quarta-feira, junho 26, 2024

Crítica | Kinds of Kindness – Yorgos Lanthimos DOMINA 3 histórias de ESTRANHEZA e SUBMISSÃO [Cannes 2024]

Em competição no Festival de Cannes 2024, Yorgos Lanthimos mostra mais uma vez o seu domínio pela mise en scène de choque e provocação sem nunca ultrapassar o limite do palpável em Kinds of Kindness (Tipos de Bondade, na tradução livre). É exatamente por este elemento que a estranheza das narrativas propostas pelo cineasta grego nos fascina, ela é fora do nosso cotidiano, mas assustadoramente próxima da nossa subjetividade. 

Mais uma vez ele se reúne com a sua musa de A Favorita (2018) e Pobres Criaturas (2023), Emma Stone, além da repetição do elenco do seu último trabalho Willem Dafoe e Margaret Qualley. Kinds of Kindness, no entanto, não apresenta a opulência visual dos seus dois últimos títulos supracitados e nomeados ao Oscar.

Kinds of Kindness

Pelo contrário, o seu lado fantasioso sai do encantamento visual e torna-se completamente algo a ser acompanhado com afinco pelo roteiro extremamente bem trabalhado. Assim como, em seus primeiros filme Dente Canino (2009), O Lagosta (2015) e O Sacrifício de Cervo Sagrado (2017), nos quais as premissas são descoladas da nossa realidade, mas tão próxima a ponto de nos causar um pequeno pavor e um grande mal estar, ele mistura um certo senso de desconforto ao alertar de um perigo à espreita em todas as três narrativas.

O ponto negativo de ser três enredos é a comparação inevitável entre eles. Temos três obras em sequência unidas por uma linha tênue, um personagem e os títulos de cada um deles: A morte de R.M.F.; R.M.F. está voando; e R.M.F. come um sanduíche. Logo, é provável que elegeremos um preferido, mas todos os contos são igualmente instigantes. O primeiro nos transporta a uma zona cinza entre submissão e poder, articulado de modo dramático e intenso por Jesse Plemons, como sempre, competente e assustador. 

Kinds of Kindness

Como seria viver tento as tarefas dos seu dia completamente controladas, desde a hora de acordar até os dias que você fará sexo e o que vai comer. Parece assustador, não? Para Robert (Jesse Plemons) pode ser o único sentido à sua existência. Em todos os três episódios, há separação de cores, do colorido saturado —  já uma marca do direto — para o preto e branco dos momentos oníricos. 

Estes instantes são os mais inspiradores sob a perspectiva de dar vida aos pensamentos mais furtivos da nossa imaginação. A segunda proposta é sobre a insólita sensação de desconfiança e nos deixarmos comandar, agora não por outra pessoa e a carência de ser amado, mas pela esquizofrenia do nosso consciente. O sonho de Liz (Emma Stone) sobre uma realidade alternativa, na qual os cachorros comandam os humanos é o ponto chave da mecânica desse longa tripartite e, cada vez mais, aumenta o nosso espanto e catarse. 

Com o título mais peculiar — comer um sanduíche —, o terceiro ato é uma submissão em comunidade, no qual a personagem Emily (Emma Stone) vive no limiar entre renunciar uma vida comezinha —  de casamento e filhos —  para uma busca maior. Esta parte é respaldada no tom cômico de uma seita de amor livre entre si e afastada dos outros, quase uma paródia illuminati. Nessa parte, também é introduzida a participação de Hunter Schafer (da série Euphoria), pequena mas eficiente ao ritmo da produção

Kinds of Kindness

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Embora Kinds of Kindness nos provoque a sentir emoções desagradáveis, ele não é uma obra tão memorável quanto os últimos trabalhos de Lanthimos, exatamente pela percepção de ser picotado. Sempre queremos acompanhar uma personagem em sua jornada mais profunda, porém, nesta compilação em três personagens distintos, temos a impressão de abandoná-los antes do tempo de termos um relacionamento satisfatório com eles. 

Apesar de Relatos Selvagens (2014), de Damián Szifron, fazer este tipo de pequenas narrativas temáticas e dar certo, a obra de Yorgos Lanthimos é provocativa, mas não tão incisiva quanto em Pobres Criatura ou Szifron. Portanto, apesar do gostinho bom na ponta da língua, Kinds of Kindness não é o bolo inteiro e nos sentimos usurpados de mais criaturas perturbadoras.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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