quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Cobra Kai 1ª Temporada – 34 anos depois de Karatê Kid e o mundo mudou bastante

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Inversão de Valores

Você já se perguntou por onde andariam os personagens daquele seu filme favorito de infância? Enquanto a continuação de Goonies (1985) não chega, outro grande favorito da década de 1980 ganha reimaginação nos dias de hoje. Mas não é exatamente o que pensamos. A verdade é que o clássico da Sessão da Tarde, Karatê Kid, já havia ganhado três continuações (sim, estamos contando o quarto e descartável episódio com Hilary Swank) e um reboot em 2010, protagonizado por Jackie Chan e Jaden Smith. Então, uma nova abordagem foi tentada aqui.

Sequências tardias de produtos saídos da década de 1980 também não são novidade. De Indiana Jones, passando por Tron e Rambo, chegando a Wall Street e Blade Runner, o cinema vive nos presenteando com o complemento de histórias do passado, muitos anos (às vezes décadas) depois, variando em seu resultado. Mas Cobra Kai pertence a uma nova vertente, tampouco inédita, que se encaixaria num quesito à parte, no qual podemos incluir Ash Vs. Evil Dead como um dos exemplares recentes bem sucedidos: o das séries que continuam filmes.



Ash vs Evil Dead | Análise da 1º Temporada – Disponível na Netflix (FINALMENTE!)

E se já havíamos achado Ash Vs Evil Dead respeitoso de seu material original, Cobra Kai é ainda mais aprofundado em sua adaptação de Karatê Kid para os novos tempos. A série chega como carro-chefe do novo serviço de streaming pago, acoplado à plataforma de vídeos mais popular da internet, o Youtube Red. Produzida pelo astro Will Smith e sua Overbrook Entertainment, a ideia para a continuação tardia surgiu, em partes, por um conceito perpetuado ao longo dos anos, que ultimamente ganhou muita força entre os aficionados. A teoria de que Daniel “San” LaRusso era na verdade o bully do colégio, o rapaz que chega na cidade, rouba a namorada de seu antagonista e provoca as brigas, se fazendo passar por vítima.

Embora o roteiro não mergulhe totalmente nesta proposta, ele aborda sim muito do que é mostrado pela visão de Johnny Lawrence, o lutador rival do protagonista em Karatê Kid (1984). Ganhamos inclusive um episódio que traz um momento que brinca com tal teoria, onde Johnny relembra os eventos do primeiro filme, se colocando como a vítima de Daniel.

Para os papeis de Johnny e Daniel San, saem do ostracismo seus intérpretes originais, William Zabka e Ralph Macchio respectivamente. O que por si só já é motivo de celebração. A dupla produz a série também. O legal aqui é a inversão de valores, ao encontrarmos o menino rico do colégio no fundo do poço, mostrando o quanto suas escolhas o prejudicaram, e o underdog prosperando.

Logo nos dois primeiros episódios (os únicos liberados sem precisar pagar), sentimos pena do promissor Johnny, transformando a nostalgia em melancolia. É impossível não se identificar com o sujeito, associando qualquer parte de nossas vidas que não está exatamente aonde planejamos na infância ou adolescência. Esperamos apenas que não seja o penhasco no qual o personagem se vê pendurado. Preso ao passado e suas glórias de outrora, Johnny se mostra aqui um personagem bem mais complexo do que jamais fora. Zabka se entrega de cabeça, com muita honestidade e alegria de atuação.

Aos poucos o sujeito errático começa a perceber que agora pode ser o protagonista, e o herói de sua própria história de verdade. Cobra Kai é ambíguo o suficiente para não tomar partido, escolher lado, ou personificar vilões e mocinhos. O roteiro bem trabalhado desenha situações realísticas, mais alinhado com o mundo moderno. Este é outro grande toque do programa, fazer referências e homenagear o passado, mas centrando tudo no hoje e sintonizando estas duas épocas tão distintas.

Daniel LaRusso por outro lado, apesar de bem sucedido e à primeira vista dentro de um “comercial de margarina” com a vida perfeita ao lado da família, se vê as voltas com situações envolvendo seus filhos. O caçula é mimado ao ponto do insuportável, criado longe de qualquer conceito de simplicidade e humildade, a contragosto do progenitor. Enquanto sua filha mais velha Samantha, papel da carismática Mary Mouser, parece caminhar no lado errado dos trilhos, em termos de amizades e relacionamentos amorosos. A menina está a ponto de atravessar a tênue linha que a colocaria em colisão com seu pai, se voltássemos no tempo trinta anos.

Johnny acolhe e logo se vê treinando um jovem rapaz latino chamado Miguel (Xolo Maridueña), que mora em seu prédio. A ideia de trazer de volta a antiga academia de karatê Cobra Kai, na qual ele foi treinado, surge e em pouco tempo Johnny está ensinando sua visão deturpada da arte marcial, em uma filosofia bem diferente da que foi passada a Daniel pelo mestre Miyagi (o saudoso Pat Morita, falecido em 2005). O personagem sábio, e assim também o ator, são homenageados em variados momentos ao longo da primeira temporada. Fato que traz aperto no coração e nó na garganta de qualquer ser humano dono do mínimo de emoção.

Existem muitas referências ao filme original, assim como às duas primeiras sequências, apontando o elo perfeito para esta mitologia. Um deles é a citação à personagem de Elisabeth Shue, Ali, o interesse afetivo de ambos Johnny e Daniel no primeiro filme, e grande motivo de suas desavenças. A personagem é mencionada e ganha certo destaque mais para o fim da temporada, mas não chega a aparecer. Já fica o desejo para a 2ª temporada, que ganhou sinal verde recentemente. Lucille LaRusso, a mãe de Daniel, novamente vivida por Randee Heller, tem participação especial. E além disso, o último episódio traz dos “mortos” um personagem muito importante, deixando um incrível e inquietante gancho para a trama de Cobra Kai.

Com 10 episódios variando de 20 a 30 minutos de duração (o último chega perto dos 40), humor e drama nas medidas certas, Cobra Kai se mostra uma das melhores empreitadas televisivas do ano. O empenho de todos os envolvidos, seja na frente das câmeras, ou no roteiro e direção, estabelece a ponte perfeita com a nostalgia. Karatê Kid, que sempre foi sobre mestres e alunos, dá destaque igualmente para a nova geração, e nos coloca a par do mundo de hoje, gerando assim um choque cultural entre épocas tão distintas. Todos que viveram a década de 1980 e precisaram se readaptar no mundo, se sentirão incluídos nesta verdadeira carta de amor.

Honrando o material original, e se mostrando antenado com os novos tempos, Cobra Kai fala sobre traumas de vidas passadas, resgatados e precisando ser novamente curados. Fala sobre segundas e terceiras chances, sobre renovação e família. Aborda temas universais, de fácil acesso e conexão, banhando tudo em um saboroso entretenimento à moda antiga, que faz muita falta nos dias de hoje.

Nas palavras imortais do senhor Miyagi: “Não existem alunos ruins, apenas professores ruins”. Também não existem produtos audiovisuais ruins quando sua confecção é apaixonada e minuciosamente detalhada pelos realizadores.

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Sequências tardias de produtos saídos da década de 1980 também não são novidade. De Indiana Jones, passando por Tron e Rambo, chegando a Wall Street e Blade Runner, o cinema vive nos presenteando com o complemento de histórias do passado, muitos anos (às vezes décadas) depois, variando em seu resultado. Mas Cobra Kai pertence a uma nova vertente, tampouco inédita, que se encaixaria num quesito à parte, no qual podemos incluir Ash Vs. Evil Dead como um dos exemplares recentes bem sucedidos: o das séries que continuam filmes.

Ash vs Evil Dead | Análise da 1º Temporada – Disponível na Netflix (FINALMENTE!)

E se já havíamos achado Ash Vs Evil Dead respeitoso de seu material original, Cobra Kai é ainda mais aprofundado em sua adaptação de Karatê Kid para os novos tempos. A série chega como carro-chefe do novo serviço de streaming pago, acoplado à plataforma de vídeos mais popular da internet, o Youtube Red. Produzida pelo astro Will Smith e sua Overbrook Entertainment, a ideia para a continuação tardia surgiu, em partes, por um conceito perpetuado ao longo dos anos, que ultimamente ganhou muita força entre os aficionados. A teoria de que Daniel “San” LaRusso era na verdade o bully do colégio, o rapaz que chega na cidade, rouba a namorada de seu antagonista e provoca as brigas, se fazendo passar por vítima.

Embora o roteiro não mergulhe totalmente nesta proposta, ele aborda sim muito do que é mostrado pela visão de Johnny Lawrence, o lutador rival do protagonista em Karatê Kid (1984). Ganhamos inclusive um episódio que traz um momento que brinca com tal teoria, onde Johnny relembra os eventos do primeiro filme, se colocando como a vítima de Daniel.

Para os papeis de Johnny e Daniel San, saem do ostracismo seus intérpretes originais, William Zabka e Ralph Macchio respectivamente. O que por si só já é motivo de celebração. A dupla produz a série também. O legal aqui é a inversão de valores, ao encontrarmos o menino rico do colégio no fundo do poço, mostrando o quanto suas escolhas o prejudicaram, e o underdog prosperando.

Logo nos dois primeiros episódios (os únicos liberados sem precisar pagar), sentimos pena do promissor Johnny, transformando a nostalgia em melancolia. É impossível não se identificar com o sujeito, associando qualquer parte de nossas vidas que não está exatamente aonde planejamos na infância ou adolescência. Esperamos apenas que não seja o penhasco no qual o personagem se vê pendurado. Preso ao passado e suas glórias de outrora, Johnny se mostra aqui um personagem bem mais complexo do que jamais fora. Zabka se entrega de cabeça, com muita honestidade e alegria de atuação.

Aos poucos o sujeito errático começa a perceber que agora pode ser o protagonista, e o herói de sua própria história de verdade. Cobra Kai é ambíguo o suficiente para não tomar partido, escolher lado, ou personificar vilões e mocinhos. O roteiro bem trabalhado desenha situações realísticas, mais alinhado com o mundo moderno. Este é outro grande toque do programa, fazer referências e homenagear o passado, mas centrando tudo no hoje e sintonizando estas duas épocas tão distintas.

Daniel LaRusso por outro lado, apesar de bem sucedido e à primeira vista dentro de um “comercial de margarina” com a vida perfeita ao lado da família, se vê as voltas com situações envolvendo seus filhos. O caçula é mimado ao ponto do insuportável, criado longe de qualquer conceito de simplicidade e humildade, a contragosto do progenitor. Enquanto sua filha mais velha Samantha, papel da carismática Mary Mouser, parece caminhar no lado errado dos trilhos, em termos de amizades e relacionamentos amorosos. A menina está a ponto de atravessar a tênue linha que a colocaria em colisão com seu pai, se voltássemos no tempo trinta anos.

Johnny acolhe e logo se vê treinando um jovem rapaz latino chamado Miguel (Xolo Maridueña), que mora em seu prédio. A ideia de trazer de volta a antiga academia de karatê Cobra Kai, na qual ele foi treinado, surge e em pouco tempo Johnny está ensinando sua visão deturpada da arte marcial, em uma filosofia bem diferente da que foi passada a Daniel pelo mestre Miyagi (o saudoso Pat Morita, falecido em 2005). O personagem sábio, e assim também o ator, são homenageados em variados momentos ao longo da primeira temporada. Fato que traz aperto no coração e nó na garganta de qualquer ser humano dono do mínimo de emoção.

Existem muitas referências ao filme original, assim como às duas primeiras sequências, apontando o elo perfeito para esta mitologia. Um deles é a citação à personagem de Elisabeth Shue, Ali, o interesse afetivo de ambos Johnny e Daniel no primeiro filme, e grande motivo de suas desavenças. A personagem é mencionada e ganha certo destaque mais para o fim da temporada, mas não chega a aparecer. Já fica o desejo para a 2ª temporada, que ganhou sinal verde recentemente. Lucille LaRusso, a mãe de Daniel, novamente vivida por Randee Heller, tem participação especial. E além disso, o último episódio traz dos “mortos” um personagem muito importante, deixando um incrível e inquietante gancho para a trama de Cobra Kai.

Com 10 episódios variando de 20 a 30 minutos de duração (o último chega perto dos 40), humor e drama nas medidas certas, Cobra Kai se mostra uma das melhores empreitadas televisivas do ano. O empenho de todos os envolvidos, seja na frente das câmeras, ou no roteiro e direção, estabelece a ponte perfeita com a nostalgia. Karatê Kid, que sempre foi sobre mestres e alunos, dá destaque igualmente para a nova geração, e nos coloca a par do mundo de hoje, gerando assim um choque cultural entre épocas tão distintas. Todos que viveram a década de 1980 e precisaram se readaptar no mundo, se sentirão incluídos nesta verdadeira carta de amor.

Honrando o material original, e se mostrando antenado com os novos tempos, Cobra Kai fala sobre traumas de vidas passadas, resgatados e precisando ser novamente curados. Fala sobre segundas e terceiras chances, sobre renovação e família. Aborda temas universais, de fácil acesso e conexão, banhando tudo em um saboroso entretenimento à moda antiga, que faz muita falta nos dias de hoje.

Nas palavras imortais do senhor Miyagi: “Não existem alunos ruins, apenas professores ruins”. Também não existem produtos audiovisuais ruins quando sua confecção é apaixonada e minuciosamente detalhada pelos realizadores.

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