domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘Mais que Amigos’ usa as fórmulas a seu favor e entrega uma divertida rom-com

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Poucos gêneros cinematográficos encontraram tanto sucesso quanto as comédias românticas. Servindo como válvulas de escape por construírem histórias que fogem da realidade concreta, as rom-coms se tornaram muito populares nos anos 1990 e conquistaram o público ao redor do mundo – ainda que, desde então, tenham sofrido com a repetição excessiva de convencionalismos narrativos e estéticos. Com exceção de alguns títulos que descontruíram essa engessada estrutura (como o recente ‘Megarrromântico’, estrelado por Rebel Wilson), já fazia tempo desde que não víamos histórias de fato comoventes e envolventes – mas Billy Eichner conseguiu usar todos os elementos conhecidos para dar vida ao ótimo Mais que Amigos.

Dirigido por Nicholas Stoller, que não é nenhum estranho às rom-coms, e contando com o roteiro de Eichner e Stoller, o longa-metragem desmistifica os estereótipos encontrados em filmes similares ao trazer para o centro dos holofotes um homem gay chamado Bobby (que também é interpretado por Eichner), que beira os quarenta anos e praticamente desistiu do amor. Logo no começo da história, é notável como Bobby talvez tenha percebido que não nasceu para ficar com alguém em uma relação duradoura – e ele nem sequer procura por isso. Afinal, sua carreira de sucesso fala por conta própria, considerando que ele é diretor do vindouro museu LGBTQIA+ de Nova York, além de comandar um podcast que abarca discussões queer e fala com abertura invejável sobre o que bem quiser (indesculpável e descaradamente).



Mesmo posando como uma pessoa independente, ele sente falta de alguma coisa – não a companhia de outro alguém, mas algo que o ajude a preencher os vazios que não percebe. Bobby tem encontros casuais com vários homens e continua a se isolar em uma inóspita sensação de frivolidade, em que o sexo não é o suficiente para deixá-lo satisfeito. As coisas começam a mudar quando ele cruza caminho com Aaron (Luke Macfarlane), um advogado testamentário que tem o “corpo perfeito” dentro dos padrões perpetuados. Os dois começam a conversar e se lançam em uma jornada de autodescoberta de importância ímpar para compreender a complexidade da comunidade queer e que é destinado a seus membros (o que já vem causando certa euforia patética por parte dos homofóbicos).

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O filme se vale de inúmeras fórmulas imortalizadas pelo cinema mainstream: temos duas pessoas de mundos diferentes que cruzam caminho e se apaixonam; temos os apoios morais que servem como coadjuvante; e os obstáculos enfrentados pelos personagens para que cresçam, amadureçam e se reencontram de maneira espetacular e incrível. Entretanto, a sagacidade de Mais que Amigos vem num entendimento autoconsciente que beira a metalinguagem, na medida em que ambos os aspectos são mencionados no enredo. Bobby é apaixonado por obras clássicas que se tornaram ícones LGBTQIA+ e solta referências constantes para Aaron, como se procurasse entender seu comportamento evasivo; tudo fica mais claro quando Eichner imprime uma visão antropológica ao andamento dos protagonistas, em que, dentro da fugaz sociedade em que vivemos, nada é o bastante para nos manter satisfeitos por muito tempo.

Considerando que as rom-coms sofrem de um mal intrínseco há muitos anos, Stoller não tem muito o que fazer em relação à condução. Para aqueles que não conhecem o estilo do diretor, é só nos lembrarmos de ‘Ressaca de Amor’ e ‘Cinco Anos de Noivado’ (duas de suas incursões mais conhecidas) – e, aqui, o cineasta parece se divertir da mesma maneira que fazia tempos atrás. Porém, é notável como ele se inspira mais na construção das cenas, oferecendo algo para além das construções imagéticas e garantindo que cada engrenagem funcione com maestria e nos conduza até uma prática e previsível conclusão (não que isso seja um problema). E, cultivando o sentimento nostálgico da familiaridade, há sequências hilárias e relacionáveis, desde um jantar de festividades natalinas até um épico reencontro musical.

É claro que essa não é a primeira rom-com gay que vemos; ora, neste ano mesmo tivemos ‘Orgulho & Sedução’, estrelado por Joel Kim Booster e celebrando a cultura asiática; porém, a ambientação do longa é mais inalcançável do que a vista aqui, visto que ela depende da história para ocorrer. Eichner e Stoller unem forças para oferecer um lado diferente das investidas queer no cinema, construindo uma trama que seja relacionável àqueles que a vivenciam, e não àqueles que sempre foram retratados. De fato, ainda há um longo caminho a percorrer, mas introduzir um elenco totalmente LGBTQIA+ em um estúdio mainstream é um passo considerável para que conquistemos nosso merecido espaço ao lado de quem já é representado desde o início do cinema.

O elenco coadjuvante tem mais força que obras similares, guiado por performances estelares que se equiparam às de Eichner e Macfarlane. Temos Ts Madison como Angela, uma das dirigentes do museu que não passa a mão na cabeça de ninguém; Jim Rash como Robert, que não acredita que os bissexuais tenham voz o suficiente; Miss Lawrence como Wanda, símbolo da calma e da empatia que é mais forte do que aparenta; Dot-Marie Jones em uma espetacular rendição de Cherry, cujas convicções entram em conflito admirável com as de Robert; e Eve Lindley como a esperta e avoada Tamara, representante da Gen-Z e com um coração de ouro.

Apesar dos pontuais problemas de ritmo, Mais que Amigos é uma ótima e bem-vinda comédia romântica que vai para além das obviedades superficiais e consegue abraçar os convencionalismos de gênero sem se valer de arquétipos vencidos ou resoluções sem sentido. O resultado ultrapassa nossas expectativas e se consagra como uma divertida e comovente surpresa que vale a pena e vale seu ingresso.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Poucos gêneros cinematográficos encontraram tanto sucesso quanto as comédias românticas. Servindo como válvulas de escape por construírem histórias que fogem da realidade concreta, as rom-coms se tornaram muito populares nos anos 1990 e conquistaram o público ao redor do mundo – ainda que, desde então, tenham sofrido com a repetição excessiva de convencionalismos narrativos e estéticos. Com exceção de alguns títulos que descontruíram essa engessada estrutura (como o recente ‘Megarrromântico’, estrelado por Rebel Wilson), já fazia tempo desde que não víamos histórias de fato comoventes e envolventes – mas Billy Eichner conseguiu usar todos os elementos conhecidos para dar vida ao ótimo Mais que Amigos.

Dirigido por Nicholas Stoller, que não é nenhum estranho às rom-coms, e contando com o roteiro de Eichner e Stoller, o longa-metragem desmistifica os estereótipos encontrados em filmes similares ao trazer para o centro dos holofotes um homem gay chamado Bobby (que também é interpretado por Eichner), que beira os quarenta anos e praticamente desistiu do amor. Logo no começo da história, é notável como Bobby talvez tenha percebido que não nasceu para ficar com alguém em uma relação duradoura – e ele nem sequer procura por isso. Afinal, sua carreira de sucesso fala por conta própria, considerando que ele é diretor do vindouro museu LGBTQIA+ de Nova York, além de comandar um podcast que abarca discussões queer e fala com abertura invejável sobre o que bem quiser (indesculpável e descaradamente).

Mesmo posando como uma pessoa independente, ele sente falta de alguma coisa – não a companhia de outro alguém, mas algo que o ajude a preencher os vazios que não percebe. Bobby tem encontros casuais com vários homens e continua a se isolar em uma inóspita sensação de frivolidade, em que o sexo não é o suficiente para deixá-lo satisfeito. As coisas começam a mudar quando ele cruza caminho com Aaron (Luke Macfarlane), um advogado testamentário que tem o “corpo perfeito” dentro dos padrões perpetuados. Os dois começam a conversar e se lançam em uma jornada de autodescoberta de importância ímpar para compreender a complexidade da comunidade queer e que é destinado a seus membros (o que já vem causando certa euforia patética por parte dos homofóbicos).

O filme se vale de inúmeras fórmulas imortalizadas pelo cinema mainstream: temos duas pessoas de mundos diferentes que cruzam caminho e se apaixonam; temos os apoios morais que servem como coadjuvante; e os obstáculos enfrentados pelos personagens para que cresçam, amadureçam e se reencontram de maneira espetacular e incrível. Entretanto, a sagacidade de Mais que Amigos vem num entendimento autoconsciente que beira a metalinguagem, na medida em que ambos os aspectos são mencionados no enredo. Bobby é apaixonado por obras clássicas que se tornaram ícones LGBTQIA+ e solta referências constantes para Aaron, como se procurasse entender seu comportamento evasivo; tudo fica mais claro quando Eichner imprime uma visão antropológica ao andamento dos protagonistas, em que, dentro da fugaz sociedade em que vivemos, nada é o bastante para nos manter satisfeitos por muito tempo.

Considerando que as rom-coms sofrem de um mal intrínseco há muitos anos, Stoller não tem muito o que fazer em relação à condução. Para aqueles que não conhecem o estilo do diretor, é só nos lembrarmos de ‘Ressaca de Amor’ e ‘Cinco Anos de Noivado’ (duas de suas incursões mais conhecidas) – e, aqui, o cineasta parece se divertir da mesma maneira que fazia tempos atrás. Porém, é notável como ele se inspira mais na construção das cenas, oferecendo algo para além das construções imagéticas e garantindo que cada engrenagem funcione com maestria e nos conduza até uma prática e previsível conclusão (não que isso seja um problema). E, cultivando o sentimento nostálgico da familiaridade, há sequências hilárias e relacionáveis, desde um jantar de festividades natalinas até um épico reencontro musical.

É claro que essa não é a primeira rom-com gay que vemos; ora, neste ano mesmo tivemos ‘Orgulho & Sedução’, estrelado por Joel Kim Booster e celebrando a cultura asiática; porém, a ambientação do longa é mais inalcançável do que a vista aqui, visto que ela depende da história para ocorrer. Eichner e Stoller unem forças para oferecer um lado diferente das investidas queer no cinema, construindo uma trama que seja relacionável àqueles que a vivenciam, e não àqueles que sempre foram retratados. De fato, ainda há um longo caminho a percorrer, mas introduzir um elenco totalmente LGBTQIA+ em um estúdio mainstream é um passo considerável para que conquistemos nosso merecido espaço ao lado de quem já é representado desde o início do cinema.

O elenco coadjuvante tem mais força que obras similares, guiado por performances estelares que se equiparam às de Eichner e Macfarlane. Temos Ts Madison como Angela, uma das dirigentes do museu que não passa a mão na cabeça de ninguém; Jim Rash como Robert, que não acredita que os bissexuais tenham voz o suficiente; Miss Lawrence como Wanda, símbolo da calma e da empatia que é mais forte do que aparenta; Dot-Marie Jones em uma espetacular rendição de Cherry, cujas convicções entram em conflito admirável com as de Robert; e Eve Lindley como a esperta e avoada Tamara, representante da Gen-Z e com um coração de ouro.

Apesar dos pontuais problemas de ritmo, Mais que Amigos é uma ótima e bem-vinda comédia romântica que vai para além das obviedades superficiais e consegue abraçar os convencionalismos de gênero sem se valer de arquétipos vencidos ou resoluções sem sentido. O resultado ultrapassa nossas expectativas e se consagra como uma divertida e comovente surpresa que vale a pena e vale seu ingresso.

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