domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica Netflix | Boneco de Neve – Suspense é uma grande bagunça

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Jack Frost

Não, Boneco de Neve não é a continuação de Uma Noite Mágica (1998), comédia natalina com Michael Keaton. Tampouco mais uma sequência do terror tosco, de baixíssimo orçamento, Jack Frost (1997). Trata-se de um suspense baseado no livro homônimo, parte de uma série policial protagonizada pelo detetive Harry Hole, do autor norueguês Jo Nesbo.

Mas não apenas isso, olhe o pedigree do longa: produção de Martin Scorsese, edição de sua fiel escudeira Thelma Schoonmaker, distribuição da Universal, direção de Tomas Alfredson, e estrelado por Michael Fasssbender e Rebecca Ferguson. Ou seja, o sonho de qualquer cinéfilo.



Mas o filme que está fazendo tanto sucesso na Netflix é realmente bom?

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Na trama, o alcoólatra em recuperação Harry Hole é um detetive estrela da cidade de Oslo, na Noruega. Isso se deve pelo fato de que treinou com o FBI e estudou psicopatas, sendo o único policial da cidade a ter conseguido prender um – detalhe omitido do longa. Devido a isso, quando mulheres começam a desaparecer misteriosamente, algumas aparecendo mortas das formas mais cruéis, e bonecos de neve surgem nos locais, o errático homem da lei se mostra a escolha mais óbvia para tentar solucionar o caso. Na delegacia aparece Katrine Bratt, empenhada jovem agente, transferida da divisão de crimes sexuais, que desenvolve com Harry uma relação de pupilo e mentor.

Boneco de Neve é um whodunit (who done it?), termo usado para aquele tipo de suspense, sejam livros ou filmes, no qual precisamos descobrir o assassino perante um leque de possibilidades de personagens. Esta estrutura remete aos clássicos da literatura e do cinema, aos livros de Agatha Christie, por exemplo, e à velha máxima “o mordomo é o culpado” – quem nunca ouviu? De fato, o livro de Nesbo é um suspense básico, de caça ao serial killer, cuja particularidade do criminoso é espalhar bonecos de neve perto de seus ataques às vítimas, todas mulheres. Afinal, todo serial killer precisa de sua marca registrada.

O que conta, e muito, no livro são justamente as entrelinhas, os detalhes. A forma como o autor trabalha minuciosamente cada personagem, esmiuçando suas personalidades, criando para cada um deles um passado e uma história própria, entrelaçada igualmente em mistério e se misturando no todo, ao ponto de dificultar bastante uma adaptação, já que seria praticamente impossível retirar uma subtrama e os personagens nela envolvidos sem afetar o resultado final. Cada detalhe está interligado, como uma peça do grande quebra cabeça, capaz de ruir se um bloco for retirado.

Bem, até agora só falei do livro, que é sim um bom suspense e tem a capacidade de nos prender até o seu desfecho. Já o filme, escolhe um caminho bem mais tortuoso na hora de levar às telas o romance de Nesbo. Lembra o que eu disse das peças? Pois aqui no longa de Alfredson faltam tantas peças, que o quebra cabeças sequer consegue se erguer. Ele treme tanto que constantemente desaba. Tudo é tão despido e desmontado do livro, que, sem exageros, parece irreconhecível. É como se tivessem usado apenas os nomes dos personagens, mas retirado toda a sua personalidade, sua essência, seus relacionamentos uns com os outros, e as situações. Tudo é tão apressado, narrativa atropelada, grandes trechos esquecidos. Se o livro fosse um carro novo, o filme seria apenas sua carroceria, sem qualquer outra parte que o compõe, incluindo os pneus. E o que sabemos de carros sem pneus? Isso mesmo, ele não anda.

É realmente incrível, mas não dá para reconhecer nada do livro neste filme. Arcos dramáticos importantíssimos, como as constantes recaídas de Harry (Michael Fassbender), seja no álcool, ou com a ex-mulher Rakel (Charlotte Gainsbourg), e tudo que envolve Katrine (Rebecca Ferguson) e suas motivações, são jogados para escanteio sem a menor cerimônia. Mas aí você pergunta, e quem não leu livro. Receio que seja uma situação ainda pior, pois quem leu tem em mente o que poderia ter sido e a lembrança de algo melhor. Quem não leu ganhará apenas o mais genérico dos filmes de suspense, sem qualquer personalidade, sem alma, personagens apenas rascunhados e bons atores perdidos, lutando para não se afogar.

Até mesmo o motivo do assassino é alterado, criando uma revelação enfadonha, servido por um desfecho tão ridículo que beira risadas. De fato, os envolvidos precisaram se esforçar muito para tentar dar algum sentido a tudo, fazer as cenas terem alguma conexão. Em variados momentos me peguei boquiaberto, sem acreditar que tal cena tenha sido filmada, e pior, entrado no corte final do longa. São momentos pra lá de bizarros nos quais me perguntava se não teria outra forma de transmitir o almejado. Na apresentação de Harry e Rakel, por exemplo, o detetive ao acordar num banco de praça anda até a galeria onde a mulher trabalha e simplesmente para do lado de fora, olhando pela vidraça a ex-companheira falar. Já em outra cena, uma criança encapetada, faz caras e bocas demoníacas na janela do carro onde o detetive conversa com um suspeito. Acho que era a tentativa de um susto, mas não vingou.

Esta é outra deficiência de Boneco de Neve. É um suspense gelado, sem medo ou sustos. Não ficamos tensos ou tememos por qualquer dos personagens, pois não tivemos tempo suficiente para conhecê-los. O filme nos joga diretamente na ação e a sensação que fica é a de que começamos a ler um livro pela metade.

No lado positivo, Schoonmaker se vira como pode na montagem, e a fotografia de Dion Beebe é o chamariz. De resto, sabemos quando os envolvidos começam a se pronunciar contra o filme, como o diretor Alfredson (que afirmou ter deixado de filmar 15% do roteiro) e Fassbender (declarando sua falta de gosto pelo filme e seu desfecho), é que algo está realmente errado. Uma pena. Um baita desperdício de material, que poderia ter rendido uma interessante série policial no cinema; já que elogios como “macabro e perturbador, o livro mais ambicioso de Nesbo”, “diabolicamente complexo e terrivelmente prazeroso” e “tão arrepiante quanto O Silêncio dos Inocentes” foram tecidos respectivamente por importantes veículos como o The Guardian, New York Times e Sunday Times ao livro de Nesbo. Já ao filme de Alfredson, encontraremos poucos elogios.

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Não, Boneco de Neve não é a continuação de Uma Noite Mágica (1998), comédia natalina com Michael Keaton. Tampouco mais uma sequência do terror tosco, de baixíssimo orçamento, Jack Frost (1997). Trata-se de um suspense baseado no livro homônimo, parte de uma série policial protagonizada pelo detetive Harry Hole, do autor norueguês Jo Nesbo.

Mas não apenas isso, olhe o pedigree do longa: produção de Martin Scorsese, edição de sua fiel escudeira Thelma Schoonmaker, distribuição da Universal, direção de Tomas Alfredson, e estrelado por Michael Fasssbender e Rebecca Ferguson. Ou seja, o sonho de qualquer cinéfilo.

Mas o filme que está fazendo tanto sucesso na Netflix é realmente bom?

Na trama, o alcoólatra em recuperação Harry Hole é um detetive estrela da cidade de Oslo, na Noruega. Isso se deve pelo fato de que treinou com o FBI e estudou psicopatas, sendo o único policial da cidade a ter conseguido prender um – detalhe omitido do longa. Devido a isso, quando mulheres começam a desaparecer misteriosamente, algumas aparecendo mortas das formas mais cruéis, e bonecos de neve surgem nos locais, o errático homem da lei se mostra a escolha mais óbvia para tentar solucionar o caso. Na delegacia aparece Katrine Bratt, empenhada jovem agente, transferida da divisão de crimes sexuais, que desenvolve com Harry uma relação de pupilo e mentor.

Boneco de Neve é um whodunit (who done it?), termo usado para aquele tipo de suspense, sejam livros ou filmes, no qual precisamos descobrir o assassino perante um leque de possibilidades de personagens. Esta estrutura remete aos clássicos da literatura e do cinema, aos livros de Agatha Christie, por exemplo, e à velha máxima “o mordomo é o culpado” – quem nunca ouviu? De fato, o livro de Nesbo é um suspense básico, de caça ao serial killer, cuja particularidade do criminoso é espalhar bonecos de neve perto de seus ataques às vítimas, todas mulheres. Afinal, todo serial killer precisa de sua marca registrada.

O que conta, e muito, no livro são justamente as entrelinhas, os detalhes. A forma como o autor trabalha minuciosamente cada personagem, esmiuçando suas personalidades, criando para cada um deles um passado e uma história própria, entrelaçada igualmente em mistério e se misturando no todo, ao ponto de dificultar bastante uma adaptação, já que seria praticamente impossível retirar uma subtrama e os personagens nela envolvidos sem afetar o resultado final. Cada detalhe está interligado, como uma peça do grande quebra cabeça, capaz de ruir se um bloco for retirado.

Bem, até agora só falei do livro, que é sim um bom suspense e tem a capacidade de nos prender até o seu desfecho. Já o filme, escolhe um caminho bem mais tortuoso na hora de levar às telas o romance de Nesbo. Lembra o que eu disse das peças? Pois aqui no longa de Alfredson faltam tantas peças, que o quebra cabeças sequer consegue se erguer. Ele treme tanto que constantemente desaba. Tudo é tão despido e desmontado do livro, que, sem exageros, parece irreconhecível. É como se tivessem usado apenas os nomes dos personagens, mas retirado toda a sua personalidade, sua essência, seus relacionamentos uns com os outros, e as situações. Tudo é tão apressado, narrativa atropelada, grandes trechos esquecidos. Se o livro fosse um carro novo, o filme seria apenas sua carroceria, sem qualquer outra parte que o compõe, incluindo os pneus. E o que sabemos de carros sem pneus? Isso mesmo, ele não anda.

É realmente incrível, mas não dá para reconhecer nada do livro neste filme. Arcos dramáticos importantíssimos, como as constantes recaídas de Harry (Michael Fassbender), seja no álcool, ou com a ex-mulher Rakel (Charlotte Gainsbourg), e tudo que envolve Katrine (Rebecca Ferguson) e suas motivações, são jogados para escanteio sem a menor cerimônia. Mas aí você pergunta, e quem não leu livro. Receio que seja uma situação ainda pior, pois quem leu tem em mente o que poderia ter sido e a lembrança de algo melhor. Quem não leu ganhará apenas o mais genérico dos filmes de suspense, sem qualquer personalidade, sem alma, personagens apenas rascunhados e bons atores perdidos, lutando para não se afogar.

Até mesmo o motivo do assassino é alterado, criando uma revelação enfadonha, servido por um desfecho tão ridículo que beira risadas. De fato, os envolvidos precisaram se esforçar muito para tentar dar algum sentido a tudo, fazer as cenas terem alguma conexão. Em variados momentos me peguei boquiaberto, sem acreditar que tal cena tenha sido filmada, e pior, entrado no corte final do longa. São momentos pra lá de bizarros nos quais me perguntava se não teria outra forma de transmitir o almejado. Na apresentação de Harry e Rakel, por exemplo, o detetive ao acordar num banco de praça anda até a galeria onde a mulher trabalha e simplesmente para do lado de fora, olhando pela vidraça a ex-companheira falar. Já em outra cena, uma criança encapetada, faz caras e bocas demoníacas na janela do carro onde o detetive conversa com um suspeito. Acho que era a tentativa de um susto, mas não vingou.

Esta é outra deficiência de Boneco de Neve. É um suspense gelado, sem medo ou sustos. Não ficamos tensos ou tememos por qualquer dos personagens, pois não tivemos tempo suficiente para conhecê-los. O filme nos joga diretamente na ação e a sensação que fica é a de que começamos a ler um livro pela metade.

No lado positivo, Schoonmaker se vira como pode na montagem, e a fotografia de Dion Beebe é o chamariz. De resto, sabemos quando os envolvidos começam a se pronunciar contra o filme, como o diretor Alfredson (que afirmou ter deixado de filmar 15% do roteiro) e Fassbender (declarando sua falta de gosto pelo filme e seu desfecho), é que algo está realmente errado. Uma pena. Um baita desperdício de material, que poderia ter rendido uma interessante série policial no cinema; já que elogios como “macabro e perturbador, o livro mais ambicioso de Nesbo”, “diabolicamente complexo e terrivelmente prazeroso” e “tão arrepiante quanto O Silêncio dos Inocentes” foram tecidos respectivamente por importantes veículos como o The Guardian, New York Times e Sunday Times ao livro de Nesbo. Já ao filme de Alfredson, encontraremos poucos elogios.

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