sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | May December – Todd Haynes cria sátira melodramática com Natalie Portman e Julianne Moore [Cannes 2023]

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Filme visto no Festival de Cinema de Cannes 2023.

Como compor um personagem baseado em fatos reais? Esta é a pergunta 100% das vezes feitas aos intérpretes na época de lançamento de seus filmes e séries. Como a indústria se acostumou a chamar, o laboratório é uma parte importante para os artistas entenderem seu personagem e apresentarem suas emoções. Apresentado em Competição no Festival de Cannes, May December é exatamente uma sátira melodramática deste processo.



Com um tom propositalmente baratinado, Todd Haynes (Carol) tem a intenção de criar uma metalinguagem de um drama televisivo. Para isso, ele conta com um elenco afiado encabeçado por Natalie Portman, como a atriz Elizabeth Berry, e Julianne Moore, na pele da indecifrável Gracie Atherton-Yoo. No meio da tensão entre as duas está o marido da segunda, Joe, vivido por Charles Melton (da série Riverdale).

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Se você cresceu na década de 1990, pode estar acostumado com a enxurrada de filmes sobre dramas familiares presentes na TV Globo, sábado à noite ou de madrugada durante a semana. Essas obras eram baseadas em casos reais, tinham pouco orçamento, atores desconhecidos e, portanto, uma uma produção decadente. A base do filme era a história sensacionalista por trás do emaranhado de péssimos diálogos. Alguns exemplos são os títulos: Violentada Pelo Destino (1994), Ato Imoral (1996) e Ciúme e Obsessão (1997). 

Com uma trilha sonora de suspense aguda e incessante, Tom Haynes constrói um relacionamento passivo-agressivo e um jogo de farsa entre as duas mulheres. Depois de 17 anos de um escândalo propagado em capas de jornais e revistas, o casal Gracie e Joe se confronta com as memórias do início do seu relacionamento conflituoso e, principalmente, criminoso. 

Quando Gracie conheceu Joe, ela era casada e tinha três crianças, enquanto ele era amigo da escola do seu filho. Aos 36 anos, Gracie teve relações sexuais com um adolescente de 13 anos e engravidou de gêmeos. Após cumprir sua pena perante a justiça, os dois estão casados e criaram os dois filhos, agora, prestes a entrarem na universidade. A chegada de Elizabeth desestabiliza o castelo de cartas criado ao longo dos anos por Gracie.

Sempre desconfiada e com uma aspereza ímpar, Gracie controla o marido e o trata como um dos seus rebentos. Situado em 2015, May December percorre o caminho de uma atriz avessa com o papel de detetive e psicóloga. Ao invés de apenas observar os dois para compor a sua personagem, ela invade os espaços do casal e, assim, expõe vários esqueletos no armário.

As duas atrizes estão brilhantes dentro do esquema criado por Tom Haynes, no entanto, a sátira não causa humor, mas um estranhamento. É possível compreender a dimensão que o diretor tenta alcançar desde a fotografia opaca dos filmes de baixo orçamento até as frases soltas sem sentido na narrativa. É interessante o crescente envolvimento de Elizabeth com a família Yoo, contudo, o exercício de confronto não é completamente resolvido.

Sob um aspecto de espelho, Elizabeth olha, olha e olha e não consegue enxergar exatamente o que há por baixo dos olhos e sorriso condescendente do seu “objeto de estudo”. Ela entrevista o ex-marido, os filhos, os sogros e todos parecem propensos a colocar Gracie em um pedestal de bravura, o qual a atriz deseja não somente copiar, mas também derrubar.  

Por que histórias polêmicas tornam-se filmes? May December é uma provocação ao sensacionalismo e a reprodução em busca da curiosidade do público. Entre o crime e a paixão, entender Gracie é uma tarefa árdua. Ver que seu marido é uma criança de 36 anos é constatar que ela não precisa de compreensão, mas de controle da sua ambição manipulativa. Cuidado, Gracie — através da maravilhosa Julianne Moore — também manipula o público.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com um tom propositalmente baratinado, Todd Haynes (Carol) tem a intenção de criar uma metalinguagem de um drama televisivo. Para isso, ele conta com um elenco afiado encabeçado por Natalie Portman, como a atriz Elizabeth Berry, e Julianne Moore, na pele da indecifrável Gracie Atherton-Yoo. No meio da tensão entre as duas está o marido da segunda, Joe, vivido por Charles Melton (da série Riverdale).

Se você cresceu na década de 1990, pode estar acostumado com a enxurrada de filmes sobre dramas familiares presentes na TV Globo, sábado à noite ou de madrugada durante a semana. Essas obras eram baseadas em casos reais, tinham pouco orçamento, atores desconhecidos e, portanto, uma uma produção decadente. A base do filme era a história sensacionalista por trás do emaranhado de péssimos diálogos. Alguns exemplos são os títulos: Violentada Pelo Destino (1994), Ato Imoral (1996) e Ciúme e Obsessão (1997). 

Com uma trilha sonora de suspense aguda e incessante, Tom Haynes constrói um relacionamento passivo-agressivo e um jogo de farsa entre as duas mulheres. Depois de 17 anos de um escândalo propagado em capas de jornais e revistas, o casal Gracie e Joe se confronta com as memórias do início do seu relacionamento conflituoso e, principalmente, criminoso. 

Quando Gracie conheceu Joe, ela era casada e tinha três crianças, enquanto ele era amigo da escola do seu filho. Aos 36 anos, Gracie teve relações sexuais com um adolescente de 13 anos e engravidou de gêmeos. Após cumprir sua pena perante a justiça, os dois estão casados e criaram os dois filhos, agora, prestes a entrarem na universidade. A chegada de Elizabeth desestabiliza o castelo de cartas criado ao longo dos anos por Gracie.

Sempre desconfiada e com uma aspereza ímpar, Gracie controla o marido e o trata como um dos seus rebentos. Situado em 2015, May December percorre o caminho de uma atriz avessa com o papel de detetive e psicóloga. Ao invés de apenas observar os dois para compor a sua personagem, ela invade os espaços do casal e, assim, expõe vários esqueletos no armário.

As duas atrizes estão brilhantes dentro do esquema criado por Tom Haynes, no entanto, a sátira não causa humor, mas um estranhamento. É possível compreender a dimensão que o diretor tenta alcançar desde a fotografia opaca dos filmes de baixo orçamento até as frases soltas sem sentido na narrativa. É interessante o crescente envolvimento de Elizabeth com a família Yoo, contudo, o exercício de confronto não é completamente resolvido.

Sob um aspecto de espelho, Elizabeth olha, olha e olha e não consegue enxergar exatamente o que há por baixo dos olhos e sorriso condescendente do seu “objeto de estudo”. Ela entrevista o ex-marido, os filhos, os sogros e todos parecem propensos a colocar Gracie em um pedestal de bravura, o qual a atriz deseja não somente copiar, mas também derrubar.  

Por que histórias polêmicas tornam-se filmes? May December é uma provocação ao sensacionalismo e a reprodução em busca da curiosidade do público. Entre o crime e a paixão, entender Gracie é uma tarefa árdua. Ver que seu marido é uma criança de 36 anos é constatar que ela não precisa de compreensão, mas de controle da sua ambição manipulativa. Cuidado, Gracie — através da maravilhosa Julianne Moore — também manipula o público.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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