quinta-feira , 21 novembro , 2024

Crítica | Dying – Excelente e Cáustico Drama Familiar sobre Morte e Ausência de Amor [Berlim 2024]

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Com a abertura de um vídeo de uma criança falando sobre a vida da natureza e os créditos pintados como desenhos infantis, Dying é uma odisseia familiar sobre o ciclo da vida. Escrito e dirigido pelo alemão Matthias Glasner, o enredo começa com Lissy Lunies (Corinna Harfouch) no chão cercada por fezes, enquanto tenta ligar para o filho sem sucesso e o seu marido Gerd Lunies (Hans-Uwe Bauer) é encontrado vagando seminu pela vizinhança. 

Aos 70 e poucos anos, o casal enfrequenta a dificuldade da velhice, Gerd está em um estado de demência senil avançado e Lissy caminha com a ajuda de uma bengala e convive com diveras doenças debilitantes. Apesar de terem dois filhos, eles não fazem parte do cotidiano dos dois, os quais têm dificuldade para tarefas simples como comprar mantimentos, tomar banho e cuidar de si mesmos.



Quando Gerd é internado numa clínica, Lissy aprecia o seu momento de paz e nenhum remorso por livrar-se do marido. Ela acabara de ter um infarto e o marido era só mais um peso, entre outros na sua trajetória próxima ao fim. Com certa ousadia de tocar a verve do abandono e desamor familiar, Glasner não poupa o público de cenas ao mesmo tempo revoltantes e doloridas. Basta ter mais de 30 anos para acompanhar casos semelhantes na própria família e reconhecer os sentimentos dicotômicos. 

Dividido em cinco capítulo: Os Lunies, Tom Lunies (Lars Eidinger), Ellen Lunies (Lilith Stangenberg), O amor, A vida, Dying completa o seu ciclo explorando todos os ângulos dessa família para tratar de um assunto global, mas sob uma luneta de traumas mínimos e particulares de seus personagens, sejam eles desajustados emocionais, sejam apenas demasiado frios sob a perspectiva da ordem social. 

Cada capítulo é iniciado com uma aquarela justamente em contraposição aos verdadeiros tons do filme, carregado de camadas cinzas e pretas. Apesar do humor ácido por conta das confissões controversas e pulsões de mortes, Dying consegue arrancar risos, mesmo que nervosos, pela tragédia grotesca de suas situações e as decisões em cena.

Se a família é sagrada, o objetivo do enredo é desmistificá-la e colocá-la em um patamar de ciclo natural como das plantas e flores. Em outras palavras, nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos, um antes, outros depois. Segundo a narrativa, os instintos maternos, paternos, fraternas são falácias discursivas incutidas em nossas disposições químicas (hormônios) ou físicas (ações de sobrevivência). 

As pulsões de morte encontram-se em qualquer indivíduo lidando com  frustrações. Vemos Tom Lunies, o filho mais velho a viver um pesadelo para reger o espetáculo Dying”, ao lado do compositor e amigo depressivo Bernard (Robert Gwisdek), enquanto ajuda a ex-namorada Liv (Anna Bederke) a criar o bebê de outro homem. Em sua trajetória, existem fragmentos de desejos não realizados, atalhos tomados em busca de algo perdido e escolhas dúbias em resposta a sua alienação sentimental. 

De um outro lado, a sua irmã Ellen trabalha como auxiliar de dentista, mas todas as noite perde-se para o álcool sem saber onde pode acordar e como. Ele encontra alento ao lado de Sebastian Vogel (Ronald Zehrfeld), um colega de trabalho, casado e pai de dois filhos, com o qual tem idílicos encontros alcoólicos. Quando tenta assumir um compromisso mais sério, entretanto, as coisas descarrilham. Embora apareça apenas no terceiro ato da narrativa, Ellen é a amálgama de traumas dessa família ausente de sentimentos e aproximadas pelo fim do ciclo da vida. 

As questões de perdão, aceitação e arrependimentos passam longe da escrita de Mathias Glazer, premiada com o Urso de Prata de Melhor Roteiro, no Festival de Berlim 2024. Na contramão dos dramas familiares, o cineasta alemão não apresenta a morte como ponto de virada para gestos nobres. O fim de uma existência é mostrado como parênteses para um, dois pontos para outros, e, enfim, um ponto final para o indivíduo afetado, mas nunca uma vírgula para um novo começo.

Com ousadia de machucar e nos jogar de encontro aos nossos piores e incubados sentimentos, Dying sai do lugar comum das lições morais, das buscas de significados para vida e do sofrimento do luto. Na cena final, Matthias Glazer mostra-nos que, apesar de tudo — traumas, violências, decepções — o ciclo da vida continua em cada esquina e até mesmo no encontro desapaixonado entre um homem e uma mulher. Intencionalmente seco e frio, Dying é uma obra que fala realmente do processo da morte: vazio e solitário.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Aos 70 e poucos anos, o casal enfrequenta a dificuldade da velhice, Gerd está em um estado de demência senil avançado e Lissy caminha com a ajuda de uma bengala e convive com diveras doenças debilitantes. Apesar de terem dois filhos, eles não fazem parte do cotidiano dos dois, os quais têm dificuldade para tarefas simples como comprar mantimentos, tomar banho e cuidar de si mesmos.

Quando Gerd é internado numa clínica, Lissy aprecia o seu momento de paz e nenhum remorso por livrar-se do marido. Ela acabara de ter um infarto e o marido era só mais um peso, entre outros na sua trajetória próxima ao fim. Com certa ousadia de tocar a verve do abandono e desamor familiar, Glasner não poupa o público de cenas ao mesmo tempo revoltantes e doloridas. Basta ter mais de 30 anos para acompanhar casos semelhantes na própria família e reconhecer os sentimentos dicotômicos. 

Dividido em cinco capítulo: Os Lunies, Tom Lunies (Lars Eidinger), Ellen Lunies (Lilith Stangenberg), O amor, A vida, Dying completa o seu ciclo explorando todos os ângulos dessa família para tratar de um assunto global, mas sob uma luneta de traumas mínimos e particulares de seus personagens, sejam eles desajustados emocionais, sejam apenas demasiado frios sob a perspectiva da ordem social. 

Cada capítulo é iniciado com uma aquarela justamente em contraposição aos verdadeiros tons do filme, carregado de camadas cinzas e pretas. Apesar do humor ácido por conta das confissões controversas e pulsões de mortes, Dying consegue arrancar risos, mesmo que nervosos, pela tragédia grotesca de suas situações e as decisões em cena.

Se a família é sagrada, o objetivo do enredo é desmistificá-la e colocá-la em um patamar de ciclo natural como das plantas e flores. Em outras palavras, nascemos, crescemos, nos reproduzimos e morremos, um antes, outros depois. Segundo a narrativa, os instintos maternos, paternos, fraternas são falácias discursivas incutidas em nossas disposições químicas (hormônios) ou físicas (ações de sobrevivência). 

As pulsões de morte encontram-se em qualquer indivíduo lidando com  frustrações. Vemos Tom Lunies, o filho mais velho a viver um pesadelo para reger o espetáculo Dying”, ao lado do compositor e amigo depressivo Bernard (Robert Gwisdek), enquanto ajuda a ex-namorada Liv (Anna Bederke) a criar o bebê de outro homem. Em sua trajetória, existem fragmentos de desejos não realizados, atalhos tomados em busca de algo perdido e escolhas dúbias em resposta a sua alienação sentimental. 

De um outro lado, a sua irmã Ellen trabalha como auxiliar de dentista, mas todas as noite perde-se para o álcool sem saber onde pode acordar e como. Ele encontra alento ao lado de Sebastian Vogel (Ronald Zehrfeld), um colega de trabalho, casado e pai de dois filhos, com o qual tem idílicos encontros alcoólicos. Quando tenta assumir um compromisso mais sério, entretanto, as coisas descarrilham. Embora apareça apenas no terceiro ato da narrativa, Ellen é a amálgama de traumas dessa família ausente de sentimentos e aproximadas pelo fim do ciclo da vida. 

As questões de perdão, aceitação e arrependimentos passam longe da escrita de Mathias Glazer, premiada com o Urso de Prata de Melhor Roteiro, no Festival de Berlim 2024. Na contramão dos dramas familiares, o cineasta alemão não apresenta a morte como ponto de virada para gestos nobres. O fim de uma existência é mostrado como parênteses para um, dois pontos para outros, e, enfim, um ponto final para o indivíduo afetado, mas nunca uma vírgula para um novo começo.

Com ousadia de machucar e nos jogar de encontro aos nossos piores e incubados sentimentos, Dying sai do lugar comum das lições morais, das buscas de significados para vida e do sofrimento do luto. Na cena final, Matthias Glazer mostra-nos que, apesar de tudo — traumas, violências, decepções — o ciclo da vida continua em cada esquina e até mesmo no encontro desapaixonado entre um homem e uma mulher. Intencionalmente seco e frio, Dying é uma obra que fala realmente do processo da morte: vazio e solitário.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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