domingo , 24 novembro , 2024

Crítica Netflix | Série Boca a Boca – Estética e Mensagem Provocantes a Serem Saboreadas num só Fôlego

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Após uma mágica noite de festa na floresta, Fran (Iza Moreira) acorda com o choro desesperado da sua amiga Bel (Luana Casta) vindo do chuveiro. Debaixo d’água, a jovem apresenta uma mancha roxa na boca e um olhar assustador. Assim começa o mistério da nova série brasileira da Netflix, Boca a Boca. Criação e direção geral de Esmir Filho, conhecido pelos longas Alguma Coisa Assim (2018), Os Famosos e Os Duendes da Morte (2010), e os curtas Saliva (2007) e Tapa na Pantera (2006), o seriado é uma envolvente mistura sinestésica de todas as obras do cineasta ao tratar de sexualidade, conservadorismo e hiperconectividade por trás de uma cortina de suspense e medo rumo ao desconhecido. 

Ambientada na cidadezinha rural pecuarista de Progresso, a narrativa apresenta os personagens jovens por meio das telas dos seus celulares e computadores. Grande parte da fluência da obra é advinda dessa linguagem inteiramente conectada ao atual mundo adolescente, no qual eles se comunicam e expressam-se por meio de vídeos, imagens e textos curtos. Desse modo, o caso da estudante Bel logo torna-se o assunto do momento, assim como as consequências da festa daquela noite. 



O contraponto deste mundo dinâmico e colorido é representado pelos pais, principalmente pela diretora da Escola Modelo, Guiomar (Denise Fraga). Ela começa a sua própria investigação estudantil para saber o que ocorreu na noite anterior. Os acontecimentos são revelados aos poucos por flashbacks de cada um dos interrogados, entre eles Alex (Caio Horowicz) e o novato na cidade Chico (Michel Joelsas). A partir da primeira detenção juntos, Fran, Alex e Chico unem-se para descobrir o que ocorreu com Bel, ao mesmo tempo que outras pessoas começam a apresentar os mesmo sintomas e eles podem ser os próximos. 

Ao imaginar um vírus transmitido através do beijo na boca como desencadeador de diversas questões particulares, Esmir Filho não previa o momento de tensão atual causado por conta da pandemia da Covid-19. Evitar as possíveis relações, no entanto, é quase impossível, uma vez que o comportamento social dos personagens, entre a negação, o pânico e o isolamento forçado é um forte retrato social de 2020. 

Para transmitir toda uma leitura de questões sociais e medo do desconhecido, Boca a Boca  apoia-se em um inspirado elenco de jovens, os quais brilham em suas idiossincrasias. Com um forte trio de protagonistas, o ator Michel Joelsas (Que Horas Ela Volta?) se sobressai na pele de um rapaz de 17 anos a lidar com a adaptação em novo lar ao lado do  pai e do irmão autista, e o desejo latente por um viril peão (Thomás Aquino, o Pacote de Bacurau). De maneiras distintas, Fran e Alex também lidam com as suas questões sexuais e os embates dos relacionamentos familiares. 

Envoltos numa estética deslumbrante e um mistério mórbido, é difícil não deixar-se seduzir pela ambientação e os dilemas dos jovens da cidadezinha. Em um piscar de olhos, os seis episódios voam em uma crescente zona de mistério e nos abarca cada vez mais à história de Progresso. A cidade tem igualmente um papel fundamental na solução de alguns quebra-cabeças, ainda mais por guardar a ambiguidade de uma moralista nação pecuarista, ao mesmo tempo que anseia pela liberdade de novas experiências. 

Boca a Boca tem uma produção exuberante e meticulosa, acima do nível de séries nacionais da Netflix, como Reality Z (2020), Ninguém Está Olhando (2019) e 3% (2016-). Semelhante à Sex Education (2019 -), que faz um recorte de uma cidadezinha do interior da Inglaterra, e à Dark (2017-2020), na pequena cidade de Winden, o seriado brasileiro consegue captar reflexões juvenis mundiais e jogar com a nossa percepção, dentro do estreito reduto de Progresso. 

Apesar das possíveis comparações, Boca a Boca é peculiar na sua composição e, principalmente, na sua amálgama de cores entre o rosa e o azul em néon. Sendo possível traçar um paralelo com produções que nos conduzem a essas falsas dualidades, algo constantemente presente na obra do dinamarquês Nicolas Winding Refn, a exemplos Drive (2011) e O Demônio de Néon (2016). 

Após os seis episódios, sendo os dois últimos dirigidos por Juliana Rojas, do intrigante As Boas Maneiras (2017), alguns dilemas desta temporada encontram resoluções, entretanto, provocam tremores de terras e abrem fissuras em outras planícies. Ou seja, há fôlego para a elaboração de uma sequência. A dúvida no ar é se a obra será capaz de provocar esta trepidação no público e deixá-lo sedento por um elixir que nos desperta do sonambulismo de uma existência sem questioná-la.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Ambientada na cidadezinha rural pecuarista de Progresso, a narrativa apresenta os personagens jovens por meio das telas dos seus celulares e computadores. Grande parte da fluência da obra é advinda dessa linguagem inteiramente conectada ao atual mundo adolescente, no qual eles se comunicam e expressam-se por meio de vídeos, imagens e textos curtos. Desse modo, o caso da estudante Bel logo torna-se o assunto do momento, assim como as consequências da festa daquela noite. 

O contraponto deste mundo dinâmico e colorido é representado pelos pais, principalmente pela diretora da Escola Modelo, Guiomar (Denise Fraga). Ela começa a sua própria investigação estudantil para saber o que ocorreu na noite anterior. Os acontecimentos são revelados aos poucos por flashbacks de cada um dos interrogados, entre eles Alex (Caio Horowicz) e o novato na cidade Chico (Michel Joelsas). A partir da primeira detenção juntos, Fran, Alex e Chico unem-se para descobrir o que ocorreu com Bel, ao mesmo tempo que outras pessoas começam a apresentar os mesmo sintomas e eles podem ser os próximos. 

Ao imaginar um vírus transmitido através do beijo na boca como desencadeador de diversas questões particulares, Esmir Filho não previa o momento de tensão atual causado por conta da pandemia da Covid-19. Evitar as possíveis relações, no entanto, é quase impossível, uma vez que o comportamento social dos personagens, entre a negação, o pânico e o isolamento forçado é um forte retrato social de 2020. 

Para transmitir toda uma leitura de questões sociais e medo do desconhecido, Boca a Boca  apoia-se em um inspirado elenco de jovens, os quais brilham em suas idiossincrasias. Com um forte trio de protagonistas, o ator Michel Joelsas (Que Horas Ela Volta?) se sobressai na pele de um rapaz de 17 anos a lidar com a adaptação em novo lar ao lado do  pai e do irmão autista, e o desejo latente por um viril peão (Thomás Aquino, o Pacote de Bacurau). De maneiras distintas, Fran e Alex também lidam com as suas questões sexuais e os embates dos relacionamentos familiares. 

Envoltos numa estética deslumbrante e um mistério mórbido, é difícil não deixar-se seduzir pela ambientação e os dilemas dos jovens da cidadezinha. Em um piscar de olhos, os seis episódios voam em uma crescente zona de mistério e nos abarca cada vez mais à história de Progresso. A cidade tem igualmente um papel fundamental na solução de alguns quebra-cabeças, ainda mais por guardar a ambiguidade de uma moralista nação pecuarista, ao mesmo tempo que anseia pela liberdade de novas experiências. 

Boca a Boca tem uma produção exuberante e meticulosa, acima do nível de séries nacionais da Netflix, como Reality Z (2020), Ninguém Está Olhando (2019) e 3% (2016-). Semelhante à Sex Education (2019 -), que faz um recorte de uma cidadezinha do interior da Inglaterra, e à Dark (2017-2020), na pequena cidade de Winden, o seriado brasileiro consegue captar reflexões juvenis mundiais e jogar com a nossa percepção, dentro do estreito reduto de Progresso. 

Apesar das possíveis comparações, Boca a Boca é peculiar na sua composição e, principalmente, na sua amálgama de cores entre o rosa e o azul em néon. Sendo possível traçar um paralelo com produções que nos conduzem a essas falsas dualidades, algo constantemente presente na obra do dinamarquês Nicolas Winding Refn, a exemplos Drive (2011) e O Demônio de Néon (2016). 

Após os seis episódios, sendo os dois últimos dirigidos por Juliana Rojas, do intrigante As Boas Maneiras (2017), alguns dilemas desta temporada encontram resoluções, entretanto, provocam tremores de terras e abrem fissuras em outras planícies. Ou seja, há fôlego para a elaboração de uma sequência. A dúvida no ar é se a obra será capaz de provocar esta trepidação no público e deixá-lo sedento por um elixir que nos desperta do sonambulismo de uma existência sem questioná-la.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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