terça-feira, maio 7, 2024

Crítica | ‘Garotos Detetives Mortos’, spin-off de ‘Sandman’, é APAIXONANTE e ARREPIANTE do começo ao fim

Neil Gaiman é uma das forças criativas mais impetuosas e respeitadas de todos os tempos – principalmente por apresentar uma nova camada ao gênero de fantasia, amalgamando-a com drama, reflexões importantes sobre a vida e a morte (e sobre a própria sociedade), e com uma afeição inexplicável pela crueza e pela visceralidade. Não é surpresa que ele tenha ficado conhecido por títulos como ‘Coraline e o Mundo Secreto’, ‘American Gods’ e ‘Stardust – O Mistério da Estrela’, cada qual pautado em um âmbito narrativo diverso e que, ao mesmo tempo, condiz com a identidade do artista.

Em 2022, a Netflix lançou uma das adaptações mais aguardadas do panteão eternizado por Gaiman, ‘Sandman’, que logo quebrou recordes de audiência ao redor do mundo e ajudou a popularizar ainda mais essa potente, macabra e instigante história. Agora, a plataforma se reúne mais uma vez com a obra do autor para trazer ‘Garotos Detetives Mortos’ à vida – funcionando como um spin-off da história envolvendo Morpheus e consagrando-se como uma das melhores entradas recentes do serviço de streaming. Através de oito capítulos muito bem construídos, os showrunners Steve Yockey e Beth Schwartz unem forças para presentear os assinantes com uma releitura sólida e envolvente sob uma ótica recheada de ótimas quebras de expectativa, atuações convincentes e um finale que já nos prepara para uma possível segunda temporada.

A trama gira em torno de Edwin Pane (George Rexstrew) e Charles Rowland (Jayden Revri), dois fantasmas adolescentes que fundam uma agência de investigações paranormais que ajudam os espíritos com assuntos pendentes no mundo terreno a seguirem para o além-vida. Edwin e Charles, cada qual tendo falecido sob diferentes circunstâncias e em diferentes épocas, escondem-se da burocracia dos reinos etéreos para que não sejam pegos e para que deem continuidade a um trabalho de extrema importância – e que ganha uma nova camada quando cruzam caminho com a jovem médium Crystal Palace (Kassius Nelson), que é possuída por um perigoso demônio e que passa a ajudá-los depois de ser salva (mesmo contra a vontade de Edwin e de suas engessadas opiniões sobre trabalhar com os humanos).

Dessa forma, os três acabam se envolvendo com situações amedrontadoras e aterrorizantes e que culminam em uma jornada de autodescoberta e de preservação que é delineada com bastante esmero pelo time de diretores e de roteiristas. Apesar de alguns obstáculos enfrentados no caminho, é notável como as múltiplas subtramas, que envolvem uma perigosa bruxa chamada Esther (Jenn Lyon) e o fato de Crystal ter tido suas memórias roubadas por seu algoz, David (David Iacono), convergem para um ponto em comum e auxiliam na expansão da mitologia engendrada por Gaiman.

Um dos aspectos de maior sucesso da temporada de estreia é a forma como a narrativa, por mais insana e descabida que possa parecer a princípio, se mantém fiel ao que já nos foi apresentado na série original – mas sem deixar de investir em idiossincrasias apaixonantes e memoráveis. Enquanto ‘Sandman’ mergulhou em uma profundidade temática e sensorial, ‘Garotos Detetives Mortos’ parece pegar páginas emprestadas de produções como ‘Good Omens’ e ‘The Umbrella Academy’, garantindo que o teor cômico não seja excludente ao drama sobrenatural, e sim parte dele. Em contraposição, Yockey e Schwartz apostam fichas em um indesculpável terror jovem-adulto que não poderia acontecer se não fossem performances extremamente comprometidas do elenco protagonista e coadjuvante – com destaque a Rexstrew, Revri e Nelson em uma química espetacular e vibrante.

Lyon, ao encarnar Esther, calca a trajetória de uma das vilãs mais clássicas e apaixonantes do ano, afastando-se dos arcos de vítima explorados em produções similares e garantindo que a antagonista seja movida pela presunção, pela vingança e pela ambição desmedida – uma mixórdia ególatra que funciona do começo ao fim e que é guiada por um trabalho pautado no camp e em uma diabólica sensualidade. Yuyu Kitamura, dando vida ao principal escape cômico da narrativa, Niko, é outro membro do elenco que nos conquista desde os primeiros momentos em cena, enquanto Briana Cuoco (Jenny) e Ruth Connell (Enfermeira da Noite) trazem elementos de puro entretenimento macabro às telinhas. Além disso, é preciso comentar acerca da performance adorável de Caitlin Reilly e Max Jenkins como a descompensada e raivosa dupla de duendes que, volta e meia, ganham camadas durante os capítulos.

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Outro ponto que merece nossa atenção é o duplo caráter antológico-contínuo que se apodera da iteração: a trupe de detetives recebe a tarefa de desvendar mistérios que impedem os espíritos de seguirem em frentes, descobrindo assassinatos e tramas de vingança; todavia, esses supostos “casos isolados” têm um significado oculto ao posarem como reflexos para os arcos dos protagonistas, seja no enfrentamento de Crystal contra uma falta de identidade que a consome pouco a pouco, seja nos fantasmas de um passado distante que aterrorizam Charles – e o brilhantismo com qual cada subtrama é tratada é um dos motivos que nos faz devorar a obra de uma só vez.

Problemas de ritmo à parte (bem como algumas sequências apressadas demais para conseguirmos saborear como deveríamos), ‘Garotos Detetives Mortos’ é um bem-vindo acerto da Netflix e uma espécie de preparação para a próxima temporada de ‘Sandman’. Acompanhada de um gancho surpreendente, só podemos esperar que a história continue e que o cosmos de Neil Gaiman continue a ser explorado em seus mínimos e fantásticos detalhes.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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