • JA ARA E – 5/5
  • NILE – 3/5
  • MOOD 4 EVA – 4/5
  • WATER – 4/5
  • BROWN SKIN GIRL – 3/5
  • KEYS TO THE KINGDOM – 3,5/5
  • ALREADY – 5/5
  • OTHERSIDE – 3/5
  • MY POWER – 4,5/5
  • SCAR – 5/5
  • SPIRIT – 2,5/5
  • BLACK PARADE – Extended Version – 5/5
  • FIND YOUR WAY BACK – MELO-X Remix – 3/5
  • BLACK PARADE – 4,5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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