quarta-feira, abril 24, 2024

Crítica de Álbum | SHE IS COMING – Miley Cyrus está de volta

Dois anos depois de ter lançado seu último álbum, intitulado ‘Younger Now’, Miley Cyrus retorna aos holofotes com o segundo EP de sua carreira: ‘SHE IS COMING’. O minidisco, composto por seis breves faixas, é de fato um choque para os fãs que a vêm acompanhando desde quando lançou sua primeira obra ainda em 2008 e perceberam uma mudança drástica quando a cantora alcançou sua independência criativa em ‘Bangerz’ – uma produção subestimada, por assim dizer. Aqui, Cyrus retorna mais uma vez para a era supracitada e não pensa duas vezes antes de criar letras poderosas. O escopo em questão aqui é encontrar um “estado da arte” puro para a artista, dialogando diretamente com sua única expressividade – ainda que as boas intenções falhem em alguns momentos.

De fato, o álbum se talha sobre um tom confessional que oscila entre uma atmosfera “não ligo para o que você diz” até as declamações de amor que permitem que as tracks contrastem entre si em uma hábil construção. A perspectiva artística de Miley é basicamente colocada em cheque, ainda mais considerando o número excessivo de produtores e de parcerias – apenas batendo os olhos, temos a presença de Andrew Wyatt, Mark Ronson, Swae Lee e RuPaul. Partindo desse princípio, a lead singer poderia muito bem ser ofuscada dentro de uma miscelânea musical incompreensível; felizmente, não é isso o que acontece, e já na canção de abertura, “Mother’s Daughter”, percebemos que Cyrus profere um hino de autossuficiência que deixa uma coisa bem clara: “não mexa com a minha liberdade”, pois “sou filha da minha mãe”.

A mezzosoprano faz um bom uso de seus vocais, procurando delineações complexas que unam-se à ambiência instrumental um tanto quanto monótona, por assim dizer. É claro que essa provavelmente foi a principal ideia trazida pelos compositores e produtores, mas é inegável dizer que as batidas bem marcadas da bateria e do teclado sintetizado mergulham em um premeditável desenrolar: contendo-se durante as estrofes iniciais e seguindo os crescendos e recuos da voz principal, até se estabilizar num convencional bridge. Sem sombra de dúvida, o tom quase epistolar de “Unholy” é o suficiente para nos lançar num híbrido de trap com pop que reflete o desejo do eu-lírico em jogar tudo para cima (“eu estou um pouco bêbada, sei disso; mas todo mundo também está”).

O trap retorna com mais força em “D.R.E.A.M.”, dividindo os holofotes ao lado de Ghostface Killah. A música em questão funciona em diversos sentidos, desde o seu título bastante sugestivo até a arquitetura onírica que carrega dialogismos sonoros e líricos com versos eximiamente criados. E mais: o tempo de duração nem mesmo chega aos três minutos, impedindo que os ouvintes se cansem e consigam aproveitar ao máximo uma jornada inebriante e conhecida por grande parte das gerações mais jovens (a culminação talvez encontre terreno fértil com a frase “acordar com novas tatuagens em meu corpo”).

Uma das faixas mais aguardadas do EP é “Cattitude”, em que Miley se une com RuPaul em uma clássica construção electro-pop que se inicia com frases memoráveis da drag queen. O escopo beira um vogue tribal com construções mais obscuras, mas que nos transmitem uma sensação fragmentária que apenas depois encontra uma sustentação musical mais plena. De fato, a cantora poderia ter abraçado essa nova investida por si só, visto que a manutenção do tom acusativo linear dialoga em uma deliciosa e proposital redundância; no final das contas, é quase óbvio perceber a transposição dessa track para as pistas de dança (de forma a não ligarmos para o que a superficial letra quer nos passar). Dito isso, Ru funciona com um elemento adicional que, eventualmente, se perde e é esquecido.

“Party Up The Street” abandona os trejeitos urbanos e noturnos das faixas anteriores e prefere se fincar numa ambiência mais sutil e envolvente, principalmente quando aliada à harmonização entre Miley e Swae Lee. Em uma belíssima contradição, a narrativa insurge nos momentos finais de um night club e dos corolários antes das portas se fecharem. A presença dos violinos no último ato, entretanto, podem adicionar certo aspecto onírico (aliado a “sabemos o que acontece depois que escurece”), mas deslocam-se de forma anacrônica e estranha, por assim dizer.

É automático perceber a colaboração de Mark Ronson com a artista. “The Most” é o principal ápice do miniálbum, contrariando as construções convencionais de uma obra fonográfica: a identidade de Ronson resgata trabalhos anteriores, como ‘Joanne‘, para dar vida a uma desconstruída balada, retomando também o tom confessional visto nas faixas anteriores. A lead, por sua vez, não se força para nos contar sua história e, além disso, traz lembranças de suas raízes e referências artísticas.

‘SHE IS COMING’ funciona em grande parte e, no geral, é bastante aprazível. O problema reside em canções soltas e no número impressionante de colaborações e de nomes por trás da gestação do EP. Miley Cyrus nos rouba a atenção, claro – mas poderia ter monopolizado nossos ouvidos ainda mais.

Nota por faixa:

  • Mother’s Daughter – 3/5
  • Unholy – 4/5
  • D.R.E.A.M. (feat. Ghostface Killah) – 4,5/5
  • Cattitude (feat. RuPaul) – 3/5
  • Party Up The Street – 4/5
  • The Most – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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