quarta-feira, abril 17, 2024

Crítica | Chambers (1ª temporada) – Série de suspense tropeça na junção desajustada de vários temas

Após o sucesso e ótima repercussão de A Maldição da Residência Hill (2018), a Netflix investe mais uma vez no gênero do terror sobrenatural com o seriado Chambers. A nova produção, no entanto, está longe de ser assustadora ou mesmo motivar os espectadores a assistir aos seus 10 episódios de quase uma hora cada.

Com a presença da indicada ao Oscar Uma Thurman (Pulp Fiction, 1994), a produção é uma mistura de 13 Reason Why (2017-), Twin Peaks (1990-1991) e do filme Hereditário (2018). Apesar de ser o nome mais forte de Chambers, Thurman não está à frente da história, o trabalho de carregar o seriado por 10h é da novata Sivan Alyra Rose, a qual consegue entregar veracidade ao seu confuso caminho entre mistério, suspense, terror e drama.

Se essa descrição parece um pouco bagunçada é porque o roteiro encaixa-se exatamente nesse diagnóstico. A premissa do seriado parece sedutora, criando a expectativa do desvendar de um mistério de maneira mística em conjunto a poderes paranormais e questões psicológicas. O seriado, no entanto, muda o seu rumo algumas vezes, o que pode ser encarado como uma obra de reviravoltas ou encheção de linguiça para fechar dez episódios.

Na trama, Sasha (Sivan Alyra Rose) é uma adolescente nativa norte-americana que vive no deserto do Arizona com o seu tio Frank (Marcus LaVoi). Ao tentar perder a virgindade com o namorado TJ (Griffin Powell-Arcand), ela tem um ataque do coração e recebe um transplante imediato de uma menina da mesma idade que morreu em um acidente na mesma noite.

Dias depois já com uma enorme cicatriz no meio do peito, Sasha volta às suas atividades normais, contudo, a jovem começa a ver o reflexo de outra menina no espelho e ter sonhos e memórias estranhas. De forma pertinente, Ben Lefreve (Tony Goldwyn), o pai da menina que doou o coração, surge na sua vida e a convida para um jantar em sua casa. A partir de então, a menina nativa do deserto começa a frequentar outra esfera social e conhecer a vida de Becky (Lilliya Scarlett Reid), a menina que ela leva em parte dentro do peito.

Com um estilo à la Sexto Sentido (1999), Becky parece tentar se comunicar com Sasha por meio de aparições, sonhos e memórias, o que faz a portadora do seu coração acreditar que ela foi assassinada. Os primeiros cinco episódios são conduzidos pela resolução do motivo da morte da jovem rica e querida por quase todos. Ao aceitar uma bolsa de estudos na escola sofisticada de sua doadora, Sasha mergulha profundamente no mundo da menina privilegiada e de sua família.

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Os rumos da história apontam para um senso de justiça, mas depois torna-se um caso de possessão, chegando a mesclar crenças dos nativos norte-americanos com seitas secretas. Cada episódio prolonga-se mais do que o necessário para explicar pontos sem importância, por exemplo, a mesma cena é contada por meio de dois ângulos com pouquíssima informação inédita, tornando a narrativa apenas modorrenta.

Embora contenha os seus deslizes para chegar a um objetivo-chave, Chambers invoca uma sensação de mistério diluído em tentativas frustradas de momentos de horror. Somente uma ou duas cenas imprimem um ar mais aterrorizador com direito a vísceras, pulmões e coração expostos. No todo, Sasha busca manter sua sanidade diante da luta para liberta-se das emoções e memórias de Becky. Sua maneira de fazê-lo é descobrir o motivo da sua morte e, quando o segredo é revelado, há uma virada na história para desvendar os motivos do acontecimento.

Entre maldições e crises de ansiedade, Sasha e Becky  lutam pelo espaço de duas mentes aprisionadas na mesma estrutura física. O contraste social e físico entre as duas poderia ser uma parte interessante da história, entretanto, ele é utilizado apenas para ressaltar a incorporação da menina loira de olhos azuis na nativa de pele, olhos e cabelos escuros.

Já Thurman faz bem o seu papel de mãe em luto, em busca conectar-se de alguma forma com a sua falecida filha, algo semelhante ao desespero mórbido de Toni Collette, em Hereditário. Contudo, com mais parcimônia e menos impacto que o arrepiante filme de Ari Aster. Apenas o oitavo episódio imprime um tom mais sombrio e de horror ao seriado, já os dois últimos capítulos são longas explicações e jogos mentais entre as meninas em luta por pertencer um mesmo corpo, na verdade, destruí-lo.

Como as perguntas do seriado mudam conforme a trama avança, os roteiristas conseguem criar um clima de suspense, mas deixam as suas premissas perdidas em busca de uma nova virada no momento final da série. Desse modo, Chambers poderia ser um filme de duas horas com roteiro mais enxuto, uma mensagem melhor dissecada e um final entreaberto como no seriado – talvez em busca de uma segunda temporada (?).

Criada pela novata Leah Rachel, Chambers ressoa como um argumento com final pré-determinado antes do desenvolvimento dos caminhos e personagens, por isso, a produção soma equívocos e insinuações sem aprofundamento. Em contrapartida, a protagonista comanda uma digna performance em luta pela posse do seu corpo. O último ato, por fim, apresenta algo abordado no seriado True Blood (2008-2014) para completar o esqueleto de assuntos possíveis em uma obra de terror.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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