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O último filho… do inferno
A mitologia em torno da figura do Superman (ou Super-Homem), um dos mais antigos e definitivamente o mais famoso dos super-heróis saídos dos quadrinhos, é tão impactante culturalmente que levou o diretor Bryan Singer a tecer o comentário sobre o personagem ser tão conhecido quanto Jesus Cristo – enquanto filmava sua própria interpretação da história em Superman – O Retorno (2006).
Sim, já tivemos inúmeras versões deste conto espalhadas pelas mais diversas mídias, seja no cinema, TV e, é claro, nas HQs, berço do herói. Mas ainda não vimos tudo o que pode ser feito com esta narrativa. E a prova disso é a forma como o produtor James Gunn resolve tratar o material ao aderir à brincadeira. Oriundo do cinema fantástico e de terror, o diretor se tornou uma estrela ao fazer de personagens C do repertório da Marvel, a mais nova sensação pop (Os Guardiões da Galáxia). E se, como afirma o próprio, as duas coisas que mais gosta no mundo são terror e super-heróis, por que não uni-las em um filme?
A ideia, no entanto, embora tenha partido de um Gunn (na verdade de dois), não foi de James. Brian Gunn, seu irmão, e Mark Gunn, seu primo, são os responsáveis pelo argumento sobre uma criança que cai do espaço numa área rural dos EUA, na pequena cidade de Brightburn (a Pequenópolis deste universo), e é adotado por um amável casal do interior: Tori (Elizabeth Banks) e Kyle (David Denman). A proposta aqui é a seguinte: e se ao invés do altruísmo e bondade, o menino desenvolvesse as piores e mais perversas características humanas?
Para a empreitada foi escalado o jovem diretor David Yarovesky (em seu segundo longa), que, adepto da escola de suspense e terror do mestre John Carpenter, consegue criar cenas memoráveis e geladas, donas de um ritmo agonizante próprio. Ajuda o fato do roteiro não fornecer saídas fáceis, deixando mais perguntas do que respostas, assim como grandes exemplares do gênero. Mas, sendo este um produto mainstream, pensado para as grandes massas, o nível de grafismo das cenas é altíssimo, podendo ser comparado ao dos torture porn, vide Jogos Mortais e afins. A indução do que é imaginado e não visto, no entanto, ainda é a solução mais eficiente.
Brightburn, porém, não é meramente violência desmedida e voltada ao entretenimento. Muito pelo contrário. Existe toda uma discussão dramática envolvendo distúrbios infantis que se não prevenidos podem vir a se tornar agravantes como psicopatia – e podendo inclusive ser traçado um forte paralelo com jovens que constantemente entram armados em colégios para chacinas. Em especial, aqui, como tal fato afeta os pais.
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Com reviravoltas que constantemente nos pegam desprevenidos, Brightburn eleva o nível de tensão em diversas cenas (em especial a da visita na casa da tia) e cria um dos personagens infantis mais assustadores do cinema recente – para entrar no hall ao lado de Damien (A Profecia) e Esther (A Órfã), por exemplo. Dono de uma história simples, mas muito eficiente e artesanalmente costurada, a nova produção bancada por James Gunn é daquelas que tem jeitão de já ter nascido cult. Ah sim, e uma dica: prestem atenção no que eles fizeram com a cena pós-créditos e tente não abrir um grande sorriso.