A modesta biografia do anjo bom da Bahia
Num ano cheio de cinebiografias nacionais, Irmã Dulce, uma das figuras religiosas mais importantes do Brasil contemporâneo, tem sua história contada pelo diretor Vicente Amorim, do ótimo Corações Sujos (2011), que faz um trabalho convencional, mas honesto e preciso. Ainda aproveitando o ensejo para falar, em segundo plano, do descaso (ou oportunismo) político e de dogmas católicos ultrapassados que permanecem vivos até hoje.
Mesmo não se aprofundando na infância e pré-adolescência da freira baiana, base do processo de identificação, Amorim destaca um momento que talvez tenha sido essencial para a garota seguir tal caminho – a morte da mãe (Glória Pires) em seus braços, numa situação precária de pobreza e desamparo social.
Já crescida e no convento, começamos a ver, de forma sequencial, os inúmeros gestos que deram a ela alcunha de o anjo bom da Bahia, como também uma ligação familiar com um garoto que praticamente adotou. A atriz Bianca Comparato constrói sua personagem em cima de uma voz suave, com sotaque e sempre interrupta pela tosse, já que esta sofria de uma doença pulmonar. Ainda assim, vemos em tela uma figura caricata e pouco crível. Deborah Secco chegou a ser escalada para o papel, mas abandonou o projeto por conflitos de agenda.
Na fase mais adulta, a veterana Regina Braga seguiu uma linha mais firme e dividiu com Amaurih Oliveira, o João, andamentos mais densos e até heroicos. Por outro lado, sua idade um tanto avançada em relação aos demais atores do primeiro núcleo, que se passa 20 anos antes, compromete. Além da equipe de maquiagem, nesse quesito, também ficar devendo.
Mas é nos feitos da freira – como a criação do Hospital Santo Antônio, que de um galinheiro se transformou num dos postos médicos mais importantes do lugar -, na boa direção de arte assinada por Daniel Flaksman e na fotografia de Gustavo Hadba que está a força do longa. E, sim, os planos na cidade são fechados, mas na igreja, no hospital e até mesmo nas favelas visitadas, vemos uma retratação fiel, bem auxiliada pelas lentes amarelecidas de Hadba.
E, mesmo seguindo a lógica da maioria das biografias, em que falhas são pouco expostas, ou sendo bem esquemático no que se refere à direção, narrativa e proposta, Amorim, no geral, não faz feio e entrega um filme deveras correto, que deve agradar seu público alvo.