sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Clube Zero – Mia Wasikowska protagoniza insípida sátira sobre alimentação “saudável”

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Um dos filmes mais decepcionantes da Mostra Competitiva do Festival de Cannes 2023 chega aos cinemas brasileiros dia 25 de abril. Protagonizado por Mia Wasikowska (Alice no País das Maravilhas), Clube Zero é uma sátira de temas pertinentes como consciência de classe, alienação parental e juvenil, além de distúrbio alimentares e falsos gurus, porém nunca deixa a superfície das problemáticas ao redor dos seus personagens. 

Ambientado em uma escola particular exclusiva para adolescentes de famílias ricas, onde todos os uniformes são camisetas amarelas e shorts beges, o filme da austríaca Jessica Hausner (Little Joe: A Flor da Felicidade) possui uma assepsia de cores pastéis e escuras, além de uma estética pouco usual a um reduto estudantil para jovens. Dessa forma, todos os personagens possuem uma plasticidade quase irrealista.  



Nesta dinâmica, a diretora Sra. Dorset (Sidse Babett Knudsen) gaba-se das atitudes inovadoras do seu instituto de educação. Uma delas é a contratação da Sra. Novak (Mia Wasikowska), a qual possui uma marca de chá saudável e ministrará o curso de Alimentação Consciente. Quem seria contra tal assunto ser ensinado aos jovens? 

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A princípio, o curso é sobre ter atenção plena ao ato de comer, a redução do desperdício de alimentos e a exclusão de ultraprocessados, além dos benefícios do meio ambiente por conta da diminuição de consumo e produção. Como um curso optativo, a nova disciplina reúne um pequeno grupo de estudantes e, na sua primeira aula, a professora questiona o que cada um deles pretende aprender durante o período. 

Se o termo responsabilidade social aparece entre alguns interessados, a resposta mais comum são os créditos garantidos no final do curso para uma disciplina aparentemente fácil. Um dos alunos até mesmo conta a qualificação para uma bolsa de estudo a partir dos créditos extras. Ao começar explicar sua visão do mundo e passar os exercícios, as situações começam a ser ridículas, mas não ao ponto de tornar-se cômicas, pois são adolescentes seguindo ordens de uma figura de autoridade.

Em um primeiro tempo, a Sra. Novak pede aos alunos que comam vagarosamente e em pedaços pequenos, em seguida para comerem apenas pequenas porções por dia, até o seu plano mais ambicioso. De forma entusiasmada, a professora conta sobre os seus projetos e encoraja os alunos mais frágeis a fazer parte do seu privilegiado círculo chamado “Clube Zero”, isto é, uma revolucionária proposta na qual jovens sobrevivem sem comida alguma.

Ao final dos passos de seu programa, Sra. Novak consegue que cinco adolescentes continuem o curso e passem a rejeitar comida de forma sistemática. Os pais começam a se preocupar somente quando as consequências físicas são evidentes. Só que uma das jovens, Elsa (Ksenia Devriendt), possui realmente transtorno alimentar e o costume de vomitar depois das refeições, vindo da observação da própria mãe completamente aficionada com a própria aparência.  

Essas situações familiares, entretanto, nunca parecem aprofundadas aos problemas de cada uma dessas crianças facilmente iludidas por um adulto mal intencionado. A questão do abuso de poder também não é o centro da discussão, os pais pedem o afastamento da professora, mas tudo é feito de modo polido e educado. Como se o absurdo da situação fosse apenas um mal entendido, ninguém pronuncia as palavras-chaves: anorexia, bulimia, transtorno alimentar ao tratar de uma questão que pode custar a vida dos próprios filhos. 

A diretora e roteirista ao lado de Géraldine Bajard, contudo, apela para uma cena de ruminação, isto é, da adolescente comer o próprio vômito na frente dos pais em um ato de rebeldia. Ao mesmo tempo, o filme não propõe um julgamento sobre as intenções da professora ou da responsabilidade da diretora da escola.

Seria ela uma fanática religiosa, uma manipuladora habilidosa ou uma sádica cientista? Não sabemos, pois a personagem é interpretada de maneira monótona, sem expressão ou explicações sobre suas reais crenças e experimentos. Podemos traçar um paralelo temático com o filme O Milagre (The Wonder, 2022), do chileno Sebastián Lelio, o qual leva-nos a questionar como a fé faz as pessoas perderem o chão da realidade e machucar outros ao redor em busca de uma “promessa” de santidade a partir da rejeição aos alimentos. 

Ao evitar os temas os quais joga na mesa, Jessica Hausner apresenta um filme sem alma e propósito, mesmo diante de uma aposta satírica. Sem discutir as ameaças de discurso profético, nem os distúrbios imagéticos dos jovens, muito menos, a escalada entre a busca de uma vida saudável – mental e física – até o absurdo de viver sem alimentação, Clube Zero esvazia-se de reflexão ou até mesmo da possibilidade do humor cáustico, como em Triângulo da Tristeza (2022), e torna-se uma obra insípida. 

Lançado na Mostra Competitiva do 76a edição do Festival de Cannes, Clube Zero chega aos cinemas brasileiros dia 25 de abril de 2024.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Ambientado em uma escola particular exclusiva para adolescentes de famílias ricas, onde todos os uniformes são camisetas amarelas e shorts beges, o filme da austríaca Jessica Hausner (Little Joe: A Flor da Felicidade) possui uma assepsia de cores pastéis e escuras, além de uma estética pouco usual a um reduto estudantil para jovens. Dessa forma, todos os personagens possuem uma plasticidade quase irrealista.  

Nesta dinâmica, a diretora Sra. Dorset (Sidse Babett Knudsen) gaba-se das atitudes inovadoras do seu instituto de educação. Uma delas é a contratação da Sra. Novak (Mia Wasikowska), a qual possui uma marca de chá saudável e ministrará o curso de Alimentação Consciente. Quem seria contra tal assunto ser ensinado aos jovens? 

A princípio, o curso é sobre ter atenção plena ao ato de comer, a redução do desperdício de alimentos e a exclusão de ultraprocessados, além dos benefícios do meio ambiente por conta da diminuição de consumo e produção. Como um curso optativo, a nova disciplina reúne um pequeno grupo de estudantes e, na sua primeira aula, a professora questiona o que cada um deles pretende aprender durante o período. 

Se o termo responsabilidade social aparece entre alguns interessados, a resposta mais comum são os créditos garantidos no final do curso para uma disciplina aparentemente fácil. Um dos alunos até mesmo conta a qualificação para uma bolsa de estudo a partir dos créditos extras. Ao começar explicar sua visão do mundo e passar os exercícios, as situações começam a ser ridículas, mas não ao ponto de tornar-se cômicas, pois são adolescentes seguindo ordens de uma figura de autoridade.

Em um primeiro tempo, a Sra. Novak pede aos alunos que comam vagarosamente e em pedaços pequenos, em seguida para comerem apenas pequenas porções por dia, até o seu plano mais ambicioso. De forma entusiasmada, a professora conta sobre os seus projetos e encoraja os alunos mais frágeis a fazer parte do seu privilegiado círculo chamado “Clube Zero”, isto é, uma revolucionária proposta na qual jovens sobrevivem sem comida alguma.

Ao final dos passos de seu programa, Sra. Novak consegue que cinco adolescentes continuem o curso e passem a rejeitar comida de forma sistemática. Os pais começam a se preocupar somente quando as consequências físicas são evidentes. Só que uma das jovens, Elsa (Ksenia Devriendt), possui realmente transtorno alimentar e o costume de vomitar depois das refeições, vindo da observação da própria mãe completamente aficionada com a própria aparência.  

Essas situações familiares, entretanto, nunca parecem aprofundadas aos problemas de cada uma dessas crianças facilmente iludidas por um adulto mal intencionado. A questão do abuso de poder também não é o centro da discussão, os pais pedem o afastamento da professora, mas tudo é feito de modo polido e educado. Como se o absurdo da situação fosse apenas um mal entendido, ninguém pronuncia as palavras-chaves: anorexia, bulimia, transtorno alimentar ao tratar de uma questão que pode custar a vida dos próprios filhos. 

A diretora e roteirista ao lado de Géraldine Bajard, contudo, apela para uma cena de ruminação, isto é, da adolescente comer o próprio vômito na frente dos pais em um ato de rebeldia. Ao mesmo tempo, o filme não propõe um julgamento sobre as intenções da professora ou da responsabilidade da diretora da escola.

Seria ela uma fanática religiosa, uma manipuladora habilidosa ou uma sádica cientista? Não sabemos, pois a personagem é interpretada de maneira monótona, sem expressão ou explicações sobre suas reais crenças e experimentos. Podemos traçar um paralelo temático com o filme O Milagre (The Wonder, 2022), do chileno Sebastián Lelio, o qual leva-nos a questionar como a fé faz as pessoas perderem o chão da realidade e machucar outros ao redor em busca de uma “promessa” de santidade a partir da rejeição aos alimentos. 

Ao evitar os temas os quais joga na mesa, Jessica Hausner apresenta um filme sem alma e propósito, mesmo diante de uma aposta satírica. Sem discutir as ameaças de discurso profético, nem os distúrbios imagéticos dos jovens, muito menos, a escalada entre a busca de uma vida saudável – mental e física – até o absurdo de viver sem alimentação, Clube Zero esvazia-se de reflexão ou até mesmo da possibilidade do humor cáustico, como em Triângulo da Tristeza (2022), e torna-se uma obra insípida. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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