Mad Gibson – Estrada da Fúria
Se para mais nada, Herança de Sangue serve para mostrar que o ex astro Mel Gibson ainda renderia um ótimo protagonista na franquia de futuros apocalípticos mais famosa da sétima arte: Mad Max – série que lançou a carreira do ator. Com estreia no prestigiado Festival de Cannes deste ano, o novo filme é Gibson, e os dois mesclam-se em perfeita simbiose. Veículo total para o protagonista retornar ao gênero que o consagrou, Herança de Sangue é puro escapismo em forma de homenagem.
Traçando inúmeros paralelos e referências com a vida pessoal e carreira de seu ator principal, a trama, baseada em um livro de Peter Craig, foi escrita a duas mãos pelo próprio Craig (também roteirista de filmes como Atração Perigosa e os dois últimos Jogos Vorazes) e Andrea Berloff – indicada ao Oscar por Straight Outta Compton: A História do NWA. Gibson, que uma vez foi o grande astro do cinema de Hollywood, participando de filmes de orçamentos colossais e dirigindo obras prestigiadas, viu o exílio imposto pela indústria que ajudou a alimentar e o acolheu no passado, devido a péssimas escolhas em sua vida pessoal – alcoolismo, acusações de antissemitismo e ameaças a ex-esposa.
Antes no topo do mundo, agora Gibson é visto como persona non grata em muitos círculos. Então, se torna curiosa e corajosa a escolha do ator em interpretar um alcoólatra em recuperação, libertado há pouco tempo da cadeia. Um homem falho, personagem trágico, que ressoa muito próximo ao estilo de vida do intérprete, traçando forte paralelo entre ficção e realidade. Além deste reflexo, as homenagens são muitas no filme do cineasta francês Jean-François Richet (Assalto à 13ª DP e Doce Veneno). Temos, por exemplo, a moradia do herói relutante: um trailer, o que remete imediatamente a Martin Riggs em Máquina Mortífera (1987); e cenas de perseguição por estradas desérticas com Gibson em uma moto – o que apela diretamente à série de George Miller.
Tirando toda a cobertura, o recheio de Herança de Sangue não é, por assim dizer, muito saboroso. O resultado acaba parecido com uma daquelas sobremesas lindas, das quais o gosto deixa a desejar. O roteiro escrito pelos talentosos profissionais até cria boas cenas, diálogos rápidos e alguns bem engraçados (destaque para um momento num motel de beira de estrada, envolvendo o jovem Thomas Mann, sempre bom em cena), e destaca o ponto chave da produção – o que muito provavelmente atraiu Gibson ao projeto – o relacionamento de pai e filha, muito recorrente na filmografia do ator, que na vida real possui um grande rebento.
Na história, Gibson interpreta Link, veterano em busca de redenção e do paradeiro da filha. Quando a menina, interpretada Erin Moriarty (que ainda precisa comer um pouco mais de feijão com arroz, soando um pouco desfalcada neste elenco), reaparece, ela traz consigo uma carga de más companhias, dispostas a exterminá-la. Agora, cabe ao paizão Gibson proteger sua cria, distribuindo um pouco de sua própria justiça aos malfeitores.
Bem, por esta rápida sinopse dá para perceber que o grosso de Herança de Sangue é o básico de filmes de ação e vingança, sem nada muito especial acrescentado na mistura. Bons atores como Diego Luna, Michael Parks e William H. Macy ficam restritos a papeis genéricos, levemente abrilhantados por seu carisma. Como dito, Herança de Sangue é Mel Gibson e se isso for o suficiente para você, este será um prato cheio, já que a primeira performance do astro em um pouco mais de dois anos é eficiente, encorpada, rústica e se mostra uma entrega comprometida.