Assistido durante o Festival de Toronto 2021
Uma realidade tantas vezes narrada em noticiários, a situação análoga à escravidão segue como sendo uma mancha viva e dolorosa na história contemporânea do Brasil. Mas em um país em que marcas de luxo como Le Lis Blanc fabricam suas peças por meio de trabalho escravo e vendem seus artigos por mais de mil reais – ajudando a sustentar um sistema corrupto, nunca falamos tão pouco sobre o assunto. Mas o cineasta Alexandre Moratto e a roteirista Thayná Mantesso abre essa caixa de pandora e entrega um thriller dramático fictício que estampa em si a dolorosa história de tantos homens e mulheres. Um brilhante original Netflix, 7 Prisioneiros é a memória viva de um país que ainda não foi liberto de seus fantasmas do passado.
A trama – inspirada em relatos reais de sobreviventes – se inicia como um sonho conhecido: O desejo de migrar do interior para a capital, em busca de dignidade para a família. Um grupo de jovens rapazes é convencido a mudar para São Paulo, sob a promessa de trabalhar em um ferro-velho e mudar a história de suas vidas. Mas em meio a um cenário insalubre, eles verão o desejo de um futuro promissor ser reduzido a uma vida de escravidão, miséria e sofrimento. E entre muros altos que abafam gritos de socorro, esses homens se tornam o reflexo de uma parcela generosa de pessoas que simplesmente desaparecem e são condenadas a uma espiral de abusos dos mais diversos.
E 7 Prisioneiros talvez seja um dos filmes mais dolorosos de se assistir. Honesto e cru, Moratto não suaviza sua narrativa e usa o entretenimento como uma forma poderosa de denunciar uma série de crimes que muitas das autoridades fazem vista grossa. Impactante e sensível, o drama mostra como o meio é capaz de extirpar a dignidade de um homem que só sonha em oferecer o melhor para a sua família. E apresentando personagens que se moldam como as diversas faces da escravidão contemporânea, o diretor entrega para a audiência uma análise crítica e quase documental sobre essa fatia da nossa história que nos enche de vergonha – mas que também é tão pouco combatida.
E com um roteiro brilhante que sabe elevar as tensões, à medida em que explora a complexidade dos seus personagens e o quão tênue é a linha entre vítima e cúmplice, o thriller nos presenteia com uma seleção impecável de atuações, lideradas por Christian Malheiros e Rodrigo Santoro. De corpo esguio e sempre com um certo aspecto de sujeira, este último é a voz do esquema corrupto, o elo de ligação entre as vítimas e os chefões que se beneficiam da indignidade e fragilidade alheia. Com uma performance que nos causa repulsa e constante indignação, ele entrega um de seus melhores trabalhos e fortalece sua versatilidade em cena, fazendo do filme uma experiência ainda mais palpável e dilacerante. Já Malheiros é a personificação do “fruto de seu meio”, um rapaz confuso e em constante conflito com seus princípios, que literalmente se vê entre a cruz e a espada.
Inquietante e angustiante, o thriller é uma experiência sinestésica que deixa um gosto amargo e provoca uma sofrida ansiedade na audiência. Sempre nos levando aos limites da injustiça, caminhamos quase duas horas de filme com expectativas de um final cinematográfico, piegas e leve. Mas 7 Prisioneiros chega aqui com a proposta ousada e conflitante de nos levar aos extremos de seus próprios personagens, nos embarcando em um drama que nos faz sangrar tamanha sua dor.
E com uma direção impecável que explora sempre as sombras e a expressividade de seus protagonistas, o novo original da Netflix é como um necessário soco na boca do estômago. que nos deixa à deriva entre pensamentos e reflexões profundas sobre um Brasil que sabemos que existe, mas que tantas vezes fazemos vista grossa também.