quarta-feira , 26 fevereiro , 2025

Crítica Netflix | Série Boca a Boca – Estética e Mensagem Provocantes a Serem Saboreadas num só Fôlego


Após uma mágica noite de festa na floresta, Fran (Iza Moreira) acorda com o choro desesperado da sua amiga Bel (Luana Casta) vindo do chuveiro. Debaixo d’água, a jovem apresenta uma mancha roxa na boca e um olhar assustador. Assim começa o mistério da nova série brasileira da Netflix, Boca a Boca. Criação e direção geral de Esmir Filho, conhecido pelos longas Alguma Coisa Assim (2018), Os Famosos e Os Duendes da Morte (2010), e os curtas Saliva (2007) e Tapa na Pantera (2006), o seriado é uma envolvente mistura sinestésica de todas as obras do cineasta ao tratar de sexualidade, conservadorismo e hiperconectividade por trás de uma cortina de suspense e medo rumo ao desconhecido. 

Ambientada na cidadezinha rural pecuarista de Progresso, a narrativa apresenta os personagens jovens por meio das telas dos seus celulares e computadores. Grande parte da fluência da obra é advinda dessa linguagem inteiramente conectada ao atual mundo adolescente, no qual eles se comunicam e expressam-se por meio de vídeos, imagens e textos curtos. Desse modo, o caso da estudante Bel logo torna-se o assunto do momento, assim como as consequências da festa daquela noite. 



Boca a Boca capa 5 e1595085595357

O contraponto deste mundo dinâmico e colorido é representado pelos pais, principalmente pela diretora da Escola Modelo, Guiomar (Denise Fraga). Ela começa a sua própria investigação estudantil para saber o que ocorreu na noite anterior. Os acontecimentos são revelados aos poucos por flashbacks de cada um dos interrogados, entre eles Alex (Caio Horowicz) e o novato na cidade Chico (Michel Joelsas). A partir da primeira detenção juntos, Fran, Alex e Chico unem-se para descobrir o que ocorreu com Bel, ao mesmo tempo que outras pessoas começam a apresentar os mesmo sintomas e eles podem ser os próximos. 

Ao imaginar um vírus transmitido através do beijo na boca como desencadeador de diversas questões particulares, Esmir Filho não previa o momento de tensão atual causado por conta da pandemia da Covid-19. Evitar as possíveis relações, no entanto, é quase impossível, uma vez que o comportamento social dos personagens, entre a negação, o pânico e o isolamento forçado é um forte retrato social de 2020. 


Boca a Boca capa 4

Para transmitir toda uma leitura de questões sociais e medo do desconhecido, Boca a Boca  apoia-se em um inspirado elenco de jovens, os quais brilham em suas idiossincrasias. Com um forte trio de protagonistas, o ator Michel Joelsas (Que Horas Ela Volta?) se sobressai na pele de um rapaz de 17 anos a lidar com a adaptação em novo lar ao lado do  pai e do irmão autista, e o desejo latente por um viril peão (Thomás Aquino, o Pacote de Bacurau). De maneiras distintas, Fran e Alex também lidam com as suas questões sexuais e os embates dos relacionamentos familiares. 

Envoltos numa estética deslumbrante e um mistério mórbido, é difícil não deixar-se seduzir pela ambientação e os dilemas dos jovens da cidadezinha. Em um piscar de olhos, os seis episódios voam em uma crescente zona de mistério e nos abarca cada vez mais à história de Progresso. A cidade tem igualmente um papel fundamental na solução de alguns quebra-cabeças, ainda mais por guardar a ambiguidade de uma moralista nação pecuarista, ao mesmo tempo que anseia pela liberdade de novas experiências. 

Assista também: 
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Boca a Boca capa 1

Boca a Boca tem uma produção exuberante e meticulosa, acima do nível de séries nacionais da Netflix, como Reality Z (2020), Ninguém Está Olhando (2019) e 3% (2016-). Semelhante à Sex Education (2019 -), que faz um recorte de uma cidadezinha do interior da Inglaterra, e à Dark (2017-2020), na pequena cidade de Winden, o seriado brasileiro consegue captar reflexões juvenis mundiais e jogar com a nossa percepção, dentro do estreito reduto de Progresso. 

Apesar das possíveis comparações, Boca a Boca é peculiar na sua composição e, principalmente, na sua amálgama de cores entre o rosa e o azul em néon. Sendo possível traçar um paralelo com produções que nos conduzem a essas falsas dualidades, algo constantemente presente na obra do dinamarquês Nicolas Winding Refn, a exemplos Drive (2011) e O Demônio de Néon (2016). 

Boca a Boca capa 6 e1595085735608

Após os seis episódios, sendo os dois últimos dirigidos por Juliana Rojas, do intrigante As Boas Maneiras (2017), alguns dilemas desta temporada encontram resoluções, entretanto, provocam tremores de terras e abrem fissuras em outras planícies. Ou seja, há fôlego para a elaboração de uma sequência. A dúvida no ar é se a obra será capaz de provocar esta trepidação no público e deixá-lo sedento por um elixir que nos desperta do sonambulismo de uma existência sem questioná-la.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Após uma mágica noite de festa na floresta, Fran (Iza Moreira) acorda com o choro desesperado da sua amiga Bel (Luana Casta) vindo do chuveiro. Debaixo d’água, a jovem apresenta uma mancha roxa na boca e um olhar assustador. Assim começa o mistério da nova série brasileira da Netflix, Boca a Boca. Criação e direção geral de Esmir Filho, conhecido pelos longas Alguma Coisa Assim (2018), Os Famosos e Os Duendes da Morte (2010), e os curtas Saliva (2007) e Tapa na Pantera (2006), o seriado é uma envolvente mistura sinestésica de todas as obras do cineasta ao tratar de sexualidade, conservadorismo e hiperconectividade por trás de uma cortina de suspense e medo rumo ao desconhecido. 

Ambientada na cidadezinha rural pecuarista de Progresso, a narrativa apresenta os personagens jovens por meio das telas dos seus celulares e computadores. Grande parte da fluência da obra é advinda dessa linguagem inteiramente conectada ao atual mundo adolescente, no qual eles se comunicam e expressam-se por meio de vídeos, imagens e textos curtos. Desse modo, o caso da estudante Bel logo torna-se o assunto do momento, assim como as consequências da festa daquela noite. 

Boca a Boca capa 5 e1595085595357

O contraponto deste mundo dinâmico e colorido é representado pelos pais, principalmente pela diretora da Escola Modelo, Guiomar (Denise Fraga). Ela começa a sua própria investigação estudantil para saber o que ocorreu na noite anterior. Os acontecimentos são revelados aos poucos por flashbacks de cada um dos interrogados, entre eles Alex (Caio Horowicz) e o novato na cidade Chico (Michel Joelsas). A partir da primeira detenção juntos, Fran, Alex e Chico unem-se para descobrir o que ocorreu com Bel, ao mesmo tempo que outras pessoas começam a apresentar os mesmo sintomas e eles podem ser os próximos. 

Ao imaginar um vírus transmitido através do beijo na boca como desencadeador de diversas questões particulares, Esmir Filho não previa o momento de tensão atual causado por conta da pandemia da Covid-19. Evitar as possíveis relações, no entanto, é quase impossível, uma vez que o comportamento social dos personagens, entre a negação, o pânico e o isolamento forçado é um forte retrato social de 2020. 

Boca a Boca capa 4

Para transmitir toda uma leitura de questões sociais e medo do desconhecido, Boca a Boca  apoia-se em um inspirado elenco de jovens, os quais brilham em suas idiossincrasias. Com um forte trio de protagonistas, o ator Michel Joelsas (Que Horas Ela Volta?) se sobressai na pele de um rapaz de 17 anos a lidar com a adaptação em novo lar ao lado do  pai e do irmão autista, e o desejo latente por um viril peão (Thomás Aquino, o Pacote de Bacurau). De maneiras distintas, Fran e Alex também lidam com as suas questões sexuais e os embates dos relacionamentos familiares. 

Envoltos numa estética deslumbrante e um mistério mórbido, é difícil não deixar-se seduzir pela ambientação e os dilemas dos jovens da cidadezinha. Em um piscar de olhos, os seis episódios voam em uma crescente zona de mistério e nos abarca cada vez mais à história de Progresso. A cidade tem igualmente um papel fundamental na solução de alguns quebra-cabeças, ainda mais por guardar a ambiguidade de uma moralista nação pecuarista, ao mesmo tempo que anseia pela liberdade de novas experiências. 

Boca a Boca capa 1

Boca a Boca tem uma produção exuberante e meticulosa, acima do nível de séries nacionais da Netflix, como Reality Z (2020), Ninguém Está Olhando (2019) e 3% (2016-). Semelhante à Sex Education (2019 -), que faz um recorte de uma cidadezinha do interior da Inglaterra, e à Dark (2017-2020), na pequena cidade de Winden, o seriado brasileiro consegue captar reflexões juvenis mundiais e jogar com a nossa percepção, dentro do estreito reduto de Progresso. 

Apesar das possíveis comparações, Boca a Boca é peculiar na sua composição e, principalmente, na sua amálgama de cores entre o rosa e o azul em néon. Sendo possível traçar um paralelo com produções que nos conduzem a essas falsas dualidades, algo constantemente presente na obra do dinamarquês Nicolas Winding Refn, a exemplos Drive (2011) e O Demônio de Néon (2016). 

Boca a Boca capa 6 e1595085735608

Após os seis episódios, sendo os dois últimos dirigidos por Juliana Rojas, do intrigante As Boas Maneiras (2017), alguns dilemas desta temporada encontram resoluções, entretanto, provocam tremores de terras e abrem fissuras em outras planícies. Ou seja, há fôlego para a elaboração de uma sequência. A dúvida no ar é se a obra será capaz de provocar esta trepidação no público e deixá-lo sedento por um elixir que nos desperta do sonambulismo de uma existência sem questioná-la.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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