terça-feira, abril 30, 2024

Crítica | Fale Comigo – Terror SURPREENDE ao navegar entre traumas e redes sociais

Os primeiros minutos de Fale Comigo (Talk to Me) já começam de forma chocante e brutal. A partir desse prólogo, a sensação australiana nos festivais de Sundance e Berlim de 2023 constrói ponto a ponto a drama da jovem Mia (Sophie Wilde), traumatizada pela recente morte da mãe, em junção ao compartilhamento de experiências bizarras nas redes sociais. 

Com produção da A24, pequenos detalhes como um canguru atropelado na estrada e os exóticos axolotes em um aquário dão o tom da ambientação do filme no grande país da Oceania. Criado pelos YouTubers e irmãos gêmeos Michael Philippou e Danny Philippou, do canal RackaRacka, Fale Comigo consegue entrar na dinâmica dos filmes de invocação de espíritos de maneira contemporânea e fugir do lugar comum das fórmulas norte-americanas. 

Diferente de roteiros arrastados no início e corridos nos últimos minutos, como, por exemplo, o recente Sobrenatural – A Porta Vermelha (2023), Fale Comigo mantém o ritmo, os mistérios e a dinâmica dos personagens em crescente tensão, assim como o interesse dos espectadores. Ao invés de tentar enganar o público de forma simplória, os diretores e roteiristas nos fazem entrar na dinâmica do jogo de espírito cunhado ao bel-prazer e divertimento daqueles que o invoca. 

Influenciadas pelos vídeos nas redes sociais dos seus amigos, os quais aparecem realmente engraçados e fora de órbita, as amigas Mia e Jade (Alexandra Jensen)  decidem participar de uma dessas festinhas diabólicas. Enquanto Jade faz a boa moça, Mia é mais dinâmica e ousada, logo, ela se voluntaria para dar a mão ao braço de gesso à sua frente e encontra-se com alguém do “além daqui”. A premissa soa familiar? Verdade ou Desafio (2018) e Ouija: O Jogo dos Espíritos (2014). Ou seja: Jogou o jogo? Encare as consequências! 

Aqui, as regras são simples: acenda uma vela, segure a mão de gesso e diga: “fale comigo”. Ao criar uma conexão, isto é, encontrar uma pessoa morta à sua frente, você diz “pode entrar”. O segredo é não deixar o “possessor” no seu corpo por mais de 90 segundos e apagar a vela no final. 

Durante este um minuto e meio, os jovens se divertem como se tivessem entrando em uma montanha-russa com oito loops seguidos. Até que alguém não siga as regras. Gremlins (1984), de Joe Dante, nos ensinou que basta expor ao sol, molhar ou alimentar o fofíssimo Gizmo depois da meia-noite que ele produz criaturas grotescas. Portanto, siga as regras.

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Durante a experiência, ao invés de perder a consciência, os jovens ficam como observadores do seu próprio corpo agindo de forma estranha e completamente aleatória à sua vontade. Durante o procedimento, há sempre várias câmeras de celular prontas para registrar um vexame e colocá-lo no Snapchat. Como eles são adolescentes normais, os vídeos rondam apenas as redes de colegas da escola e da vizinhança. 

O grande acerto de Fale Comigo é dosar perfeitamente a realidade com a fantasia. Se os jovens estão mexendo em terreno desconhecido e perigoso, o resultado logo chega as suas mãos em uma das cenas mais aterrorizantes do filme, na qual um dos personagens passa o limite dos 90 segundos e causa uma enorme reviravolta na brincadeira. De engraçada e um momento de descontração, a mão torna-se trágica, caso de polícia e um objeto perigoso.

Sem jogar todo o peso dos eventos no sobrenatural, o roteiro de Danny Philippou e Bill Hinzman aposta também no fardo de nossos inconscientes. Após ultrapassar o limite da conexão, Mia começa a ver o espírito da mãe em vários locais, ouve a sua voz e enxerga outras criaturas do mundo das sombras. Fale Comigo deixa evidente a confusão mental da menina misturada ao luto e traumas familiares.

Apesar de ser um filme de terror, Fale Comigo se alimenta do drama entre as amigas Mia e Jade, onde a segunda tenta suprir as carências da primeira, enquanto essa de forma discreta inveja a família e o namorado da amiga. A narrativa tem a preocupação de criar um cenário de carência, ausência e vulnerabilidade propício à entrega da jovem na incursão de outros espíritos. Afinal, a experiência da Mia é só dela, porém a loucura alheia pode afetar e machucar os outros ao redor.

Assim como o primeiro filme Sobrenatural (2010), de James Wan, é construído nos detalhes e tornar-se aterrorizante por conta da experiência dos personagens, Fale Comigo tem um ritmo crescente e fluído, no qual cada sequência revela uma particularidade entre os jovens e, desse modo, como a mão age sob o seu domínio. A narrativa de Mia, Jade, Riley (Joe Bird), Joss (Chris Alosio) e Hayley (Zoe Terakes) se conecta ao início do filme, porém não mastiga explicações aos espectadores. 

Com a pequena participação de Miranda Otto (Annabelle 2), como a mãe de Jade e do menino Riley, o filme ganha uma intensidade diferente da presença dos pais nos filmes de terror. Uma das cenas mais engraçadas do longa fora do contexto das possessões é a “investigação” desbocada da matriarca sobre uma possível festa na sua casa depois de deixar o lar para ir ao trabalho. 

São nessas minúcias que Fale Comigo capta a atenção do espectador sem necessidade de jump scares, isto é, pulos de susto fornecidos pela sonoplastia. Das tramas de terror envolvendo adolescentes na contemporaneidade, o longa australiano é um dos melhores filmes do gênero lançado nos últimos anos. Ele ainda lança uma chama de leve ao tema dos desafios bizarros na internet (fumar cotonetes ou asfixiar-se) praticados pelos mais novos.

Como projeto de dois jovens diretores iniciantes vindos do Youtube, Fale Comigo (Talk to Me) surpreende. A obra consegue manter o suspense sobre a origem dos espíritos e a da mão até o final e deixa uma brecha para interpretações e reflexões sobre as pontes entre o mundo daqui e o imaginário sombrio. 

 

Fale Comigo (Talk to Me) estreia dia 17 de agosto no Brasil. O filme foi lançado no dia 21 de janeiro de 2023 no Festival de Sundance e 21 de fevereiro no Festival de Berlim.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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