sábado, abril 27, 2024

Crítica | Caroline Polachek explora o significado do amor no exuberante ‘Desire, I Want To Turn Into You’

Apesar de ter começado oficialmente sua carreira em 2008 como parte do grupo Chairlift, Caroline Polachek fez sua estreia solo com o aclamado álbum ‘Pang’, em 2019, que a colocou como um dos expoentes da música experimental. Influenciada pela crescente popularização da música indie e tendo trabalhado com diversos artistas do cenário underground – como o coletivo PC Music, Charli XCX e Christine and the Queens, Polachek transformou-se em um dos ícones de sua geração através da amálgama de espectros diferentes e de uma ousadia sem limites que continua a remar contra a maré mainstream, garantindo que seus fãs sempre tenham uma experiência única ao conferir seus lançamentos.

Quatro anos depois, ela está de volta com o aguardado ‘Desire, I Want To Turn Into You’ – sem dúvida, uma das produções mais aguardadas do primeiro semestre de 2023. E, assim como boa parte dos discos que saíram desde 2020, a obra foi arquitetada durante a pandemia do COVID-19 e vem como um arauto bastante eclético de gêneros que nos envolvem desde as primeiras batidas. Não é surpresa, pois, que o compilado de originais já pode ser considerado uma das grandes rendições da memória recente, imbuído com uma pessoalidade intrínseca e um complexo movimento de introspecção e expansão. Dentro desse narcótico universo, somos engolfados em uma jornada sinestésica que age por conta própria e, ao mesmo tempo, precisa de nossa total atenção para compreender as belíssimas mensagens escondidas nas entrelinhas.

O álbum tem início com a irretocável “Welcome To My Island”, faixa que começou a ser escrita ainda em 2019 e que, como Caroline mesmo disse, “um quebra-cabeça” que “passou por um milhão de versões até chegar ao modo máximo de pirralha”. A descrição um tanto quanto inesperada talvez seja a única que possa explicar a canção – uma explosão de new wave e pop que rompe as barreiras do espaço-tempo e se desenrola em um saudosismo setentista apaixonante e uma modernidade muito bem-vinda. A track se inicia com uma introdução improvisada e a capella impecável que se estende até a primeira estrofe, denotando o incrível alcance vocal da performer; enquanto isso, a estrutura fonográfica é pincelada com sintetizadores robóticos e abrangentes, entrando em vibrante conflito com a irônica e aprisionadora composição lírica.

Nada na produção parece repetitivo ou datado, ainda mais considerando a quantidade considerável de gêneros que se fundem conforme viajamos pelas músicas. É claro que essa mixórdia poderia ser uma faca de dois gumes fadada à confusão e ao caos – mas o competente time de produtores, que inclui Dan Nigro e Ariel Rechtshaid, garante que haja uma linha em comum entre todas elas. “Pretty In Possible”, por exemplo, é uma exaltação de inflexões eletrônicas que soa como uma costumeira iteração, mas é destituída de versos e refrãos, permitindo que os ouvintes acompanhem-na em um fluxo de consciência que pode ou não causar uma epifania. Ademais, é necessário comentar a dúbia escolha do título, cuja homofonia com Pretty Impossible e consequente heteronomia é nada menos que genial.

É notável como uma das temáticas recorrentes no álbum é o amor. Em “Bunny Is a Rider”, Polachek discorre sobre o estado imaterial da indisponibilidade, trazendo referências a Aaliyah e Toni Braxton para uma constatação que beira o conformismo – inclusive quando consideramos a presença constante do baixo e do mergulho no nu-disco e, com mais sutileza, no funk. Em “Sunset”, a artista mostra que não se importa em encabeçar incursões mais mercadológicas, seguindo o panorama clássico das músicas pop à medida que delineia aspectos latinos com o flamenco e o violão espanhol e fala sobre o conforto que sente nos braços daquele que ama; entretanto, é preciso comentar sobre, mesmo adotando uma perspectiva mais familiar, ela não deixa de colocar sua identidade nos versos, como em “estou usando preto em luto pela perda súbita da inocência”.

Caroline sabe exatamente o que está fazendo e como navegar nas turbulentas águas da paixão e do amor. Mencionei alguns parágrafos acima que ela não tem medo de explorar o inóspito – e essa declaração se faz mais presente a partir da segunda metade. Temos “I Believe”, reconhecida pelo uso ecoante do baixo e pelos elementos de soft-electro e do new-wave; “Blood And Butter”, um dos vários pontos altos do disco, é uma ode ao ovacionado ‘Ray of Light’, de Madonna, ao passo que rearranja e remodela o techno-pop à seu bel-prazer, afastando-se do upbeat e apostando em uma atmosfera mais íntima e declamatória; “Hopedrunk Everasking” e “Butterfly Net” unem-se em uma única narrativa, dilatando um enredo instrumental que presta homenagem ao avant-pop e ao techno experimental de Björk; e, finalizando essa peregrinação de autodescoberta e propriocepção, somos convidados ao trip-hop oriental de “Billions” (uma das melhores tracks da memória recente).

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‘Desire, I Want To Turn Into You’ fez o que ninguém acreditava e deu palanque de sobre para que Caroline Polachek inclusive ultrapassasse o impacto de seu álbum anterior. Aqui, percebemos o amadurecimento da artista e a capacidade de transmutar dor e frustração em uma poética celebração do que significa amar.

Nota por faixa:

1. Welcome To My Island – 5/5
2. Pretty In Possible – 5/5
3. Bunny Is A Rider – 5/5
4. Sunset – 5/5
5. Crude Drawing Of An Angel – 4,5/5
6. I Believe – 5/5
7. Fly To You, feat. Grimes & Dido – 4,5/5
8. Blood And Butter – 5/5
9. Hopedrunk Everasking – 4/5
10. Butterfly Net – 4,5/5
11. Smoke – 5/5
12. Billions – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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