domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Dois Estranhos – Curta-Metragem da Netflix indicado ao Oscar é fruto do #BlackLivesMatter

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O ano de 2020 foi muito impactante para todas as sociedades, e em muitos níveis. Não estamos falando apenas da pandemia, mas principalmente dos desdobramentos dela – a partir dos quais as desigualdades mundiais ficaram mais evidentes. Um dos acontecimentos mais marcantes do ano passado foi o assassinato covarde de George Floyd, sufocado pelo joelho de um policial branco. A morte desse homem desencadeou uma onda de protestos pelas ruas dos Estados Unidos, quando milhares de pessoas saíram às ruas pedindo respeito pela vida das pessoas pretas – o que conseguiu no movimento #BlackLivesMatter . Meses depois, o público já começa a colher os frutos desse momento histórico-social: temos hoje disponível o curta-metragemDois Estranhos’, da Netflix, indicado ao Oscar 2021 nesta categoria.



Carter (Joey Badass) acaba de acordar no apartamento de Perri (Zaria Simone). Como todo jovem depois de uma noite de sexo incrível, ele se sente atraído pela moça, porém precisa voltar para sua própria casa, pois seu cachorro está sozinho há muito tempo e precisa ser alimentado. Carter sai do local prometendo telefonar mais tarde. Já na rua, ele para pra pegar um cigarro de sua mochila, mas, sem querer, acaba esbarrando em um rapaz e derrama o café que este segurava. É o suficiente para o policial Merk (Andrew Howard) abordá-lo de maneira estúpida, sem nenhum direito ou motivo, e o desenrolar dessa trágica primeira abordagem é que Merk mata Carter. Em seguida, Carter abre os olhos e se vê novamente na cama de Perri, preso em um looping infinito no qual ele passa a tentar inúmeras formas de chegar ao seu próprio apartamento sem ser parado por Merk no caminho – sem ser morto por um policial no caminho.

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Escrito por Travon Free, ‘Dois Estranhos’ parte da premissa sci-fi do indivíduo preso num determinado espaço-tempo para elaborar sua crítica social: o que é ficção científica para uns, para a população preta é o terror diário, como já nos mostrou Jordan Peele. E o filme é muito, muito bem dirigido, por conduzir as emoções do espectador sem a gente nem perceber que está sendo levado. Mesmo que a gente crie expectativas, o curta de Travon Free e Martin Desmond Roe não deixa a gente se afastar da realidade. Para tal, aproveita todas as oportunidades – são mais de cem! – para mostrar para o espectador que o racismo estrutural é uma engrenagem maquiavélica terrível, dificílima de ser parada. Não passa despercebido também, em uma das ocasiões quando Carter é assassinado, a poça de sangue que se forma ao seu redor, em clara menção ao sangue preto oriundo de África.

Em apenas trinta e dois minutos de duração ‘Dois Estranhos’ constrói uma narrativa potente, direta, pulsante e real. Em poucos minutos, o curta demonstra como a tecnologia do racismo é um jogo do eu ganho no qual o não-branco nunca ganha. Indicado como um dos finalistas ao Oscar de Melhor Curta-Metragem, é, sem dúvida, merecedor desse prêmio e, mais ainda, do seu tempo. É um filme para ser visto por todos para que um dia consigamos interromper esse ciclo.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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O ano de 2020 foi muito impactante para todas as sociedades, e em muitos níveis. Não estamos falando apenas da pandemia, mas principalmente dos desdobramentos dela – a partir dos quais as desigualdades mundiais ficaram mais evidentes. Um dos acontecimentos mais marcantes do ano passado foi o assassinato covarde de George Floyd, sufocado pelo joelho de um policial branco. A morte desse homem desencadeou uma onda de protestos pelas ruas dos Estados Unidos, quando milhares de pessoas saíram às ruas pedindo respeito pela vida das pessoas pretas – o que conseguiu no movimento #BlackLivesMatter . Meses depois, o público já começa a colher os frutos desse momento histórico-social: temos hoje disponível o curta-metragemDois Estranhos’, da Netflix, indicado ao Oscar 2021 nesta categoria.

Carter (Joey Badass) acaba de acordar no apartamento de Perri (Zaria Simone). Como todo jovem depois de uma noite de sexo incrível, ele se sente atraído pela moça, porém precisa voltar para sua própria casa, pois seu cachorro está sozinho há muito tempo e precisa ser alimentado. Carter sai do local prometendo telefonar mais tarde. Já na rua, ele para pra pegar um cigarro de sua mochila, mas, sem querer, acaba esbarrando em um rapaz e derrama o café que este segurava. É o suficiente para o policial Merk (Andrew Howard) abordá-lo de maneira estúpida, sem nenhum direito ou motivo, e o desenrolar dessa trágica primeira abordagem é que Merk mata Carter. Em seguida, Carter abre os olhos e se vê novamente na cama de Perri, preso em um looping infinito no qual ele passa a tentar inúmeras formas de chegar ao seu próprio apartamento sem ser parado por Merk no caminho – sem ser morto por um policial no caminho.

Escrito por Travon Free, ‘Dois Estranhos’ parte da premissa sci-fi do indivíduo preso num determinado espaço-tempo para elaborar sua crítica social: o que é ficção científica para uns, para a população preta é o terror diário, como já nos mostrou Jordan Peele. E o filme é muito, muito bem dirigido, por conduzir as emoções do espectador sem a gente nem perceber que está sendo levado. Mesmo que a gente crie expectativas, o curta de Travon Free e Martin Desmond Roe não deixa a gente se afastar da realidade. Para tal, aproveita todas as oportunidades – são mais de cem! – para mostrar para o espectador que o racismo estrutural é uma engrenagem maquiavélica terrível, dificílima de ser parada. Não passa despercebido também, em uma das ocasiões quando Carter é assassinado, a poça de sangue que se forma ao seu redor, em clara menção ao sangue preto oriundo de África.

Em apenas trinta e dois minutos de duração ‘Dois Estranhos’ constrói uma narrativa potente, direta, pulsante e real. Em poucos minutos, o curta demonstra como a tecnologia do racismo é um jogo do eu ganho no qual o não-branco nunca ganha. Indicado como um dos finalistas ao Oscar de Melhor Curta-Metragem, é, sem dúvida, merecedor desse prêmio e, mais ainda, do seu tempo. É um filme para ser visto por todos para que um dia consigamos interromper esse ciclo.

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