A dupla Chloe x Halle, formada por Chloe e Halle Bailey, surgiu ainda em 2013 com uma arte que fazia covers a diversas divas do pop. Não demorou muito para que a lendária Beyoncé se apaixonasse pela rendição que as irmãs haviam realizado com “Pretty Hurts”, uma de suas músicas mais icônicas. A partir daí, as duas aceitaram o convite de integrarem a multi-milionária Parkwood Entertainment, supervisionada pela Queen-B, e entrando em uma carreira meteórica em tempo recorde. Não é surpresa que, sendo consideradas como o brilhante futuro do R&B, elas já tenham sido indicadas a duas categorias do Grammy Awards e, a cada dia, são agraciadas com uma fama merecida.
Agora, dois anos após o lançamento de seu primeiro álbum de estúdio, Chloe x Halle retornam para os holofotes com a estreia de ‘Ungodly Hours’. O novo CD é uma competente produção que explora, talvez mais que a investida anterior (‘The Kids Are Alright’), as habilidades e as incursões vocais de ambas as artistas, bem como letras recheadas com uma envolvência sensual e imediatamente relacionável com qualquer ouvinte que venha procurando boas músicas. Além disso, as irmãs se unem com a icônica produtora e compositora Nija Charles – que é conhecida por trabalhar com alguns dos maiores nomes da indústria fonográfica, incluindo SZA, Cardi B e Lady Gaga. O resultado é uma homenagem clássica e ao mesmo tempo contemporânea a um gênero que já vinha se saturando no cenário mainstream, com uma revisitação poderosa ao fin de siècle.
A maior conquista desse novo álbum é, com certeza absoluta (e como já foi mencionado por cima), a versatilidade sonora à qual somos apresentados. Afinal, seguindo os passos – e as claras influências – de Destiny’s Child, Aaliyah e Alicia Keys, Chloe e Halle não pensam duas vezes antes de provarem para o que vieram. A introdução mescla-se com fluidez a “Forgive Me”, uma faixa bombardeada com o espectro do trap e do trap-pop através das batidas de uma seca percussão e de um orgânico piano ao fundo – e, apesar de sua coesão do começo ao fim e de performances on point de ambas as integrantes da dupla, é um tanto quanto destoante quanto colocada ao lado das críticas e pungentes tracks que a procedem, incluindo a onírica “Baby Girl” e a nu-funk “Do It” (que não poderia ser mais representativo à estética noventista que influencia as cantoras).
À medida que as breve treze faixas vão se desenrolando, percebe-se que as artistas tratam sua imagem sem quaisquer escrúpulos, transformando-se em audaciosas vozes para a nova geração e em futuros ícones da música, livrando-se de rótulos segregacionistas para dar vida a um gênero próprio – do mesmo modo que Solange com ‘When I Get Home’, ou até mesmo AURORA com basicamente todas as suas produções. Essa concepção abstrata começa a se concretizar com a trindade formada por “Tipsy”, a faixa homônima “Ungodly Hour” e “Busy Boy” – esta certamente uma das melhores canções do ano.
“Tipsy” funde em um mesmo escopo sinestésico o oitentismo dos sintetizadores, os drills e a familiar retroatividade de uma bateria usada de forma nada ortodoxa, resgatando o aspecto atribulado do new jack swing com poder descomunal e uma letra que discorre sobre relacionamentos tóxicos e um estigma histérico comumente associado às mulheres pretas; “Ungodly Hour” reduz o tempo em uma apaixonante declamação romântica que tangencia uma deliciosa e pecaminosa blasfêmia muito bem estruturada e que não perde a chance de ser uma das entregas mais mercadológicas da obra; concluindo o streak irretocável, “Busy Boy” opta por uma atmosfera dark que nos arremessa de volta para os últimos anos da década de 2010, pegando certas progressões que dialogam com o extinto e subestimado grupo Mis-Teeq.
“Catch Up”, por sua vez, é um irreverente divisor de água que dá início à segunda metade do álbum, optando por afastar-se do confortável saudosismo e fixar-se na atualidade e num futurista prospecto para o gênero analisado nesta crítica. É a partir daí que o interlúdio-esque “Overwhelmed”, pecando pela curtíssima duração, se arquiteta e prepara o terreno para a balada com ares new-wave “Lonely”, valendo-se de inflexões emocionantes que alcançam agudos que não achávamos necessários até ouvirmos. Já em “Don’t Make It Harder On Me”, temos um convite gospel guiado pelo baixo e pela guitarra e por um dos maiores anthems R&B dos últimos anos, revestindo-se com solilóquios sobre superação e amadurecimento.
Em comparação às obras que nos entregaram nos anos anteriores, as irmãs Bailey parecem finalmente ter se rendido à esfera menos faturada e mais voltada à cultura mainstream – e talvez esse seja o único erro desse glorioso CD. Afinal, à medida que o retorno às faixas lentas e respaldadas nos conceitos fonográficos da elegia épica, percebe-se que, novamente, nada é o que parece ser e, se imaginávamos alguma coisa, a construção das tracks muda de direção no meio do caminho – “Wonder What She Thinks of Me” é a principal representante desse choque proposital. “ROYL”, nutrindo-se de uma mimética cortesia para ‘Lemonade’, é a perfeita canção para fechar esse ciclo de pura sensorialismo que não nos cansa em momento algum.
‘Ungodly Hours’ supera todas as expectativas que tínhamos acerca da identidade da dupla Chloe x Halle, mostrando que, dia após dia, sua presença ganha mais fúria em um momento crítico para a representatividade e para o padronizado entretenimento contemporâneo.
Nota por faixa:
- Intro – 5/5
- Forgive Me – 4/5
- Baby Girl – 5/5
- Do It – 4,5/5
- Tipsy – 5/5
- Ungodly Hour – 5/5
- Busy Boy – 5/5
- Catch Up (feat. Mike WiLL Made-It) – 4,5/5
- Overwhelmed – 4/5
- Lonely – 4,5/5
- Don’t Make It Harder On Me – 5/5
- Wonder What She Thinks of Me – 4,5/5
- ROYL – 5/5