sexta-feira, abril 19, 2024

Crítica Netflix | Megarromântico – Comédia usa metalinguagem para fugir do lugar comum

Depois dos anos 90, o gênero comédia romântica caminha meio cambaleante, com raras exceções, graças à diversidade cultural, de Podre de Ricos (2018) e Casamento Grego (2004). O público anda sem motivação para acompanhar a jornada de um casal por conta das toneladas de clichês reproduzidos sem parcimônia por estas produções. É este paradigma que Megarromântico (Isn’t It Romantic), de Todd Strauss-Schulson, tenta quebrar por meio da metalinguagem e sátira de filmes famosos do gênero.

A primeira cena é de uma adolescente (Alex Lis) acima do peso completamente encantada diante das cenas de Julia Roberts em Uma Linda Mulher (1990), quando a sua mãe (Jennifer Saunders) faz um discurso sobre como nada daquilo ocorre com “mulheres como elas”, ainda adiciona que caso a vida amorosa delas estivessem nos filmes “eles [os exibidores] teriam que colocar Prozac na pipoca e as pessoas se matariam”.

Na sequência, Natalie (Rebel Wilson) já adulta é uma arquiteta em uma grande firma, solteira e intolerante a qualquer assunto sobre relacionamentos amorosos. No entanto, ela é totalmente desacreditada como profissional e facilmente confundida como assistente de escritório e, claro, sem autoestima. Ou seja, ela é o perfil completo das protagonistas de comédias românticas sem personalidade, as quais encontram em um caso amoroso improvável o melhor de si.

Apesar de ter boas ideias, Natalie não sabe como se impor e trabalha sempre na expectativa de que alguém lhe dê uma chance, mas não possui iniciativa. Ao seu lado está a amiga Whitney (Betty Gilpin) e o colega Josh (Adam Devine), o qual possui uma paixonite por ela, mas Natalie o ignora completamente. Dado este cenário, Whitney aconselha a amiga a parar de agir na defensiva e deixar as pessoas se aproximarem. A partir dessa coincidência, Natalie é abordada por uma assaltante no metrô e acaba batendo com a cabeça em uma pilastra da estação.

Os roteiristas Erin Cardillo, Dana Fox e Katie Silberman utilizam a tática de uma lesão na cabeça para a construção de uma realidade paralela, assim como em Sexy Por Acidente (2018) e Não Sou Um Homem Fácil (2018), em que os protagonistas experienciam ver o mundo por outra perspectiva. Aqui, Natalie acorda no hospital com um médico excepcionalmente bonito e as ruas de Nova York como os cenários de Um Lugar Chamado Notting Hill (1999) e um apartamento de luxo com uma guarda-roupa estonteante.

Além destes elementos, o seu vizinho Donny (Brandon Scott Jones) torna-se seu melhor amigo e conselheiro gay, e a protagonista descobre que não consegue mais falar palavrão ou fazer sexo, porque a censura do filme é PG-13, equivalente a 12 anos em nossas leis de faixa etária. Com um humor apurado Rebel Wilson consegue finalmente ser protagonista de um filme, antes sempre no papel de coadjuvante e da amiga desajeitada, vide Como Ser Solteira (2016), Quatro Amigas e Um Casamento (2012) e A Escolha Perfeita (2012).

A comicidade do filme fica por conta de Natalie saber que está presa em uma comédia romântica com direito a todos os atributos bobinhos. Ela sempre tropeça e os homens ao redor são cavalheiros e cheios de elogios na ponta da língua e, claro, inexplicavelmente encantados por ela. Assim também, o milionário empresário Blake (Liam Hemsworth) apaixona-se por ela e, por magia do destino, o primeiro encontro deles é perfeito. Apesar de alguns questionamentos iniciais, Natalie entrega-se ao clichê e deixa-se ser levada de helicóptero para uma festa com o galante namorado, mas aos poucos percebe-se apaixonada pelo seu amigo Josh. Que novidade!

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No melhor estilo O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997) ou O Melhor Amigo da Noiva (2008), a protagonista tem a missão de impedir a concretização do relacionamento imprevisível e inexplicável de Josh com a belíssima estrutura de yoga Isabella (Priyanka Chopra). Com isso, o filme investe em números musicais com o elenco cantando “I Wanna Dance With Somebody”, da Whitney Houston, e outra sequência ao final.

Por essas e outras cenas, Megarromântico é uma comédia romântica divertida, que busca sair fora da caixinha, mas acaba por perpetuar o gênero com um final feliz, embora a mensagem seja sobre amar a si mesmo para poder relacionar-se com alguém. O filme, entretanto, apenas apresenta uma ponta do que é o amor-próprio tanta vezes subjugado nas histórias de casais desde os tempos de Romeu e Julieta.

Outro ponto relevante é a ascendência de um casal burlesco e fora do padrões estéticos hollywoodianos como protagonistas, ainda mais porque realmente há uma boa química entre Adam Devine e Rebel Wilson, companheiros em três filmes e um seriado. Quando a gente zoa a si próprio o efeito do deboche suaviza um defeito ou uma falta grave, e isso é exatamente o que ocorre em Megarromântico. Por ser uma sátira de si mesmo, o filme agrada em expor as verdades nada originais dos roteiristas do gênero, mas sem ser esdrúxulo como Uma Comédia Nada Romântica (2006).

Ponderando os seus elementos, Megarromântico é uma sátira divertida, mas uma comédia romântica pastelão sem nenhuma paixão envolvente. Apesar de uma mensagem positiva de autoestima, o filme não chega a levantar nenhuma bandeira, apenas faz graça de como a vida real é distante dos relacionamentos nas telonas. Uma das personagens chega, inclusive, a dizer que é exatamente isso que ela quer ver: o idílico clichê do amor irreal.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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