A estreia de ‘Percy Jackson e os Olimpianos’, série live-action baseada na saga literária homônima de Rick Riordan, não poderia ter vindo em melhor hora: em um momento do cenário do entretenimento em que Hollywood parece fatigada em meio a revivals, reboots e remakes, ver uma incursão que segue tais passos dar certo é um respiro de originalidade, principalmente na contagem final de 2023. Não é surpresa que os dois primeiros episódios tenham sido bastante aclamados pela crítica mundial e pelos fãs dos romances, ambos rasgando elogios para a sólida fidelidade aos escritos de Riordan e para um elenco estelar que nos guiou por uma clássica jornada do herói.
Agora, adentramos o terceiro capítulo da adaptação: intitulado “Nossa Visita ao Empório de Anões de Jardim”, o enredo emerge como uma releitura de um dos momentos mais relembrados por parte do público que se deliciou com a saga literária, em que Percy (Walker Scobell), Annabeth (Leah Sava Jeffries) e Grover (Aryan Simhadri) enfrentam a temível górgona conhecida como Medusa (aqui, vivida por Jessica Parker Kennedy). Eventualmente, o episódio segue a ótima qualidade dos anteriores, senão a ultrapassa por encaixar-se em um ritmo que oscila entre o frenesi imagético e o necessário melodrama, tentando ao máximo se afastar dos equívocos estruturais cometidos na semana passada e aproveitando ao máximo as inflexões eternizadas por Joseph Campbell em sua bíblia heroica.
Como é de costume em produções do gênero, a primeira parte da série foi destinada a apresentar os personagens – colocando Scobell como um narrador onisciente que se mostrava ao mundo como uma criança diferente das outras. Após descobrir que é um semideus, isto é, fruto do enlace entre uma divindade e um humano, ele é escoltado pela mãe e pelo melhor amigo e protetor Grover até o Acampamento Meio-Sangue, onde conhece outros semideuses (ou crianças proibidas, como também são chamados) e é prenunciado a uma missão perigosa para reaver o Raio de Zeus, uma das armas mais poderosas de todo o universo – e cujo roubo o coloca no centro das acusações. Dessa forma, ele embarca nessa jornada ao lado de Grover e de Annabeth (com quem nutre de uma certa rixa, a princípio), cruzando o país para descer ao submundo, enfrentar o deus desertor Hades e, com sorte, garantir que a mãe saia de sua prisão infernal e retorne com ele para casa.
James Bobin, responsável por comandar os dois episódios predecessores, dá espaço na cadeira de diretor para Anders Engström, que conduz o desenrolar da história com maestria e permite que cada sequência tenha sua importância dentro de um cosmos maior. De certa forma, lidamos com uma investida antológica e contínua, ao mesmo tempo; o trio protagonista é forçado a desviar de sua trajetória quando atacado por Alecto (Megan Mullally) e sua irmã Fúria, que ainda precisam cumprir com a tarefa que lhes foi dada e capturar Percy. Para escaparem de uma derradeira ruína, eles se embrenham nas florestas de Nova Jersey até chegarem a um peculiar empório cuja dona é ninguém menos que Medusa, transformada em um “monstro” pelas mãos vingativas de Atena, mãe de Annabeth, e que tem o poder de transformar qualquer ser vivo em uma estátua de pedra.
O suposto “desvio” do encargo dado a Percy, Annabeth e Grover não existe à toa, seja no livro de Riordan, seja na adaptação do Disney+: é necessário que o arquétipo do herói, dividido entre os três personagens, passe por obstáculos que coloquem em xeque tanto seus valores quanto a confiança que sentem um pelo outro, permitindo que eles amadureçam e saibam como enfrentar o próximo desafio. Annabeth, por exemplo, tem a chance de “se livrar” de Percy caso o entregue a Alecto; Medusa, por sua vez, se mostra “protetora” de Percy e diz que, com apenas um pedido, ela pode transformar Annabeth e Grover em estátuas para seu jardim, permitindo que ele busque a mãe no submundo e não seja impedido por ninguém. Ao perceberem a armadilha que estão prestes cair, os dois são arremessados em um breve arco coming-of-age que é de suma importância para os próximos acontecimentos – e que permite que o público continue a se apaixonar pelos personagens.
Falar da atuação de Scobell, Jeffries e Simhadri já parece redundante, considerando que todos fazem um trabalho impecável que auxilia a eternizar personas que fazem parte do imaginário popular há bastante tempo. Aqui, os destaques são destinados a Mullally, que agora tem maior tempo de cena para reiterar a presença obscura e agourenta da Fúria que interpreta, e a Kennedy, que pega algumas páginas emprestadas da rendição de Uma Thurman no longa-metragem de 2010 à medida que alimenta o misticismo e a sedução perturbadora de Medusa.
Apesar das mínimas atribulações ao longo de seus breve quarenta minutos, o terceiro episódio de ‘Percy Jackson e os Olimpianos’ mantém a qualidade vista na semana anterior e começa a acreditar ainda com mais afinco em seu potencial – caminhando em direção ao aguardado clímax que é-nos antecipado pouco a pouco e que permite que saboreemos, com calma, cada uma das incursões promovidas por esse estupendo time criativo.