sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica Netflix | Sintonia 4ª Temporada – Crescimento dos personagens e da qualidade da série ditam EXCELENTE encerramento

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Ao chegar na quarta temporada, o seriado Sintonia pode ser considerado um dos melhores trabalhos da Netflix em território nacional. Ao lado da — já quase esquecida — 3%, de Pedro Aguilera, a produção nascida dos talentosos KondZilla, Felipe Braga e Guilherme Quintella é um incontestável destaque das produções nacionais com personagens cativantes e uma abordagem dinâmica da cidade de São Paulo. 

Se na primeira temporada em 2019, Sintonia se apresentava como a tríade do “F”: funk, fé e fogo, isto é, a música da classes populares, o poder da igreja evangélica e a ordem do tráfico de drogas como o meio de poder aquisitivo, a narrativa evoluiu os discursos ao longo do tempo. Com essa tricotomia, o seriado explora a trajetória de três amigos de infância, agora no início da idade adulta. 



Nando (Christian Malheiros), Doni (Jottapê/João Pedro Carvalho) e Rita (Bruna Mascarenhas) são muito bem construídos e os intérpretes cresceram com os personagens ao longo dos anos. Por mais que não concordemos com as escolhas dos jovens, o enredo nos enlaça a compreender suas decisões e o seus pontos de vista. O grande mérito da série é colocar em evidência as histórias até então secundárias no audiovisual brasileiro ou estereotipadas no cinema. 

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Com um acachapante gancho final na terceira temporada, a quarta começa com o fôlego reacendido, tal como uma fênix ressurgida das cinzas. Com os traumas sofridos, os três amigos começam a tomar decisões diferentes para suas vidas e a questionar se o perdão tem vez em frente ao medo da morte. 

Baleado no conflito final da temporada anterior, Doni afasta-se por um longo tempo da carreira de cantor, enquanto as contas do hospital e da reabilitação viram uma bomba prestes a explodir e mudar para sempre o seu modo irresponsável de vida. Nessa etapa da série, os passos dos seus protagonistas parecem mais calcados na realidade, depois dos tropeços das temporadas passadas.

Enquanto Doni tenta se refazer a partir da falência, Rita — decepcionada com a igreja e sua aliança política e, portanto, corrupta — assume ter recebido um sinal para o seu próximo passo: voltar aos estudos. Pela primeira vez no programa, a educação apresenta-se como possibilidade aos jovens por meio do supletivo para terminar o ensino médio e do PROUNI para alcançar um diploma de nível superior. 

Dedicada tanto quanto à renovação da igreja do bairro e à campanha para vereadora, Rita entra na faculdade de Direito e, consequentemente, em contato com outras realidades. Seus passos são feitos pedacinho por pedacinho e com bastante reflexão, por exemplo, dar dois passos atrás na questão financeira para avançar — quem sabe no futuro — um passo em direção a uma promissora carreira. 

Sozinha desde menina, Rita encontra em Cleyton, vulgo Formiga (MC M10), o companheiro para sua caminhada e também sua desesperança na justiça. Com dois episódios a mais do que as temporadas anteriores (oito no lugar de seis) e maior duração (passou de 30 minutos para quase um hora cada), Sintonia desenvolve melhor os dilemas dos personagens secundários como uma despedida e forma de amarrar todos os laços.

Assim, Cleyton recebe atenção especial a partir do sexto episódio e a sua batalha como ex-detento fichado e à espera de julgamento ganha contornos mais dramáticos. Sem um emprego regular, ele trabalha como entregador de aplicativo e carrega nas costas os riscos e a insalubridade do trabalho. O tema do emprego mais recorrentes da classe trabalhadora periférica atualmente também tem vez na série Manhãs de Setembro, da Prime Video

O arco mais eficiente e importante, no entanto, é do Nando. Procurado pela polícia e traído por um dos seus parceiros, ele sofre o golpe de ter a sua esposa Scheyla (Julia Yamaguchi) encarcerada em seu lugar. Nesta temporada, a atriz tem um destaque enorme e uma exigência gigante para mostrar o sofrimento da jovem na penitenciária feminina. A artista consegue nos apunhalar com a sua dor e é a melhor interpretação de toda a série. Destaca-se também o sangue frio do fiel escudeiro Pulga, vivido por MC Rhamon.

Embora não componha um personagem emotivo, Christian Malheiros impõe-se como chefe do crime, mesmo que mirim, e um homem preste a tudo para desvendar o grande mistério da quarta temporada e libertar a sua esposa. Por essas razões e outras, Sintonia torna-se uma série envolvente, credível e multidimensional. Os dois últimos episódios são derradeiros, isto é, tudo ocorre para que esses sejam os capítulos finais da narrativa.  

Com cenas em flashback, os amigos remontam seus caminhos, a busca pelo perdão e a reconstrução do sentimento entre eles, mesmo que isso não signifique um final feliz. Dessa maneira, Sintonia não lança mão de uma conclusão, mas ajustes de contas plausíveis para todas as suas peças. Se os produtores decidirem continuar com o projeto por conta de uma boa recepção do público, eles arriscam a prejudicar um excelente desfecho. 

Para deleite do público, o funk ainda é a trilha sonora e ambientação do projeto, mas com abertura para outros ritmos como o trap e rap freestyle, com cenas reais das Batalha de Rima, com a participação de MC MLK (Kant), MC Larety (Levinski), MC Nuevo (JP) e a apresentação da canção Favela no Top. Como se a mensagem tivesse sido passada de forma adequada, harmoniosa e honrosa, Sintonia despede-se em grande estilo e com uma fechamento vigoroso.

Os personagens são frutíferos e poderiam ser aproveitados para um filme derivado da série daqui a alguns anos, ao invés de uma quinta temporada precipitada. Afinal de contas, seria ótimo ver a Rita participando de algum julgamento, ou mesmo como juíza ou delegada, ou ainda o Doni como um produtor musical e ganhador de grammys; e o Nando… bem se ele conseguir manter-se vivo já está no lucro. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Se na primeira temporada em 2019, Sintonia se apresentava como a tríade do “F”: funk, fé e fogo, isto é, a música da classes populares, o poder da igreja evangélica e a ordem do tráfico de drogas como o meio de poder aquisitivo, a narrativa evoluiu os discursos ao longo do tempo. Com essa tricotomia, o seriado explora a trajetória de três amigos de infância, agora no início da idade adulta. 

Nando (Christian Malheiros), Doni (Jottapê/João Pedro Carvalho) e Rita (Bruna Mascarenhas) são muito bem construídos e os intérpretes cresceram com os personagens ao longo dos anos. Por mais que não concordemos com as escolhas dos jovens, o enredo nos enlaça a compreender suas decisões e o seus pontos de vista. O grande mérito da série é colocar em evidência as histórias até então secundárias no audiovisual brasileiro ou estereotipadas no cinema. 

Com um acachapante gancho final na terceira temporada, a quarta começa com o fôlego reacendido, tal como uma fênix ressurgida das cinzas. Com os traumas sofridos, os três amigos começam a tomar decisões diferentes para suas vidas e a questionar se o perdão tem vez em frente ao medo da morte. 

Baleado no conflito final da temporada anterior, Doni afasta-se por um longo tempo da carreira de cantor, enquanto as contas do hospital e da reabilitação viram uma bomba prestes a explodir e mudar para sempre o seu modo irresponsável de vida. Nessa etapa da série, os passos dos seus protagonistas parecem mais calcados na realidade, depois dos tropeços das temporadas passadas.

Enquanto Doni tenta se refazer a partir da falência, Rita — decepcionada com a igreja e sua aliança política e, portanto, corrupta — assume ter recebido um sinal para o seu próximo passo: voltar aos estudos. Pela primeira vez no programa, a educação apresenta-se como possibilidade aos jovens por meio do supletivo para terminar o ensino médio e do PROUNI para alcançar um diploma de nível superior. 

Dedicada tanto quanto à renovação da igreja do bairro e à campanha para vereadora, Rita entra na faculdade de Direito e, consequentemente, em contato com outras realidades. Seus passos são feitos pedacinho por pedacinho e com bastante reflexão, por exemplo, dar dois passos atrás na questão financeira para avançar — quem sabe no futuro — um passo em direção a uma promissora carreira. 

Sozinha desde menina, Rita encontra em Cleyton, vulgo Formiga (MC M10), o companheiro para sua caminhada e também sua desesperança na justiça. Com dois episódios a mais do que as temporadas anteriores (oito no lugar de seis) e maior duração (passou de 30 minutos para quase um hora cada), Sintonia desenvolve melhor os dilemas dos personagens secundários como uma despedida e forma de amarrar todos os laços.

Assim, Cleyton recebe atenção especial a partir do sexto episódio e a sua batalha como ex-detento fichado e à espera de julgamento ganha contornos mais dramáticos. Sem um emprego regular, ele trabalha como entregador de aplicativo e carrega nas costas os riscos e a insalubridade do trabalho. O tema do emprego mais recorrentes da classe trabalhadora periférica atualmente também tem vez na série Manhãs de Setembro, da Prime Video

O arco mais eficiente e importante, no entanto, é do Nando. Procurado pela polícia e traído por um dos seus parceiros, ele sofre o golpe de ter a sua esposa Scheyla (Julia Yamaguchi) encarcerada em seu lugar. Nesta temporada, a atriz tem um destaque enorme e uma exigência gigante para mostrar o sofrimento da jovem na penitenciária feminina. A artista consegue nos apunhalar com a sua dor e é a melhor interpretação de toda a série. Destaca-se também o sangue frio do fiel escudeiro Pulga, vivido por MC Rhamon.

Embora não componha um personagem emotivo, Christian Malheiros impõe-se como chefe do crime, mesmo que mirim, e um homem preste a tudo para desvendar o grande mistério da quarta temporada e libertar a sua esposa. Por essas razões e outras, Sintonia torna-se uma série envolvente, credível e multidimensional. Os dois últimos episódios são derradeiros, isto é, tudo ocorre para que esses sejam os capítulos finais da narrativa.  

Com cenas em flashback, os amigos remontam seus caminhos, a busca pelo perdão e a reconstrução do sentimento entre eles, mesmo que isso não signifique um final feliz. Dessa maneira, Sintonia não lança mão de uma conclusão, mas ajustes de contas plausíveis para todas as suas peças. Se os produtores decidirem continuar com o projeto por conta de uma boa recepção do público, eles arriscam a prejudicar um excelente desfecho. 

Para deleite do público, o funk ainda é a trilha sonora e ambientação do projeto, mas com abertura para outros ritmos como o trap e rap freestyle, com cenas reais das Batalha de Rima, com a participação de MC MLK (Kant), MC Larety (Levinski), MC Nuevo (JP) e a apresentação da canção Favela no Top. Como se a mensagem tivesse sido passada de forma adequada, harmoniosa e honrosa, Sintonia despede-se em grande estilo e com uma fechamento vigoroso.

Os personagens são frutíferos e poderiam ser aproveitados para um filme derivado da série daqui a alguns anos, ao invés de uma quinta temporada precipitada. Afinal de contas, seria ótimo ver a Rita participando de algum julgamento, ou mesmo como juíza ou delegada, ou ainda o Doni como um produtor musical e ganhador de grammys; e o Nando… bem se ele conseguir manter-se vivo já está no lucro. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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